3337
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de casos

Reações ao pigmento vermelho

Maria Cecilia Closs Ono1; Priscilla Balbinot2; Rosinete Lauren de Souza Lima Morais3; Renato da Silva Freitas4

Data de recebimento: 04/03/2014
Aprovado em: 31/03/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Um grande número de agentes causadores de reações cutâneas em tatuagens tem sido implicado, especialmente o pigmento vermelho. As reações dermatológicas são as mais diversas possíveis. O objetivo deste estudo é realizar a revisão da literatura e ilustrar o tratamento realizado em serviço público. Apesar do tratamento com esteroides tópicos ou intralesionais, a maioria das reações dermatológicas persistem por longo tempo. Reações resistentes podem ser tratadas por meio de excisão, deixando algumas cicatrizes pouco aceitáveis. Apesar da popularidade da tatuagem, as reações inflamatórias adversas são comuns e podem apresentar significativo desafio clínico.

Keywords: TRATAMENTO PRIMÁRIO; CIRURGIA PLÁSTICA; TATUAGEM.


INTRODUÇÃO

A prática de tatuagem tem sido realizada há milhares de anos, e muitos agentes causadores de reações estão presentes nos componentes das colorações utlizadas.1 Com o aumento da prevalência de tatuagens em toda a população mundial, são necessários mais cuidados com reações adversas às técnicas de modificação corporal.2 A forma como a tatuagem é realizada vem-se modificando ao longo do tempo. No passado, o uso de metais pesados era comum,3 e recentemente são utilizados preferencialmente os corantes azo. Cromo verde, azul-cobalto, manganês roxo, amarelo de cádmio e sulfeto de mercúrio vermelho (cinábrio) têm sido relacionados às reações cutâneas, sendo o pigmento vermelho o que mais comumente causa tais reações.4 Apesar do uso limitado de pigmentos contendo mercúrio, as reações às tatuagens vermelhas continuam a ocorrer.

A alergia ao componente vermelho de tatuagens é fenômeno bem conhecido, relacionado ao cinábrio presente no pigmento ou em outros compostos orgânicos. A alergia pode manifestar-se de várias maneiras, desde reações inflamatórias simples até uma resposta alérgica generalizada.5-8

Vários tratamentos podem ser realizados para essa doença, como laser, excisões e enxertos.

O objetivo deste trabalho é realizar revisão da literatura pertinente, ilustrada com um caso clínico tratado em departamento de serviço público.

 

MÉTODOS

Realizada revisão de literatura relacionada ao manejo (do diagnóstico ao tratamento) de pacientes com reações ao pigmento vermelho de tatuagens.

Trata-se de estudo retrospectivo, com revisão da literatura de língua inglesa e portuguesa no Pubmed e Embase, ilustrado com relato de caso de paciente do serviço

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 27 anos, com quadro de lesão inflamatória pruriginosa crônica na porção lateral da perna esquerda com seis semanas de evolução sobre tatuagem realizada há quatro meses, apresentou-se à consulta. Ao exame, foram observadas placas liquenificadas com escoriações sobre a área de pigmento vermelho (Figura 1). Foi realizada biópsia da lesão que mostrou hiperparaqueratose, infiltrado inflamatório liquenoide crônico com comprometimento perivascular e depósito do pigmento na derme compatível com dermatite liquenoide. O paciente foi submetido a tratamento com corticoide tópico e oral sem resolução do quadro clínico. Encontrava-se resistente a qualquer conduta cirúrgica. Após seis meses, o paciente retornou ao serviço, com piora da reação inflamatória (Figura 2), tendo sido submetido à ressecção da lesão e à enxertia de pele com espessura total (Figura 3). O resultado após um ano revelou-se satisfatório, com ausência de fenômenos inflamatórios. (Figura 4)

 

DISCUSSÃO

Tatuagens têm sido praticadas há séculos e continuam a ser prática frequente em muitas culturas, sendo associadas ao desejo de inclusão social e melhora estética.

Historicamente, a tatuagem parece ter surgido como marcas azuis sob a pele, vistas em múmias egípcias. Sua prática foi difundida por marinheiros na China, Índia, países do Extremo Oriente e também europeus.9

As reações de hipersensibilidade cutânea aos pigmentos de tatuagem podem ser histologicamente classificadas como liquenoides ou granulomatosas.10-14 A etiologia dessas reações ainda é incerta, mas a teoria mais aceita é de que ocorre uma reação de hipersensibilidade tardia, relacionada ao próprio pigmento ou a sua solução transportadora. Esclerodermia é reação incomum que pode ocorrer em tatuagens15 e que complica uma reação inflamatória crônica aos pigmentos e corantes.16

