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Artigo Original

Análise do efeito do estradiol e progesterona tópicos na cicatrização de feridas em ratos

Juliana Augusta Zeglin Nicolau1; Paula Foresti Faria1; Luciana de Oliveira Marques2; Deyse Fabiane Hoepers1; Andressa Dias da Rocha3; Ana Cristina Lira Sobral4

Data de recebimento: 04/06/2013
Data de aprovação: 01/06/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Estudos demonstram que estradiol e progesterona influenciam a cicatrização de feridas, angiogênese e remodelamento. Objetivos: Avaliar os efeitos tópicos de estradiol e progesterona isolados e associados na cicatrização de feridas de ratas menopausadas. Métodos: Utilizaram-se 40 ratas linhagem Wistar, divididas aleatoriamente em quatro grupos com o mesmo número de animais: C: controle, utilizando o veículo; E: estradiol 0,5mg; P: progesterona 15mg; E+P: estradiol 0,5mg e progesterona 15mg. Inicialmente as ratas foram submetidas à ooforectomia bilateral, e no 30o dia do pós-operatório, confeccionou-se ferida circular com 1cm de diâmetro, e iniciou-se a aplicação dos tópicos, mantidos durante sete dias. Realizaram-se biópsias no terceiro, sétimo e 140 dias, seguidas de exérese da ferida. As biópsias foram coradas com Sirius-Red (análise colágena) e hematoxilina-eosina (análise morfométrica). Valores de p<0,05 indicaram significância estatística. Resultados: Apenas no Grupo P observou-se aceleração da reepitelização do sétimo ao 14o dia (p=0,016) e aumento da fibrose do terceiro ao sétimo dia (p=0,008). Grupo E e grupo E+P inibiram a formação do colágeno tipo III, nos três momentos do estudo (p<0,001). Conclusões: A terapia tópica com estradiol, e estradiol associado à progesterona inibiram a formação do colágeno tipo III. A progesterona isolada apenas contribuiu no processo de reepitelização das feridas.

Keywords: ESTROGÊNIOS; PROGESTERONA; COLÁGENO; CICATRIZAÇÃO.


INTRODUÇÃO

As feridas cutâneas são resultado de múltiplos fatores, como hipóxia, trauma ou pressão. Sua evolução quase sempre segue uma ordem já estabelecida: inflamação, proliferação e remodelamento.¹ O processo da cicatrização envolve células sanguíneas, matriz extracelular, mediadores celulares e células parenquimatosas.² Diversos fatores, entretanto, podem prejudicar esse processo, tais como desnutrição, drogas variadas, radiação e hipóxia.¹

A pele é composta primariamente de fibras colágenas, fibras elásticas e glicosaminaproteoglicanas.³ Particularmente, na matriz dérmica há essencialmente dois tipos de colágeno: I e III, correspondendo a cerca de 80-85% e 15-20%, respectivamente, do total dessa proteína. O tipo I está localizado principalmente na derme reticular, a mais profunda da pele. O colágeno tipo III está presente, em sua maioria, na derme papilar, localizada mais superficialmente. Na ferida há, ao contrário do que ocorre na derme íntegra, maior proporção de colágeno III do que do tipo I.

Hormônios são fatores potencialmente determinantes no processo de envelhecimento, e o estrógeno mostrou-se benéfico ao acelerar a reparação tecidual relacionada ao envelhecimento em ambos os sexos.4

Alguns estudos demonstram que a terapia estrogênica tópica e sistêmica estimula a cicatrização à medida que reduz a inflamação. Estudos in vitro também sugerem que a progesterona pode modular a inflamação. O estrógeno e a progesterona contribuiriam para a ativação do macrófago em uma via alternativa, levando à cicatrização da ferida, à angiogênese e ao remodelamento.5

Diante do aumento da expectativa de vida e consequente envelhecimento da população mundial, com decorrente aumento das patologias cutâneas e deficit cicatriciais próprios da idade, há necessidade de pesquisas sobre o efeito da progesterona e do estrógeno como adjuvantes no tratamento de feridas cutâneas.5

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos tópicos de estrogênio e progesterona isolados e em associação na cicatrização de feridas de ratas menopausadas.

