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Relato de casos

Doença de Paget extramamária vulvar e unilateral - Relato de Caso

Barbara Lima Araújo Melo1; Lara Lima Araújo Melo2; Igor Santos Costa3; Ruana Moura Rocha4; Régia Maria do Socorro Vidal do Patrocínio5

Data de recebimento: 11/10/2013
Data de aprovação: 26/12/2013
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A doença de Paget extramamária é neoplasia cutânea rara, ocorrendo tipicamente na vulva de mulheres caucasianas na pós-menopausa. Clinicamente, o sintoma mais comum é o prurido, observando-se lesão eritematosa, descamativa e eczematosa. Devido à raridade da doença e a sua aparência inespecífica, pode ser confundida com outras condições dermatológicas, retardando o diagnóstico. O presente caso demonstra uma forma de doença de Paget extramamária vulvar unilateral confirmada por estudo anatomopatológico e imunohistoquímico. O tratamento-padrão da doença é cirúrgico, e a paciente foi submetida à exérese completa da lesão, continuando em acompanhamento semestral.

Keywords: NEOPLASIAS DOS GENITAIS FEMININOS; NEOPLASIAS VULVARES; DOENÇAS DA VULVA; DOENÇA DE PAGET EXTRAMAMÁRIA.


INTRODUÇÃO

Em 1874, Sir James Paget descreveu doença mamária de histopatologia muito particular, que foi individualizada dois anos depois por Butlin. Em 1889, Cracker encontrou essa alteração bem característica numa lesão da bolsa escrotal, denominando-a Paget extramamário.1

A doença de Paget extramamária (DPE) consiste em um grupo raro de neoplasias cutâneas. Acomete ambos os sexos, sendo a vulva o local mais afetado, seguido pela região perianal, períneo, escroto e axila. Há raros relatos da doença em coxas, nádegas, cílios e ouvido externo.2,3 Ocorre tipicamente entre os 60 e 80 anos, principalmente em mulheres caucasianas na pósmenopausa. Em populações asiáticas, entretanto, os homens são mais afetados.4

Clinicamente, o sintoma mais comum é o prurido, evidenciando-se lesão eritematosa, descamativa e eczematosa. É neoplasia de crescimento lento, cuja aparência das lesões antigas pode ser modificada por traumatismos, escoriações repetidas ou infecção secundária.5 Devido a sua aparência inespecífica, pode ser confundida com outras condições dermatológicas - psoríase, dermatite de contato, carcinoma de células escamosas, melanoma amelanótico e micose fungoide -, retardando o diagnóstico.2,3

O tratamento padrão para a DPE é a exérese cirúrgica local com um centímetro de margem de pele normal, associada a linfadenectomia inguinal.6 Devido às altas taxas de recorrência, que variam de 16 a 50%,7 outras opções terapêuticas vêm sendo propostas, tais como: cirurgia micrográfica de Mohs, terapia fotodinâmica, radioterapia, e, mais recentemente, imunoterapia com imiquimode.8 É imprescindível, independente da opção terapêutica, o seguimento do paciente para detectar precocemente possível recidiva da doença.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, parda, 72 anos, procurou atendimento médico em fevereiro de 2010, relatando lesão vulvar com prurido há oito anos. Referiu uso de diversos corticoides tópicos sem melhora. Ao exame físico, observou-se placa mal-delimitada, eritematosa, descamativa, com crostas em região vulvar e perineal ambas à direita. Não apresentava linfonodos palpáveis na região inguinal (Figura 1).

As principais hipóteses diagnósticas foram DPE e eczema crônico, seguindo-se biópsia da região vulvar. Os estudos anatomopatológico (Figura 2) e imuno-histoquímico (Figuras 3 a 6) confirmaram DPE. A radiografia de tórax, a mamografia bilateral e a ultrassonografia abdominal não evidenciaram anormalidades.

Em setembro de 2010, foi realizada vulvectomia à direita, com retirada completa da lesão e linfadenectomia inguinal superficial. Nos exames pós-operatórios, não foram visualizados sinais de neoplasia residual. A paciente continua em acompanhamento regular semestral, sem sinais de recidiva até o momento.

 

DISCUSSÃO

A DPE corresponde a menos de 2% das neoplasias vulvares.5 As características epidemiológicas da paciente estão de acordo com os dados da literatura: sexo feminino, 72 anos e pósmenopausa. A história clínica de sintomas há oito anos confirma a lenta progressão da neoplasia, além de apontar a dificuldade de diagnóstico e de manejo adequado da doença.