Muitos pigmentos podem induzir respostas alérgicas, entre eles o sulfeto de mercúrio (vermelho) e o sulfeto de cádmio. Estudos histológicos geralmente evidenciam inflamação dérmica com alterações pruriginosas nodulares e úlceras epidérmicas, com a análise de tecido mostrando a presença de cádmio.17-22

Outras doenças de pele têm sido descritas relacionadas a tatuagens, como infecção piogênica, verruga vulgar e zigomicose. Muitas doenças de pele mostram predileção por pele tatuada, que pode apresentar-se como manifestação primária ou até mesmo aumentar a ocorrência do fenômeno de Koebner, como no líquen plano e psoríase.23

A transmissão de doenças infecciosas é, certamente, de maior significado para a saúde pública do que as reações acima descritas para a tatuagem. Doenças infecciosas transmissíveis podem ser locais ou sistêmicas.24 Historicamente, infecções como erisipela, celulite e gangrena (necessitando de amputação) por Staphylococcus sp. e Streptococcus sp. foram as complicações infecciosas mais comuns e alarmantes.25, 26 As reações são geralmente diagnosticadas logo após a tatuagem ter sido realizada ou quando é removida com laser. As lesões características da doença são nódulos simétricos, eritematosos, subcutâneos, sobre as pernas. A maioria das evidências sugere um tipo IV de reação de hipersensibilidade a vários antígenos.

Existem várias formas de tratamento para reações à tatuagem, incluindo excisão com fechamento primário e tratamento a laser.1,18,27,28 Apesar do tratamento com esteroides tópicos ou intralesionais, a maioria das reações persiste por meses ou anos. Mesmo o uso de corticoides sistêmicos pode não ser suficiente para tratar a inflamação em curso. As tatuagens podem ser removidas por terapias à base de luz, incluindo vários comprimentos de onda. Essas terapias visam reduzir a visibilidade da reação ao pigmento por indução de sua eliminação transepidérmica, remoção de macrófagos do pigmento, dispersão do pigmento em partículas menores e alteração da óptica, e propriedades refratárias das partículas. Reações alérgicas podem manifestar-se de várias formas, desde reações inflamatórias simples até resposta alérgica generalizada.18,19

Outra opção de tratamento é a ablação a laser de CO2 para induzir a eliminação cutânea do pigmento e, assim, reduzir a carga de pigmento, diminuir o estímulo alergênico, e limitar a reação de tatuagem.25,26,28-30 Para determinadas regiões anatômicas e pigmentos de tatuagem, a ablação com laser de érbio ou dióxido de carbono pode ser o tratamento de escolha.31 Para casos como tatuagem com pigmento vermelho sobre os lábios, o tratamento com dióxido de carbono e érbio pode ser mais problemático, devido à falta de derme. Para lesões maiores, a opção é a excisão, o que geralmente requer enxertia.

 

CONCLUSÃO

Apesar da popularidade da tatuagem, reações inflamatórias adversas são comuns e podem apresentar significativo desafio clínico, tanto no diagnóstico correto como na escolha do tratamento eficaz. Se houver falha no tratamento tópico ou sistêmico, a excisão total pode ser a única opção. O resultado estético final pode ser muito insatisfatório dependendo da quantidade de tecido ressecado.

 

Referências

1. McDaniel DH, Ash K, Lord J, Newman J, Zukowski M. The erbium: YAG laser: a review and preliminary report on resurfacing of the face, neck, and hands. Aesthet Surg J. 1997;17(3):157-64.

2. Corazza M, Zampino MR, Montanari A, Pagnoni A, Virgili A. Lichenoid reaction from a permanent red tattoo: has nickel a possible aetiologic role? Contact Dermatitis. 2002;46(2):114-5.

3. Silberberg I, Leider M. Studies of a red tattoo. Appearances in electron microscope, and analysis by chemical means, laser microprobe and selected-area diffraction of tattooed material. Arch Dermatol. 1970;101(3):299-304.

4. Cruz FAM, Lage D, Frigério RM, Zaniboni MC, Arruda LHF. Reactions to the different pigments in tattoos: a report of two cases. An Bras Dermatol. 2010;85(5):708-11.

5. Dickel H, Gambichler T, Kamphowe J, Altmeyer P, Skrygan M. Standardized tape stripping prior to patch testing induces upregulation of Hsp90, Hsp70, IL-33, TNF-α and IL-8/CXCL8 mRNA: new insights into the involvement of "alarmins". Contact Dermatitis. 2010;63(4):215-22.

6. Engel E, Santarelli F, Vasold R, Maisch T, Ulrich H, Prantl L, et al. Modern tattoos cause high concentrations of hazardous pigments in skin. Contact Dermatitis. 2008;58(4):228-33.

