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Artigo de investigação

Classificação do melasma pela dermatoscopia: estudo comparativo com lâmpada de Wood

Carla Tamler1, Rosa Maria Rabello Fonseca1, Francisco Burnier Carlos Pereira1, Carlos Baptista Barcauí1

Recebido em 17/07/2009
Aprovado em 15/09/2009
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Abstract

Introdução: O melasma representa a principal hipermelanose facial, sendo dermatose de considerável impacto psicossocial. Sob a lâmpada de Wood, a profundidade do pigmento melânico determina a fluorescência. Sob o exame dermatoscópico, a cor da melanina varia de acordo com sua localização nas camadas da pele. Objetivo: Avaliar a classificação do melasma através da dermatoscopia e correlacioná-la à classificação sob a lâmpada de Wood. b>Material e métodos: Análise de concordância entre os dois métodos na classificação do melasma. Quarenta pacientes foram avaliados por examinadores experientes através da lâmpada de Wood (Burton®) e dermatoscopia (videodermatoscópio BleyMed-Skincam® aumento 40x) e/ou dermatoscópio manual (3Gen Dermlite II ProHR® 10x), de forma independente. Pela dermatoscopia, considerou-se como tipo epidérmico: coloração acastanhada e rede pigmentar regular; dérmico: coloração cinza azulada e rede irregular, e misto: áreas compatíveis com ambos. Resultados: O grau de concordância entre os métodos foi considerado fraco (k < 0,2) pela análise estatística. Conclusão: Os autores consideraram a dermatoscopia mais apropriada, pois evidenciou de forma objetiva os componentes pigmentares.

Keywords: CLASSIFICAÇÃO, MELANOSE, DERMOSCOPIA


INTRODUÇÃO

O melasma é causa importante de hiperpigmentação adquirida, sendo a principal em relação à hipercromia facial. De caráter crônico, caracteriza-se por máculas acastanhadas simétricas e assintomáticas em áreas fotoexpostas. É condição frequente e de considerável infl uência na qualidade de vida dos pacientes afetados.1,2,3,4 independente.

De predominância no sexo feminino (90%), ocorre principalmente durante o período reprodutivo.2,5 Tem maior prevalência em orientais e indivíduos de origem hispânica, bem como nos pacientes de fototipos IV ao VI da classificação de Fitzpatrick, especialmente nos residentes de áreas sob intensa radiação ultravioleta.2,6,7,8

Sua classificação é de importância prognóstica e na busca da adequação terapêutica, visto que os tratamentos propostos são, em grande parte das vezes, insuficientes. Esta refratariedade associada aos relapsos comuns e à típica predileção pela face são razão de insatisfação e significativo impacto psicossocial.9,10,11

A dermatose é classificada clinicamente pela disposição topográfica das lesões e pela distribuição da melanina nas camadas da pele através dos exames histopatológicos e da lâmpada de Wood.

Ao exame clínico, são considerados basicamente três padrões: centrofacial, malar e mandibular. O primeiro é o mais comum e envolve as regiões malar, frontal, mentoniana, supralabial e nasal. O segundo engloba as áreas malar e nasal, e o padrão mandibular acomete a respectiva região. Embora menos comum, outros sítios podem estar envolvidos, como pescoço e braços, constituindo o melasma extrafacial o qual pode se associar a qualquer dos demais padrões.2,5

Pela histopatologia, o tipo epidérmico é descrito quando o depósito do pigmento melânico restringe-se às camadas basal e suprabasal, podendo ocasionalmente estender-se na epiderme até o estrato córneo, e o tipo dérmico quando há pigmentação na epiderme e na derme superior e média principalmente no interior de melanófagos, muitas vezes em disposição perivascular, podendo também envolver a derme profunda, com mínimo infiltrado linfocítico perivascular na derme superficial.1,12

Através do exame pela lâmpada de Wood são descritos os seguintes tipos: epidérmico – acentuação da coloração à medida que a luz é absorvida pelo excesso de melanina nas regiões basal ou suprabasal (Figuras 1A e1B); dérmico – tal acentuação não é notada (Figuras 2A e 2B); misto – como o depósito de melanina ocorre em ambas, derme e epiderme, o aumento da coloração é visto em apenas alguns locais (Figuras 3A e 3B). Alguns ainda descrevem um quarto tipo que seria inaparente à luz de Wood, por se apresentar em indivíduos de fototipo V e VI. É assim denominado, pois a melanina nestes pacientes é abundante, e a maior parte da luz é absorvida por este pigmento. Apenas pequena quantidade retorna aos olhos, e a pele aparece escura como um todo.13,14,15