 

MÉTODOS

Foram utilizadas 40 ratas, Rattus norvegicus albinus rodentia mammalia, da linhagem Wistar, fêmeas adultas, procedentes do Biotério Central da Faculdade Evangélica do Paraná. Todos os animais foram mantidos no biotério da instituição e receberam água e ração própria para a espécie sendo respeitados os Princípios Éticos de manuseio e experimentação animal definidos pela Comissão de Ética de Experimentação Animal (Ceea). O projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da entidade, sob protocolo número 4723/11 de 20/05/2011.

A amostra foi dividida em quatro grupos de dez animais cada, conforme o tratamento proposto, descrito abaixo:

GRUPO C (Controle): Recebeu apenas o veículo composto de creme não iônico.

GRUPO E (Estradiol): Recebeu tratamento tópico com pomada contendo 0,5mg de 17-beta-estradiol em veículo composto de creme não iônico.

GRUPO P (Progesterona): Recebeu tratamento tópico com pomada contendo 15mg de progesterona natural em veículo composto de creme não iônico.

GRUPO E+P (Estradiol e Progesterona): Recebeu tratamento tópico com pomada contendo 0,5mg de 17-beta-estradiol, associado a 15mg de progesterona natural em veículo composto de creme não iônico.

No primeiro momento do experimento, todos os animais foram pesados, identificados com ácido pícrico e reunidos em gaiolas, cada uma com cinco indivíduos aleatoriamente escolhidos. A seguir, foram anestesiados com isofluorane inalatório até plano profundo, e submetidos à ooforectomia bilateral, conforme técnica cirúrgica-padrão para indução do estado de menopausa.

No segundo momento do experimento, no 30º dia do pós-operatório, sob o mesmo procedimento anestésico já descrito, foi confeccionada uma ferida circular com 1cm de diâmetro, no dorso de cada animal, retirando-se pele e subcutâneo, sem lesar a aponeurose adjacente. A partir desse momento, todos os animais receberam o tratamento tópico diário, proposto para cada grupo, sempre no mesmo horário do dia e durante sete dias ininterruptos. Os animais receberam dose diária de morfina (solução a 10%) na dose de 0,1ml por 100g de peso do rato, via intramuscular, como procedimento analgésico durante a cicatrização.

As biópsias foram realizadas no terceiro, sétimo e14º dias após o início do tratamento. Nas figuras 1 e 2 observa-se o aspecto da ferida cutânea no 14º dia do experimento nos grupos Progesterona e Estradiol.

No terceiro momento, ao 14º dia após o início do tratamento, os animais foram novamente pesados e eutanasiados através de overdose anestésica com isofluorane inalatório.

Quanto à análise ponderal, os grupos de animais foram comparados para avaliação das influências hormonais nos três momentos de biópsia do experimento (terceiro, sétimo e14º dias).

Para a avaliação da histologia e do colágeno, as cicatrizes cutâneas dos animais eutanasiados foram ressecadas e fixadas em formalina tamponada. A confecção das lâminas foi realizada no laboratório de Histotécnica da Fepar mediante coloração de HE para análise histológica, e coloração de Sirius-red para análise de colágeno.

Na primeira foram analisados: epitelização, classificação e grau de processo inflamatório, e vascularização. Na análise por Sirius-red foi quantificado e qualificado o colágeno. As análises microscópicas foram realizadas sempre pela mesma patologista.

O tempo total de estudos foi de 44 dias.

Os testes estatísticos utilizados para as variáveis quantitativas foram: Anova, teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, teste não paramétrico de Friedman. Para a análise de variáveis qualitativas: teste exato de Fisher, teste binomial. Por último, para condição de normalidade das variáveis, foi utilizado o teste de Shapiro-Wilks.

Todos os resultados receberam tratamento estatístico, adotando-se 0,05 como nível de significância. Os dados foram analisados com o programa computacional Statistica v.8.0.