7. Mortimer NJ, Chave T A, Johnston GA. Red tattoo reactions. Clin Exp Dermatol. 2003;28(5):508-10.

8. Yazdian-Tehrani H, Shibu MM, Carver NC. Reaction in a red tattoo in the absence of mercury. Br J Plast Surg. 2001 Sep;54(6):555-6.

9. Lubeck G, Epstein E. Complications of tattooing. Calif Med. 1952;76(2):83-5.

10. Kluger N, Minier-Thoumin C, Plantier F. Keratoacanthoma occurring within the red dye of a tattoo. J Cutan Pathol. 2008;35(5):504-7.

11. Kluger N, Godenèche J, Vermeulen C. Granuloma annulare within the red dye of a tattoo. J Dermatol. 2012;39(2):191-3.

12. Sweeney S a, Hicks LD, Ranallo N, Iv NS, Soldano AC. Perforating Granulomatous Dermatitis Reaction to Exogenous Tattoo Pigment: A Case Report and Review of the Literature. Am J Dermatopathol. 2011 13;35(7):754-6.

13. Taaffe a, Knight a G, Marks R. Lichenoid tattoo hypersensitivity. Br Med J. 197811;1(6113):616-8.

14. Vitiello M, Echeverria B, Romanelli P, Abuchar A, Kerdel F. Multiple eruptive keratoacanthomas arising in a tattoo. J Clin Aesthet Dermatol. 2010;3(7):54-5.

15. Kluger N, Mathelier-Fusade P, Moguelet P. Scleroderma-like reaction restricted to the red parts of a tattoo. Acta Derm Venereol. 2009;89(1):95-6.

16. Wollina U, Gruner M, Schönlebe J. Granulomatous tattoo reaction and erythema nodosum in a young woman: common cause or coincidence?. J Cosmet Dermatol. 2008;7(2):84-8.

17. Duke D, Urioste SS, Dover JS, Anderson RR. A reaction to a red lip cosmetic tattoo. J Am Acad Dermatol. 1998;39(3):488-90.

18. Dave R, Mahaffey PJ. Successful treatment of an allergic reaction in a red tattoo with the Nd-YAG laser. Br J Plast Surg. 2002;55(5):456.

19. Macarthur M, Davies M. Sensitisation to red tattoo pigment. Br J Plast Surg. 2003;56(1):73.

20. Alcantara J. Letters to the editor. J Can Chiropr Assoc. 2013;57(1):97–8.

21. Braithwaite RL, Stephens T, Sterk C, Braithwaite K. Risks associated with tattooing and body piercing. J Public Health Policy. 1999;20(4):459-70.

22. Casparian JM, Krell J. Using a side effect to therapeutic advantage: the darkening of red eyebrow tattoo pigment following Q-switched laser treatment. Dermatol Surg. 2000;26(3):255-8.

23. Morgan CJ, Haworth AE. Allergic contact dermatitis from 1,6-hexamethylene diisocyanate in a domestic setting. Contact Dermatitis. 2003;48(4):224.

24. Preda VA, Maley M, Sullivan JR. Mycobacterium chelonae infection in a tattoo site. Med J Aust. 2009;190(5):278-9.

25. Wolf R, Wolf D. A tattooed butterfly as a vector of atypical Mycobacteria. J. Am. Acad. Dermatol. 2003 May;48(5 Suppl):S73-4.

26. Rodríguez-Blanco I, Fernández LC, Suárez-Peñaranda JM, Pérez del Molino ML, Esteban J, Almagro M. Mycobacterium chelonae infection associated with tattoos. Acta Derm Venereol. 2011;91(1):61-2.

27. Beddoes TP. Case for Diagnosis. Proc R Soc Med. 1913;6(Dermatol Sect):182.

28. McDaniel DH, Lord J, Ash K, Newman J. Combined CO2/erbium:YAG laser resurfacing of peri-oral rhytides and side-by-side comparison with carbon dioxide laser alone. Dermatol Surg. 1999;25(4):285-93.

29. De Argila D, Chaves A, Moreno JC. Erbium:Yag laser therapy of lichenoid red tattoo reaction. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004;18(3):332-3.

30. Newman JB, Lord JL, Ash K, McDaniel DH. Variable pulse erbium:YAG laser skin resurfacing of perioral rhytides and side-by-side comparison with carbon dioxide laser. Lasers Surg Med. 2000;26(2):208-14.

31. Gómez C, Martin V, Sastre R, Costela A, García-Moreno I. In vitro and in vivo laser treatments of tattoos: high efficiency and low fluences. Arch Dermatol. 2010;146(1):39-45.

 

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (PR) - Curitiba (PR), Brasil.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773