Em vista da significância emocional e da alta prevalência da hiperpigmentação, justifica-se o seu estudo. Neste sentido, buscou-se avaliar a classificação do melasma de acordo com a profundidade do pigmento melânico através da dermatoscopia e correlacionar os achados dermatoscópicos à classificação pela lâmpada de Wood.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo de análise de concordância entre a dermatoscopia e a lâmpada de Wood na classificação do melasma, utilizando o coeficiente Kappa (proporção de concordância quando dois observadores classificam separadamente uma amostra).16

Todos os pacientes receberam orientações, leram e assinaram o Termo de Consentimento e Autorização de Imagem, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

O protocolo incluiu informações de identificação, início da dermatose, história familiar, alterações hormonais, relação à gravidez/menopausa, uso de medicamentos orais ou tópicos, exposição solar e classificação pelo exame clínico. Os dados foram armazenados em planilha do programa MSAcess(TM)®.

Os pacientes foram avaliados por examinador experiente, através da lâmpada de Wood (Burton® UVA 360 nm LE T5 4W BLB), sendo classificados em melasma epidérmico, dérmico ou misto, de acordo com a fluorescência à iluminação. Em seguida, realizou-se exame dermatoscópico (videodermatoscópio - Bley Med-Skincam® 40x) e/ou dermatoscópio manual (3Gen Dermlite II ProHR® 10x) por um segundo examinador experiente neste método, de forma independente.

Pela dermatoscopia, considerou-se tipo epidérmico, a coloração acastanhada e rede pigmentar regular (Figura 1C); dérmico, o de coloração cinza azulada, no qual a rede perde a regularidade (Figura 1C), e misto, o que apresenta áreas compatíveis com ambos (Figura 3C).

RESULTADOS

Dos pacientes avaliados, dois eram do sexo masculino e 38 do feminino. A idade variava entre 26 e 69 anos, e os fototipos de II a V de acordo com a escala de Fitzpatrick.

Pelo exame clínico, 24 apresentavam o tipo centrofacial, 14, o malar, três, o mandibular e três, o tipo extrafacial. Em relação aos fototipos, três pacientes eram de fototipo II, nove pacientes de fototipo III, 17 de fototipo IV e 11 de fototipo V.

Das 16 lesões consideradas como tipo epidérmico pelo exame dermatoscópico, a concordância pelo exame sob a lâmpada de Wood foi de quatro. Das nove consideradas dérmicas pela dermatoscopia, a concordância foi de dois pela luz de Wood. E das 15 mistas pela dermatoscopia, a concordância foi de seis através do exame pela luz de Wood.

Dezessete pacientes estavam em tratamento, e 21 nunca haviam sido tratados ou estavam sem tratamento há, no mínimo, 6 meses. Na análise de concordância, os métodos foram comparados de acordo com a classificação do melasma.

No diagnóstico de melasma epidérmico, a concordância foi de 44% (k = 2 0,163; intervalo de confiança (IC): 2 0,465 a 0,139). No melasma dérmico, a concordância foi de 57% (k = 2 0,082; IC: 2 0,378 a 0,215). Em relação ao tipo misto, os métodos foram concordantes em 51% dos casos (k = 2 0,075; IC: 2 0,382 a 0,231). O grau de concordância entre os métodos foi considerado fraco (k < 0,2) pela análise estatística. Ainda, sob exame dermatoscópico, visualizou-se, também, importante componente vascular na maioria dos pacientes avaliados.

DISCUSSÃO

A luz de Wood é uma luz ultravioleta A de longo comprimento de onda, emitida do filtro de Wood, o qual é opaco a todas as radiações, com exceção daquelas com comprimento de onda entre 320 a 400 nm, no espectro ultravioleta, com pico em 365 nm.13,14

A lâmpada de Wood é o método mais amplamente empregado na classificação do melasma. Estudo realizado por Ponzio et al. (1993), com o objetivo de avaliar a validade do instrumento na identificação do padrão do melasma, buscou determinar em 61 pacientes os casos corretamente classificados, tendo como comparação o exame histopatológico. O trabalho evidenciou baixos índices de sensibilidade, especificidade e acurácia, do exame sob a lâmpada de Wood nos três tipos histopatológicos do melasma. Pelos resultados obtidos nesta amostra, concluíram que a “classificação do melasma através do exame da pele sob a lâmpada de Wood apresenta baixa proporção de acertos, já que se mostrou mediamente sensível, porém com baixa especificidade, resultando em uma acurácia de 46%, aquém da expectativa”.12

A luz ultravioleta emitida pela lâmpada de Wood penetra predominantemente no estrato córneo e epiderme, onde a melanina está distribuída. A profundidade do pigmento determinará a fluorescência. As regiões cutâneas que apresentam um aumento na concentração da melanina epidérmica acentuarão a sua coloração e tornar-se-ão mais escuras, contrastando com a pele normal ao redor. Já as áreas com concentrações diminuídas de melanina, se apresentarão mais claras e brilhantes.

