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Relato de casos

Onicomatricoma: Tumor raro do aparelho ungueal - Relato de três casos

Sadamitsu Nakandakari1; Gabriela Franco Marques2; Cleverson Teixeira Soares3; Lívia Soares Santino Santos4; Juliana Martins Prazeres Sousa5

Data de recebimento: 11/07/2013
Data de aprovação: 26/08/2013
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Os onicomatricomas são tumores benignos raros que se originam a partir da matriz ungueal e do estroma subjacente. São geralmente assintomáticos e de crescimento lento. Acometem igualmente homens e mulheres de meia idade, comprometendo com maior frequência os dígitos das mãos. As características clínicas fundamentais para o diagnóstico são: faixa longitudinal amarelada de espessura variável, estilhaços hemorrágicos, estrias longitudinais associadas à hipercurvatura transversal e projeções digitiformes emergentes da matriz ungueal. Os autores relatam três casos desse tumor acometendo pododáctilos, enfatizando seus principais aspectos clínicos, achados dermatoscópicos e tratamento cirúrgico.

Keywords: UNHAS; UNHAS MALFORMADAS; NEOPLASIAS.


INTRODUÇÃO

Os onicomatricomas (OM) são tumores benignos raros que se originam a partir da matriz ungueal e do estroma subjacente.1,2 Foram descritos pela primeira vez por Baran e Kint em 1992.3 Desde sua primeira descrição foram relatados pouco mais de 40 casos na literatura mundial.4

Os OM acometem igualmente homens e mulheres de meia idade, sendo mais prevalentes na raça branca.4-6 É o único tumor ungueal em que a alteração da placa ungueal é ativamente produzida pela lesão.6 Embora a etiologia ainda não esteja compreendida, é referida história de trauma como fator predisponente.1,4

O quadro costuma ser assintomático, porém existem quatro características clínicas fundamentais para o diagnóstico: presença de faixa longitudinal amarelada de espessura variável; estilhaços hemorrágicos envolvendo a porção proximal da placa ungueal; estrias longitudinais associadas à hipercurvatura transversa; e projeções digitiformes emergentes da matriz. Este último achado é responsável pela produção das pequenas cavitações observadas a partir da borda livre da placa ungueal.1,2,4,6

Relatam-se três casos de OM, com ênfase em seus principais aspectos clínicos, achados dermatoscópico e tratamento cirúrgico.

 

RELATO DOS CASOS

Caso 1: Homem, 53 anos, branco, referiu espessamento da unha do hálux direito há cinco anos. Ao exame foi observada lâmina ungueal espessada e de coloração marrom-acastanhada em sua porção medial (Figuras 1A e B). A lâmina ungueal foi retirada, evidenciando-se massa homogênea castanho-acinzentada na região da matriz. A lesão foi excisada cirurgicamente (Figura 1C), e o exame histopatológico revelou características de OM. Não houve recidivaapós seis meses da cirurgia. (Figura 1D) A lâmina ungueal era de consistência pétrea e apresentava cavitações em sua porção proximal. (Figuras 1E e F)

Caso 2: Mulher, 42 anos, branca, evoluindo com espessamento da unha do hálux esquerdo há dez anos, sem sintomas associados. Ao exame observou-se unha amarelada e espessada com estilhaços hemorrágicos (Figuras 2). Foi realizada cirurgia com avulsão da lâmina ungueal (Figura 3A), que apresentava cavitações em sua porção proximal (Figura 3B) e se acoplava a tumor com projeções digitiformes na região da matriz (Figura 3C), o qual foi excisado (Figura 3D). O exame anatomopatológico confirmou diagnóstico de OM. Após seis meses não houve recidiva tumoral, e o crescimento da unha ocorreu sem sequelas.