 

RESULTADOS

Durante o estudo três animais correspondentes ao grupo-controle foram a óbito, o primeiro durante a confecção da ferida, e os outros dois no sétimo dia de evolução da ferida. A causa de morte esteve relacionada à sedação inalatória utilizada durante os procedimentos. Os animais restantes foram submetidos à eutanásia nos dias previstos para a aferição. Ao final do experimento todas as feridas cicatrizaram.

De acordo com o gráfico 1, quanto quanto à análise ponderal, os medicamentos estradiol, estradiol com progesterona ou progesterona não causaram alteração de peso no decorrer do estudo, nas análises do terceiro (p = 0,435), 7º (p = 0,120) e do 14º dia (p = 0,130). Devido ao estresse cirúrgico, aos curativos oclusivos e à manipulação diária, todos os elementos dos quatro grupos perderam peso de forma significativa (p<0,05) após a ooforectomia e no decorrer da cicatrização, sem diferença estatística significativa entre os grupos.

Na análise histológica (HE), em relação à evolução da epitelização, o grupo Progesterona apresentou maior e significante reepitelização da ferida no 14º dia (p = 0,01).

Quanto ao processo inflamatório não houve diferença significativa em relação aos três grupos nos três momentos do estudo. O mesmo ocorreu quanto à neovascularização, fibrose e quanto ao número de macrófagos e fibroblastos nas feridas.

Na análise intragrupo, apenas a Progesterona acelerou a reepitelização do sétimo ao 14º dia (p = 0,016) e aumentou a fibrose do terceiro ao sétimo dia (p = 0,008).

Quanto à análise do colágeno o Grupo E e o Grupo E+P inibiram a formação do colágeno tipo III, nos três momentos do estudo (p<0,001), como é possível observar no gráfico 2. O grupo que obteve maior percentual de formação de colágeno novo, entre o 7º e o 14º dia, foi o grupo Estradiol associado à Progesterona.

Nota-se nas figuras 3 a 6 a formação do colágeno na coloração de Sirius-red nos diferentes grupos do estudo.

 

DISCUSSÃO

Segundo Brincat, o estrogênio possui muitos efeitos benéficos e protetores sobre a fisiologia e a função da pele, incluindo a manutenção da hidratação e espessura da pele, a elasticidade, a cicatrização de feridas e a redução ao risco de câncer de pele.6 Também de acordo com Ashcroft, uma redução dos níveis de estrógeno leva a um prejuízo da qualidade da cicatrização cutânea em mulheres menopausadas e em ratas ooforectomizadas. A aplicação tópica de estrógeno também foi relacionada com uma aceleração da cicatrização cutânea.7 De acordo com nosso estudo não foi possível observar tais efeitos descritos na literatura, já que apenas no grupo da Progesterona foi observada a aceleração da fibrose e da reepitelização em certos momentos do estudo.

Segundo Ashcroft a reposição hormonal sistêmica em fêmeas menopausadas foi associada com aceleração da cicatrização de feridas em comparação com a aplicação tópica. Já o estrogênio aplicado topicamente, imediatamente após a realização da ferida, reduziu a incidência de deiscência e infecção.8

Em estudo realizado com coelhas ooforectomizadas, foi avaliada a terapia crônica com dipropionato de estradiol, atentando-se a espessura das camadas da pele, a porcentagem de colágeno dérmico e fibras elásticas e áreas de glândulas sebáceas. Tendo o conhecimento de que a espessura da epiderme varia consideravelmente nas diferentes regiões do corpo e hormônios esteróides sexuais estão envolvidos na regulação do desenvolvimento e função da pele, nesse estudo a ausência de estradiol diminui a atividade mitótica da camada basal da epiderme.9

Foi observado que os estrógenos estimulam a síntese, maturação, e renovação do colágeno em ratos.10 O que pode ser comparado ao presente estudo, visto que foi observado um aumento do colágeno tipo III na análise intra-grupo. Houve um aumento de colágeno tipo III do 7º ao 14º dia (p=0,006) dentro do grupo Estradiol e do grupo Progesterona associado ao Estradiol (p=0,001), no mesmo período.