Assim, variações na pigmentação epidérmica são mais visíveis sob a luz de Wood, enquanto as alterações dérmicas são muito menos evidentes ou ausentes sob a lâmpada em relação à luz visível. Menos luz UV alcança a derme, e esta contribui muito menos para a fluorescência que retorna aos olhos; ou seja, a melanina dérmica não afeta a quantidade de luz observada.

O contraste entre a pele acometida e não acometida é consideravelmente diminuído ou mesmo inaparente em comparação à luz visível.17,18 Portanto, uma desvantagem estabelecida é o fato de a técnica não ser de utilidade em indivíduos de fototipo V e VI em decorrência de fatores ópticos. Além disso, alterações colágenas, vasculares, uso de medicamentos tópicos e filtro solar podem alterar o exame acarretando em resultados não fidedignos.15,19,20

Relata-se que as terapias propostas são eficazes principalmente no tipo epidérmico, não apresentando boa ação em relação ao componente dérmico.19,21,22 Alguns dos pacientes encontravam-se em tratamento, entretanto, este fato não deve ser considerado um viés, visto que o estudo tem como objetivo comparar os métodos em relação à classificação do melasma, ou seja, basicamente avaliar a capacidade de localização da melanina e correlacioná-los em relação ao mesmo paciente.

A dermatoscopia é método não invasivo cuja técnica para a realização consiste no emprego de aparelhagem óptica que permite um aumento variável de seis a 400x. É instrumento comprovadamente fidedigno para visualização direta de outras dermatoses pigmentares. Ele evidencia predominantemente os grupamentos celulares mais pigmentados, dependendo da quantidade de pigmento e de sua profundidade, e a pigmentação observada decorre primariamente da melanina e da hemoglobina da rede vascular. Através do exame, a cor da melanina dependerá de sua quantidade ou densidade e nível de localização, indo do preto quando na camada córnea, passando por tonalidades de castanho nas camadas mais inferiores da epiderme ao azul ou cinza-azulado na derme.23,24,25,26

Ainda, o método permitiu a observação de um componente vascular na maior parte dos pacientes. Não desconsiderando que tratamentos tópicos contendo esteroides e retinoides podem induzir telangectasias, Kim EH et al. (2007)27 demonstraram por imuno-histoquímica um significativo aumento no número e tamanho dos vasos sanguíneos dérmicos e relataram que apenas a área envolvida pela dermatose apresenta pronunciadas alterações vasculares. Além disso, os autores consideraram que o número de vasos tem relação positiva com o grau de pigmentação, o que também é citado em outros estudos que referem que a deoxi-hemoglobina contribui significativamente para a coloração da pele.27,28,29 Kim EJ et al.(2005)30 sugerem uma interação entre a vasculatura alterada e os melanócitos, podendo influenciar no desenvolvimento da hiperpigmentação na epiderme sobrejacente.30

CONCLUSÃO

Pelo exame dermatoscópico, foi possível nítida observação dos componentes pigmentares, bem como de sua disposição nas camadas da pele. O método permitiu uma classificação objetiva do melasma, visto que a coloração da melanina é observada de forma precisa através da técnica e não sofre influência de fatores como fototipo do paciente, alterações vasculares, colágenas ou uso de produtos tópicos.

Na análise de concordância entre a dermatoscopia e a lâmpada de Wood na classificação da dermatose, os resultados evidenciaram discordância importante entre os métodos. Baseados nos princípios do exame dermatoscópico, os autores consideram a técnica aplicável, mais adequada e de acréscimo à rotina, diagnóstico, avaliação e acompanhamento dos pacientes com melasma.

A dermatoscopia possibilitou também a observação do significativo componente vascular em grande número de pacientes, indo de acordo com o reportado na literatura recente e que pode ser de relevância em função de futuras perspectivas para patogênese e considerações terapêuticas.

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