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Novas Técnicas

Biópsias orientadas em oncologia cutânea

Luis Fernando Figueiredo Kopke

Data de recebimento: 23/01/2014
Data de aprovação: 17/03/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Biópsias orientadas são fragmentos de tecido, geralmente fusiformes, posicionados em relação ao tumor de maneira a observar sua visualização histológica de modo panorâmico e topográfico. Realizadas comumente nas bordas do tumor, permitem melhorar o planejamento cirúrgico, eventualmente ajudando a diminuir o número de estágios em uma cirurgia micrográfica. Este artigo detalha a execução técnica do procedimento dos pontos de vista cirúrgico e laboratorial.

Keywords: BIÓPSIA; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS; CIRURGIA DE MOHS; PATOLOGIA CIRÚRGICA; NEOPLASIAS CUTÂNEAS.


INTRODUÇÃO E CONCEITO

Em oncologia cutânea não é incomum o encontro de tumores clinicamente mal delimitados, a ponto de dificultar o ponto de partida da exérese.

Tumores com crescimento predominantemente infiltrativo podem oferecer dificuldades à detecção, principalmente no início, tendo aparência clínica de mácula hipopigmentada ou placa pouco elevada com bordos mal definidos. Essas lesões surgem principalmente na face de pacientes com pele clara e fotodanificada. Em alguns casos, múltiplas intervenções cirúrgicas (curetagens e eletrocoagulações, crioterapia, e até mesmo cirurgias), além do uso de medicações tópicas que eventualmente possam provocar involução parcial dos tumores (5-fluor-uracil, imiquimod e outros), podem comprometer a determinação de seus limites.

Apesar de indistinto nessas situações, o limite tumoral pode ser mais bem examinado através de uma excisão fusiforme estreita, topograficamente orientada, que forneça informação mais panorâmica, na qual se possa visualizar o tumor ao longo de uma extensão variável. Essa seria a concepção teórica do que vem a ser uma biópsia orientada (Figura 1).

Dependendo do tamanho e do tipo histológico predominante do tumor, a biópsia orientada pode ser incisional ou excisional. Nada impede que o conceito de biópsia orientada seja usado em tumores clinicamente bem visíveis, embora tenha mais utilidade na avaliação de tumores de difícil delimitação clínica ou em situações conflitantes do ponto de vista histopatológico.

 

TÉCNICA

A extensão e a orientação do fuso vão depender da visão panorâmica que se quer ter. Dessa forma pode-se planejar mais de um fuso em diferentes orientações (um látero-lateral e outro crânio-caudal, por exemplo). Quanto à extensão longitudinal, seria aconselhável que não ultrapassasse 2cm, pois isso poderia dificultar sua inclusão na preparação histológica, visto que lâminas comuns de microscopia têm 2,5cm de largura. Isso, porém, não constitui fator limitante, já que se pode montar a lâmina em seu sentido longitudinal, viabilizando cortes com mais de 2,5cm de extensão, ainda que, do ponto de vista prático, a extensão máxima de 2cm pareça ser suficiente na maioria dos casos.

É importante que o fuso não seja largo e sim bem fino, pois isso vai facilitar a inclusão do material. No entanto, fusos muitos finos podem mostrar-se frágeis e se fragmentar durante o processo laboratorial, o que prejudicaria o objetivo desse tipo de exame.

Uma vez estabelecida a orientação do(s) fuso(s), um ponto cirúrgico vai ser colocado em uma das extremidades a fim de marcá-la - por convenção, no lado possivelmente livre de tumor. Desenha-se um croqui de toda a situação topográfica, determinando ao laboratório que pinte em cores diferentes os lados opostos do fuso, orientando o corte e a biópsia. De preferência, todos esses detalhes devem ser fotografados, evitando futuras dificuldades de interpretação, quando as lâminas estiverem finalizadas.

O laboratório deve estar familiarizado com o procedimento, do contrário, cortes e clivagens indevidos podem ocorrer. Deve-se evitar clivar o fragmento. É mais fácil e seguro inclui-lo por inteiro de forma que uma de suas faces laterais seja toda apresentada à navalha do micrótomo. De preferência, devese desgastar o bloco no sentido longitudinal, até que a região central do fuso seja atingida. Dessa forma, obtém-se visão panorâmica de uma extremidade à outra, pintadas distintamente.

Situações de aplicabilidade da técnica

1. Planejamento da incisão inicial em casos de cirurgia micrográfica, como já exemplificado na figura 1.

2. Coleta de dados mais fidedignos do que os fornecidos por biópsias puntiformes múltiplas, que podem falhar por falta da visão panorâmica (Figuras 2 a 4).

3. Estudo completo das bordas tumorais, lateral e profunda (Figuras 5 e 6).

 

DISCUSSÃO

Apesar de não ter sido encontrado referência bibliográfica específica sobre o tema na literatura, intuitivamente, pode-se pensar que este procedimento já seja realizado rotineiramente, devido à sua simplicidade e lógica. Embora isso possa ser verdade, é importante se descrever o método e padroniza-lo, para que sua lógica seja assimilada e ele possa ser útil nas diferentes situações clínico-cirúrgicas. O autor desconhece procedimento semelhante previamente publicado ou detalhado em 57 textos examinados sobre "biópsias", assim como nas referências aqui relacionadas,1-12 tratando-se, provavelmente, de trabalho original. Por esta razão, não há referências bibliográficas pontuais neste texto, com exceção de duas,13,14 as quais servem apenas para a adequação na publicação.