Caso 3: Mulher, 55 anos, branca, queixando-se de espessamento assintomático da lâmina ungueal do terceiro pododáctilo esquerdo há dois anos. Ao exame verificou-se unha espessada, amarelada, com estrias longitudinais e hipercurvatura transversa (Figura 4A). Na dermatoscopia observaram-se estrias brancacentas e estilhaços hemorrágicos (Figura 4B); à visualização frontal foram identificadas imagens circulares brancacentas (Figura 4C). Procedeu-se à avulsão da lâmina ungueal (Figura 4D) e após sua elevação visualizou-se tumor com projeções digitiformes na área da matriz (Figura 4E). Foi realizada a excisão completa da lesão (Figura 4F). A dermatoscopia da lâmina ungueal evidenciou pequenas cavitações envolvendo sua porção proximal (Figura 4G). A análise histopatológica foi compatível com OM (Figura 4H). Após seis meses não houve recidiva do tumor, porém a paciente evoluiu com pterígio ungueal (Figura 4I).

 

DISCUSSÃO

Os OM são geralmente assintomáticos, e a maioria dos pacientes só procura cuidados médicos anos após seu surgimento.4,6 Nos casos relatados, os pacientes não apresentavam sintomatologia associada, e a principal queixa foi o espessamento da lâmina ungueal. Tal fato é explicado pelo lento crescimento, inerente ao tumor. Estudos de marcadores não conseguem diferenciar se o OM é tumor ou lesão reativa, embora tenha sido sugerido que pode ser um hamartoma de tecido epitelial e conjuntivo simulando estruturas da matriz.3 A história de trauma não foi referida em nenhum dos casos e, assim como descrito na literatura, a etiologia permanece obscura.3,5,6

O tumor é mais frequente em caucasianos de meia-idade,5-8 como nos casos relatados. Apesar de a descrição do comprometimento de dígitos das mãos ser mais comum do que o dos pés,8 todos os casos relatados apresentavam comprometimento das unhas dos pés, dois deles no hálux, e um no terceiro pododáctilo.

As quatro características clínicas fundamentais no diagnóstico podem ter expressão variável, havendo casos em que é mais exuberante a alteração de cor da lâmina ungueal, como no caso 1, e casos em que o espessamento difuso da unha e a presença de estilhaços hemorrágicos são mais evidentes, a exemplo dos pacientes dos casos 2 e 3. A quarta característica típica do tumor que corresponde a projeções digitiformes emergindo da matriz só pode ser analisada durante o ato operatório.3,6

A dermatoscopia auxilia na visualização dos estilhaços hemorrágicos na porção proximal da lâmina ungueal e dos sulcos longitudinais brancacentos, correspondentes aos canais da placa ungueal.2,6 A visualização frontal da lâmina ungueal pode ainda destacar imagens circulares brancacentas, algumas com estilhaços hemorrágicos no interior, como demonstrado no caso 3.

A biópsia da lesão é fundamental para o diagnóstico definitivo, que é histopatológico. OM são tumores fibroepiteliais compostos por duas partes distintas. A zona proximal é caracterizada por profundas invaginações epiteliais e estroma fibrilar e fibrocítico; a zona distal apresenta-se com digitações múltiplas ao longo de seu eixo. A imuno-histoquímica é de grande auxílio diagnóstico. O anticorpo AE1/AE3 é marcador potencial para OM. Há ainda expressão difusa de CD34, enquanto marcadores CD99, proteína S-100, antígeno epitelial de membrana, actina e desmina são negativos.5,7,8

Entre os exames complementares a ultrassonografia é útil para observação do tumor na área matricial, sob a dobra ungueal proximal; se realizado na região da lâmina ungueal pode não ser elucidativo devido ao espessamento da placa ungueal formando sombra acústica, o que dificulta a identificação do tumor. Já a ressonância magnética pode dar informações tanto da matriz como da placa ungueal.4 Outro método diagnóstico recentemente descrito sugere o cliping da parte distal da unha e exame anatomopatológico.9 Entretanto, na maioria dos casos o exame clínico e dermatoscópico associado ao exame anatomopatológico são suficientes para elucidação diagnóstica, semelhante aos casos relatados, nos quais não foram necessários outros exames complementares.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com carcinoma espinocelular, verruga vulgar, queratoacantoma, fibroqueratoma, doença de Bowen, infecções fúngicas e bacterianas. Há também casos atípicos descritos como tumor de superfície verrucosa localizado na dobra lateral ungueal, onicodistrofia total e variação tipo pseudofibroqueratoma.2,4,5

