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Diagnóstico por Imagem

Dermatoscopia das lesões pigmentadas das mucosas e considerações sobre um caso de melanoma do lábio

Diego Leonardo Bet1; Érico Pampado Di Santis2; César Augusto Cardoso3; Sérgio Henrique Hirata4; Marcia Lanzoni de Alvarenga5; Samuel Henrique Mandelbaum6

Data de recebimento: 15/02/2014
Data de publicação: 25/02/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A observação das mucosas deve fazer parte do exame dermatológico. Sabemos que o diagnóstico precoce é fundamental para o prognóstico dos pacientes com lesões melanocíticas malignas; integrar essa conduta na rotina e realizar diagnóstico diferencial entre lesões benignas e malignas das mucosas apenas com sinais clínicos são, entretanto, grandes desafios. A dermatoscopia ainda é pouco utilizada para as lesões pigmentadas das mucosas, porém estudos recentes têm mostrado seu potencial. A propósito de uma caso de melanoma labial ressaltamos a utilidade da técnica com dicas e dados da literatura que auxiliam o exame dermatoscópico na rotina do dermatologista.

Keywords: DERMATOSCOPIA; MUCOSA BUCAL; MELANOMA; LÁBIO.


O diagnóstico precoce é a pedra fundamental do manejo das lesões melanocíticas malignas. Temos consciência desse papel fundamental do dermatologista, e do desafio diário na realização do exame dermatológico completo em nossos pacientes. As mucosas são ainda negligenciadas,1 e muitos pacientes com melanoma de mucosa relatam que tiveram por meses ou anos uma lesão pigmentada que não foi diagnosticada.2 Reconhecemos a dificuldade técnica de realizar o diagnóstico das lesões de mucosa, cujos sinais clínicos nem sempre ajudam o diagnóstico diferencial entre lesões pigmentadas benignas, que constituem a maioria, e as raras lesões malignas.3 Os critérios da dermatoscopia clássica das lesões de pele não são diretamente aplicados às lesões de mucosa, mas, apesar dos poucos estudos na área, esse exame pode mostrar-se ferramenta muito útil para a seleção racional das lesões que merecem estudo anatomopatológico.

A propósito do tema apresentamos o caso de paciente do sexo masculino de 64 anos, branco e ex-tabagista, relatando surgimento e crescimento de mancha enegrecida no lábio inferior há quatro anos. Ao exame clínico a lesão se estendia desde o centro do lábio até a mucosa medindo de 4 x 1cm (Figuras 1). Ao exame dermatoscópico observamos que a lesão pigmentada apresentava padrão de multicomponentes (Figura 2). Foi realizada biópsia excisional, tendo demonstrado o exame histopatológico melanoma in situ padrão lentigo maligno (Figuras 3). O paciente encontra-se bem e em acompanhamento há dois anos após ampliação das margens com 1cm (Figura 4).

Melanomas primários do lábio são raros, representando 0,05-0,31% de todos e 0,3-2,2% dos melanomas de cabeça e pescoço. Predominam no sexo masculino (2:1), geralmente após os 50 anos, sendo o tipo extensivo superficial o mais comum. Têm comportamento agressivo, relatando-se recorrência em 40%, metástases em 36%, com morte pela doença em até 60% dos pacientes.4

Em 2011, estudo retrospectivo, multicêntrico, coordenado pela International Dermoscopy Society3 e incluindo 140 lesões pigmentadas de mucosas apresentou dois modelos simples e muito úteis para diferenciar lesões benignas de malignas.

No primeiro, a presença de uma das cores azul, cinza ou branca ocorreu em 100% das lesões malignas do estudo, sendo considerada a principal característica para diferenciar lesões malignas de benignas (sensibilidade 100% e especificidade de 64% para melanoma) no estudo. O padrão "sem estruturas", definido como ausência de outros padrões identificáveis (tais como padrão em pontos, glóbulos, círculos ou linhas) independente da cor, também foi estatisticamente significativo. Esse padrão esteve presente em 100% dos melanomas, mas também em metade das lesões benignas (53,2%), porém nestas últimas era geralmente de cor marrom, estando sempre ausentes as cores azul, cinza e branca. Se adicionado ao modelo de cores, o padrão "sem estruturas" - mesmo que presente só em algumas áreas da lesão - aumenta a especificidade para melanoma de 64% para 82%. Devido a sua alta especificidade, ainda ressaltamos o "padrão multicomponentes" (presença de três ou mais padrões na mesma lesão) em outras séries de casos relatados na literatura.5

No caso descrito notamos que a dermatoscopia mostra uma riqueza de sinais que não são vistos a olho nu. Ao aplicar os novos modelos diagnósticos corroboramos sua validade pois encontramos não só uma, mas as três cores consideradas suspeitas: o azul, o cinza e o branco - além do marrom -, bem como o padrão sem estruturas. Consideramos também que os outros três padrões - linhas paralelas em "impressão digital", circular e globular atípico - caracterizam a lesão como padrão multicomponentes, reforçando ainda mais a suspeita de lesão melanocítica maligna.

É necessário ponderar que apesar de serem muito variados os padrões associados às lesões benignas das mucosas, a definição do modelo de cores suspeitas com presença do padrão sem estruturas parece ser de muita utilidade para a seleção mais racional das lesões a excisar para exame anatomopatológico.

Finalizamos este trabalho com algumas orientações importantes para um bom exame dermatoscópico das mucosas: o posicionamento adequado do paciente para o exame; a colocação de filme plástico de PVC protegendo o dermatoscópio do contato direto com a lesão; a obtenção de imagens digitais da lesão para análise no computador em vez de realizá-la no paciente. Em nossa experiência isso torna o procedimento mais fácil, seguro e também mais aceitável para o paciente.

 

Referências

1. Hajar-Serviansky T, Gutierrez-Mendoza D, Galvan IL, Lammoglia-Ordiales L, Mosqueda-Taylor A, Hernandez-Cázares M de L, et al. A case of oral mucosal melanoma. Clinical and dermoscopic correlation. J Dermatol Case Rep. 2012;6(1):1-4.

2. Blum A. Who examines the oral mucosa during the total body skin examination?. Hautarzt Z Für Dermatol Venerol Verwandte Geb. 2012;63(11):899-902.

3. Blum A, Simionescu O, Argenziano G, Braun R, Cabo H, Eichhorn A, et al. Dermoscopy of pigmented lesions of the mucosa and the mucocutaneous junction: results of a multicenter study by the International Dermoscopy Society (IDS). Arch Dermatol. 2011;147(10):1181-7.

4. Matsushita S, Kageshita T, Ishihara T. Comparison of dermoscopic and histopathological findings in a mucous melanoma of the lip. Br J Dermatol. 2005;152(6):1324-6.

5. Lin J, Koga H, Takata M, Saida T. Dermoscopy of pigmented lesions on mucocutaneous junction and mucous membrane. Br J Dermatol. 2009;161(6):1255-61.

 

Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM/SP) São Paulo - (SP e no Hospital Universitário de Taubaté (HUT) - Taubaté - São Paulo (SP), Brasil.


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