O caso em questão demonstrou forma de DPE vulvar rara e unilateral confirmada por biópsia seguida de análise anatomopatológica, que evidenciou numerosos focos representados por células atípicas de citoplasma amplo e pálido, contendo núcleos grandes com nucléolos distintos, estendendo-se pelo epitélio mucoso em padrão pagetoide. A imuno-histoquímica revelou positividade para a citoqueratina 7 (CK7), um marcador sensível, porém não específico para DPE. A negatividade a esse marcador é rara, ocorrendo geralmente em associação com malignidade em órgãos internos.9 Observou-se também negatividade para citoqueratina 20 (CK20), Melan-A e CDX-2. A CK20 positiva está presente mais comumente na DPE com carcinoma associado;9 portanto, a negatividade desse marcador no caso sugere a ausência de outras neoplasias. Nesse contexto, o padrão de expressão de citoqueratinas possibilita suspeitar de presença ou ausência de malignidade interna. O Melan-A é marcador de diferenciação do melanócito, e sua negatividade praticamente exclui a presença de melanoma amelanótico. O CDX-2 é encontrado quando há tumor colorretal, sendo relevante no diagnóstico de outras neoplasias associadas.

Em geral, a DPE se mantém restrita à epiderme, raramente se disseminando por via linfática.10 A malignidade subjacente varia de 12% a 33% dos casos, correlacionando-se anatomicamente os locais da lesão e da neoplasia, sendo fundamental a investigação para malignidade interna.

Por ser doença rara, há pouco conhecimento sobre o tratamento mais efetivo, e a conduta-padrão é a exérese cirúrgica com a avaliação anatomopatológica do congelamento das margens.6 A taxa de recorrência após o procedimento cirúrgico é elevada, ocorrendo, em média, após 30 meses. A paciente em questão continua em seguimento clínico semestral, estando assintomática até o momento. O presente caso sugere bom prognóstico pela presença de células pagetoides restritas à epiderme e por não apresentar metástases linfonodais, os dois principais critérios da avaliação prognóstica.

Devido à raridade do caso, é fundamental o conhecimento dermatológico para o diagnóstico precoce, a atenção para outras neoplasias concomitantes e a escolha do tratamento apropriado, seja ele clínico ou cirúrgico.

 

Referências

1. Neto MPO. Doença de Paget Extramamária. An Bras Dermatol. 1980;55(4):183-6.

2. Shepherd V, Davidson EJ, Davies-Humphreys J. Extramammary Paget's disease. BJOG. 2005;112(3):273-9.

3. Appert DL, Otley CC, Phillips PK, Roenigk RK. Role of multiple scouting biopsies before Mohs micrographic surgery for extramammary Paget's disease. Dermatol Surg. 2005;31(11 pt 1):1417-22.

4. Chang YT, Liu HN, Wong CK. Extramammary Paget's disease: a report of 22 cases in Chinese males. J Dermatol. 1996;23(5):320-4.

5. Lloyd J, Flanagan AM. Mammary and extramammary Paget's disease. J Clin Pathol. 2000;53(10):742-9.

6. Wang X, Yang W, Yang J. Extramammary Paget's disease with the appearance of a nodule: a case report. BMC Cancer. 2010;10:405.

7. Zampogna JC, Flowers FP, Roth WI, Hassenein AM. Treatment of primary limited cutaneous extramammary Paget's disease with topical imiquimod monotherapy: two case reports. J Am Acad Dermatol. 2002;47(4 Suppl):S229-35.

8. Berman B, Spencer J, Villa A, Poochareon V, Elgart G. Successful treatment of extramammary Paget's disease of the scrotum with imiquimod 5% cream. Clin Exp Dermatol. 2003;28 (Suppl 1):36-8.

9. Lundquist K, Kohler S, Rouse RV. Intraepidermal cytokeratin 7 expression is not restricted to Paget cells but is also seen in Toker cells and Merkel cells. Am J Surg Pathol. 1999;23(2):212-29.

10. Hartman R, Chu J, Patel R, Meehan S, Stein JA. Extramammary Paget disease. Dermatol Online J. 2011;17:4.

 

Trabalho realizado em clínica particular - Fortaleza (CE), Brasil.


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