Diante de suspeição diagnóstica os pacientes devem ser submetidos à avulsão da lâmina ungueal para análise da matriz.3,10 É valido ressaltar que nos três casos descritos a lâmina ungueal era de consistência pétrea, tornando difícil seu manejo difícil durante a cirurgia. Em todos os casos foi observado tumor com projeções digitiformes na matriz, as quais são responsáveis pela formação de pequenas cavitações observadas na borda livre da lâmina ungueal.1,3,4

O prognóstico a longo prazo é favorável, e o crescimento da unha pode ocorrer posteriormente sem defeitos; alguns pacientes, entretanto, evoluem com onicodistrofias.10 Seis meses depois da cirurgia, os pacientes foram reavaliados e não houve evidência de recidiva tumoral, porém apenas no caso 2 o crescimento da lâmina ungueal ocorreu sem sequelas.

Conclui-se que, apesar da raridade dessa patologia, devese estar atento para o diagnóstico precoce para a melhor terapêutica. Ressalta-se que a apresentação clínica pode não apresentar todas as características típicas do tumor, podendo haver variações entre os casos. Destacamos as imagens circulares brancacentas com estilhaços hemorrágicos em seu interior visualizados na dermatoscopia, observadas em um dos casos, assim como a consistência pétrea da placa ungueal constatada durante o ato cirúrgico em todos os casos descritos.

 

Referências

1. Durrant MN, Palla BA, Binder SW. Onychomatricoma: a case report with literature review. Foot Ankle Spec. 2012;5(1):41-4.

2. Fernández-Sánchez M, Saeb-Lima M, Charli-Joseph Y, Méndez-Flores S, Sánchez-Hernández C, Carbajosa-Martinez J. Onychomatricoma: an infrequent nail tumor. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2012;78(3):382-3.

3. Baran R, Kint A. Onychomatrixoma: filamentous tufted tumor in the matrix of a funnel-shaped nail: a new entity (report of three cases). Br J Dermatol 1992;126(5):510-5.

4. Baran R, Nakamura R. Doença das Unhas: do diagnóstico ao tratamento. Rio de Janeiro: Elsevier; 2011.

5. Perrin C, Goettmann S, Baran R. Onychomatricoma: clinical and histopathologic findings in 12 cases. J Am Acad Dermatol 1998;39:560.

6. Di Chiacchio N, Tavares GT, Padoveze EH, Bet DL, Di Chiacchio NG. Onicomatricoma. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):10-4.

7. Cañueto J, Santos-Briz A, García JL, Robledo C, Unamuno P. Onychomatricoma: Genome-wide analyses of a rare nail matrix tumor. J Am Acad Dermatol. 2011;64(3):573-8.

8. Perrin C, Baran R, Balaguer T, Chignon-Sicard B, Cannata GE, Petrella T, Michiels JF. Onychomatricoma: new clinical and histological features. A review of 19 tumors. Am J Dermatopathol. 2010;32(1):1-8.

9. Tosti A, Romanelli P, Zaiac M, de Farias DC, Miteva M. Nail Clipping Diagnosis of Onychomatricoma. Arch Dermatol. 2011;147(9):117-8.

10. Becerro de Bengoa R, Gates JR, Losa Iglesias ME, Alija Martinez B. Rare toenail onychomatricoma: surgical resolution of five cases. Dermatol Surg. 2011;37(5):709-11.

 

Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.


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