De acordo com Isaac, na ferida há uma maior proporção de colágeno tipo III em relação ao tipo I; desta forma os miofibroblastos ligam-se às fibras colágenas do tipo III, promovendo a contração da ferida. Sendo assim, quanto maior o número de fibras colágenas tipo III presentes, maior será a contração da ferida.11 Portanto, este estudo veio a corroborar com a informação presente na literatura, já que o grupo E e o E+P inibiram a formação de colágeno tipo III, e apenas o grupo da Progesterona acelerou significativamente a reepitelização da ferida.

Foi observado que os estrógenos estimulam a síntese, maturação e renovação do colágeno em ratos,9 o que pode ser comparado ao presente estudo, visto que foi observado aumento do colágeno tipo III na análise intragrupo. Houve aumento de colágeno tipo III do sétimo ao 14º dia (p = 0,006) dentro do grupo Estradiol e do grupo Progesterona associado ao Estradiol (p = 0,001), no mesmo período.

De acordo com Isaac, na ferida há maior proporção de colágeno tipo III do que do tipo I; dessa forma os miofibroblastos ligam-se às fibras colágenas do tipo III, promovendo a contração da ferida. Sendo assim, quanto maior o número de fibras colágenas tipo III presentes, maior será a contração da ferida.10 Portanto, este estudo veio corroborar a informação presente na literatura, já que o grupo E e o E+P inibiram a formação de colágeno tipo III, e apenas o grupo da Progesterona acelerou significativamente a reepitelização da ferida.

 

CONCLUSÃO

A terapia tópica com estradiol e estradiol associado à progesterona inibiu a formação do colágeno tipo III. A progesterona isolada apenas contribuiu no processo de reepitelização das feridas.

 

Referências

1. Burns JL, Mancoll JS, Philips LG. Impairments to wound healing. Clin Plastic Sur. 2003;30(1):47-56.

2. Santuzzi CH, Buss HF, Pedrosa DF, Freire MOVM, Nogueira BV, Gonçalves WLS. Uso combinado da laserterapia de baixa potência e dainibição da ciclooxigenase-2 na reepitelização de ferida incisional em pele de camundongos: um estudo pré-clínico. An Bras Dermatol. 2011;86(2):278-83.

3. Fang M, Liroff KG, Turner AS, Les CM, Orr BG, Holl MM. Estrogen depletion results in nanoscale morphology changes in dermal collagen. J Invest Dermatol. 2012;132(7):1791-7.

4. Hardman MJ, Ashcroft GS. Estrogen, not intrinsic aging, is the major regulator of delayed human wound healing in the elderly. Genome Biology. 2008;9(5):80:1-17.

5. Routley CE, Ashcroft GS. Effect of estrogen and progesterone on macrophage activation during wound healing. Wound Repair Regen. 2009;17(1):42-50.

6. Brincat MP. Hormone replacement therapy and the skin. Maturitas 2000;35(2):107-17.

7. Ashcroft GS, Greenwell-Wild T, Horan MA,Wahl SM, Ferguson MW. Topical estrogen accelerates cutaneous wound healing in aged humans associated with an altered inflammatory response. Am J Pathol 1999;155(4):1137-46.

8. Ashcroft GS, Dodsworth J, van Boxtel E, Tarnuzzer RW, Horan MA, Schultz GS, et al. Estrogen accelerates cutaneous wound healing associated with na increase in TGF- beta 1 levels. Nat Med 3(11):1209-15.

9. Lignières B. Ovariam hormones and cutaneous aging. Rev Fr Gynecol Obstet. 1991;86(6):451-4.

10. Smith QT, Allison DJ. Changes of collagen content in skin, femur and uterus of 17-beta-estradiol benzoate-treated rats. Endocrinology. 1966;79(3):486-92

11. Isaac C, Ladeira PRS, Rego FMP, Aldunate JCB, Ferreira MC. Processo de cura das feridas: cicatrização fisiológica. Rev Med (São Paulo). 2010;89(3/4):125-31.

 

Trabalho realizado na Faculdade Evangélica do Paraná - Curitiba (PR), Brasil


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