Embora seja difícil comprovar-se a utilidade das biópsias orientadas, pois as situações clínico-cirúrgicas são muito variáveis, o autor revisou os casos nos quais aplicou o método em 173 situações nos últimos cinco anos, verificando que em 93% dos casos a informação histológica obtida foi importante na condução e conclusão das mais variadas situações clínico-cirúrgicas. Os dados obtidos podem, resumidamente, ser agrupados como descrito na aplicabilidade da técnica.

No caso de se considerar a biópsia orientada uma biópsia excisional, o cirurgião tem que relativizar os achados, entendendo que em certas situações, se o fuso foi muito estreito e o tumor encontrado predominantemente infiltrativo, a presença de margem livre no sentido longitudinal não significa que a margem lateral esteja livre. Nesse caso, cortes seriados transversais ao longo da peça, com bordos livres, não garantem que o tumor tenha sido totalmente extirpado.1

Como em muitas situações mal se enxerga o tumor, a dermatoscopia pode ser fator decisivo que indique a necessidade de intervir cirurgicamente.2 Porém, nem sempre ela é tão esclarecedora. Nesses casos, certamente a microscopia confocal seria de grande ajuda em que pese sua limitada capacidade de avaliação em profundidade. Como essa tecnologia ainda é muito dispendiosa e não está largamente disponível, o uso da dermatoscopia aliada às biópsias orientadas pode fornecer dados extremamente importantes que permitam melhor planejamento cirúrgico.

Realizar várias biópsias com punch não é o mesmo procedimento, pois nem sempre os tumores são contínuos. Uma biópsia orientada contendo tumor pode revelar locais sem tumor onde um punch poderia revelar-se negativo. Por outro lado, a positividade do punch não significa que o tumor possa estender-se muito além desse ponto.

Tumores recidivados geralmente são adjacentes a uma área cicatricial. Muitos cirurgiões defendem a retirada de toda a cicatriz, sendo frustrante comprovar-se numa cirurgia micrográfica que ela estava livre de tumor, o qual crescia em outra direção. Nesses casos, a realização de uma biópsia orientada na fase de avaliação pré-operatória poderia guiar melhor a cirurgia micrográfica, no sentido de ajudá-la a cumprir seu papel primordial: retirar apenas o tumor.

O conceito de biópsia orientada deriva estreitamente da exérese cirúrgica com controle microscópico de margens, isto é, da compreensão da lógica da cirurgia micrográfica. Quanto mais se conhece o assunto, mais informativas podem ser as biópsias orientadas. Igualmente, contar com um laboratório que esteja familiarizado com essas técnicas é muito importante. Caso não se disponha de um laboratório capaz de executar corretamente o procedimento, um cirurgião que entenda mais profundamente sobre cirurgia micrográfica pode orientá-lo adequadamente.

 

Referências

1. Kimyai-Asadi A, Goldberg LH, Jih MH. Accuracy of serial transverse cross-sections in detecting residual basal cell carcinoma at the surgical margins of an elliptical excision specimen. J Am Acad Dermatol. 2005;53(3):469-74.

2. Kopke LF. A dermatoscopia na detecção precoce, controle e planejamento cirúrgico dos carcinomas basocelulares. Surg Cosmet Dermatol. 2011;3(2):103-8.

3. Werner B. Biopsia de pele e seu estudo histológico. Por quê? Para quê? Como? Parte I. An Bras Dermatol. 2009;84(4):391-5.

4. Werner B. Biopsia de pele e seu estudo histológico. Por quê? Para quê? Como? Parte II. An Bras Dermatol. 2009;84(5):507-13.

5. Miller SJ. II. Biopsy techniques for suspected nonmelanoma skin cancers. Dermatol Surg. 2000;26(1):91.

6. Mir M, Chan CS, Khan F, Krishnan B, Orengo I, Rosen T. The rate of melanoma transection with various biopsy techniques and the influence of tumor transection on patient survival. J Am Acad Dermatol. 2013;68(3):452-8.

7. Antonio CR, Tímpano DL, Garcia AC. Biópsia. Rev Bras Med. 2010;67(supl. 9): 22-32.

8. Gadelha AR. Biópsias de pele. In: Gadelha AR, Costa IMC, editores. Cirurgia dermatológica em consultório. 2ª ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p 209-16.

9. Lee KK, Gorman A, Swanson NA. Biopsy Techniques. In: Rigel DS, Friedman RJ, Dzubow LM, Reintgen DS, Bystryn JC, Marks R, editors. Cancer of the Skin. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 467-75.

10. Perez MI, Lodha R, Nouri K. Técnicas de biópsia cutânea. In: Nouri K, Leal-Khouri S, editores. Técnicas em cirurgia dermatológica. Rio de Janeiro: DiLivros Editora; 2005. p. 75-9.

11. Sanches SRA, Sanches MD. Biópsias. In: Savassi-Rocha PR, Sanches SRA, Savassi-Rocha AL, editores. Cirurgia de Ambulatório. Rio de Janeiro: Medbook;2013. p. 219-34.

12. Garcia C. Skin Biopsy Techniques. In: Robinson JK, Hanke CW, Sengelmann RD, Siegel DM, editors. Surgery of the Skin - Procedural Dermatology. Philadelphia: Elsevier Mosby;2005. p 203-12.

13. Sampaio SAP, Rivitti EA, editores. Dermatologia. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas Ltda; 2007. p. 1474.

14. Olbricht S. Técnicas de biopsia e excisões básicas. In: Bolognia JL, Jorizzo J.L, Rapini R, editors. Dermatologia. 2a ed. Philadelphia: Elsevier Mosby;2008. p. 2209-24.

 

Trabalho realizado na clínica privada do autor - Florianópolis (SC), Brasil.


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