Cristiane Lüdtke1; Daniela Moraes Souza1; Magda Blessmann Weber2; Aline Ascoli3; Fernanda Swarowski3; Cíntia Pessin4
Keywords: OLHOS; QUALIDADE DE VIDA; DERMATOLOGIA.
A hiperpigmentação periorbital, hiperpigmentação peripalpebral, dark eyelids, dark circles, dark eye circles ou simplesmente "olheiras", embora seja mera diferença de cor entre a pele palpebral e o restante da pele facial, pode provocar importante impacto na qualidade de vida, ao produzir aparência de cansaço e envelhecimento.1-4 Existem dois tipos de olheira: vascular e melânica, porém acredita-se que a maioria possua componente misto, sendo a melanina e a hemossiderina encontradas em quase todos os tipos de olheira, em maior ou menor grau.2
A olheira predominantemente vascular tem padrão de herança familiar autossômica dominante. Costuma aparecer mais precocemente, ainda na infância ou na adolescência. É mais comum em pessoas de grupos étnicos como árabes, turcos, hindus, ibéricos. O diagnóstico dessa modalidade de olheiras é feito tracionando-se a pálpebra inferior para melhor visualização por transparência dos vasos sob a pele.2-4 Neste tipo de hiperpigmentação periorbital não há mudança da cor da pele, mas a pálpebra fica mais escurecida devido à visualização dos vasos dilatados, por transparência. Acredita-se que ocorra hipercromia cutânea em decorrência do depósito de hemossiderina quando há extravasamento sanguíneo dérmico.2 O tabagismo, o álcool, a respiração bucal, a privação de sono, o uso de medicamentos vasodilatadores, colírios à base de análogos de prostaglandinas, anticoncepcionais, quimioterápicos e antipsicóticos são fatores que podem contribuir nesse processo através da estase dos vasos sanguíneos, levando à mudança de cor na região. Além disso, a presença de doenças que cursam com retenção hídrica e edema palpebral (tireoidopatias, nefropatias, cardiopatias e pneumopatias) ocasionam piora do aspecto inestético da olheira. O tratamento ideal deve incluir a suspensão de fatores desencadeantes, porventura identificados; a remoção da hemossiderina pré-formada; e fotoproteção.2-4
A hiperpigmentação periorbital predominantemente melânica é a que incide em pessoas mais velhas com fototipos mais elevados, podendo, entretanto, ocorrer em pacientes com fototipos mais baixos, geralmente mais idosos, como consequência de excessiva e cumulativa exposição solar.3
Na literatura há pouca divulgação de dados epidemiológicos e fatores associados à hipercromia periorbital. O presente trabalho tem por objetivo avaliar essas variáveis nos pacientes com olheiras.
Avaliar a prevalência de hipercromia periorbital e seus possíveis fatores etiopatogênicos, em amostra populacional de um serviço de dermatologia público e universitário do Sul do Brasil.
Estudo transversal e prospectivo, realizado no serviço público de dermatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa do centro universitário em que foi realizado o estudo.
Foram selecionados os pacientes que compareceram para consultas médicas no serviço, no período de novembro de 2011 a abril de 2012.
Os pacientes que se queixavam de olheiras foram convidados a participar da pesquisa e esclarecidos pelo entrevistador quanto à finalidade da mesma e a respeito da preservação do seu anonimato para fins de apresentação dos resultados do estudo.
O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado por todos os participantes. Após a assinatura, os pesquisadores aplicaram o questionário para a coleta de dados.
Os critérios de inclusão no estudo foram pacientes que se consultaram no serviço de dermatologia, de ambos os sexos e qualquer raça, com mais de 18 anos de idade, e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e concordaram em participar do estudo. Foram excluídos os pacientes que não concordaram em participar da pesquisa, que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e os menores de 18 anos de idade.
Os dados coletados incluíram: idade, sexo, fototipo, idade de início de olheira, uso de fotoprotetor e de maquiagem corretiva, tratamentos prévios para olheira, hábito de roncar, presença de desvio de septo, dermatite atópica, asma, rinite, comorbidades, uso de respirador bucal e de medicações contínuas, além de presença de olheiras em familiares e número de horas de sono por dia.
Os dados foram tabulados em um banco de dados no programa Excel e distribuídos pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.
Foram investigados 220 pacientes, constando a amostra de 78,2% (n = 172) mulheres. A média de idade foi de 42,2 (DP = ±16,6 anos), com idade mínima de 18 anos e máxima de 84 anos.
Em relação à idade na qual o paciente começou a apresentar olheiras, a média foi de 23,2 anos (DP± 14,7 anos). Na caracterização do fototipo, o grupo estudado concentrou-se nos fototipos II (35,6%, n = 78) e III (32,0%, n = 70).
O uso de fotoprotetor foi apontado por 59,8% (n = 131) dos pacientes. Quanto à utilização de maquiagem corretiva para camuflagem das olheiras, 40,4% (n = 88) dos entrevistados referiram usar, sendo que a maior parte desse grupo relatou o uso diário, 43,0% (n = 37).
Quando questionada sobre a realização de tratamento prévio, uma pequena parcela da amostra respondeu de forma afirmativa, 2,8% (n = 6), realizado somente com cosmecêuticos tópicos (Tabela 1).
Foram observados ocorrência de desvio de septo, 6,8% (n = 15); ronco à noite, 48,4% (n = 106); asma, 15,1% (n = 33); rinite, 44,7% (n = 98) e dermatite atópica, 11,2% (n = 24). Respiração bucal foi apontada por 20,1% (n = 44) dos investigados. Em relação à presença de algum outro tipo de alergia, 28,6% (n = 63) declararam que sim, sendo mais citada à picada de mosquito 42,9% (n = 33) (Tabela 2).
Quanto às horas de sono, metade da amostra (n = 107) mencionou dormir de cinco a sete horas diárias, sendo a média aproximadamente sete (DP = 1,7) horas, com o mínimo de uma e o máximo de 12 horas de sono diário.
O tabagismo foi declarado por 19,2% (n = 42) dos investigadose, dos quais 54,8% (n = 23) relataram fumar diariamente de 11 a 20 cigarros (mediana de 20 cigarros por dia). Verificou-se também que 13,2% (n = 29) dos investigados se declararam ex-tabagistas.
Quanto ao etilismo 32,9% (n = 72) dos entrevistados relataram fazer uso de álcool uma ou duas vezes por semana, 84,3% (n = 59).
A realização de atividade física foi referida por 42,9% (n = 94) dos investigados, com frequência de três ou quatro vezes por semana, 43,3% (n = 39) (Tabela 3).
Nas informações referentes à presença de olheiras em familiares, 63,7% (n = 137) dos pacientes respondeu de forma afirmativa. E em relação ao grau de parentesco os mais citados foram pais, 52,5% (n = 72); filhos, 29,2% (n = 40); e irmãos, 21,8% (n = 30) (Tabela 4).
A presença de comorbidades foi percebida em 31,8% da amostra, sendo a hipertensão arterial sistêmica (55%), o diabetes mellitus (13,3% ) e a dislipidemia (11,7%) as mais encontradas (Tabela 5). O uso de medicações contínuas foi referida em 25,9% dos entrevistados, sendo o betabloqueador (29,8%) e o inibidor da enzima de conversão da angiotensina (22,8%) os mais citados (Tabela 6).
A hipercromia periorbital, também denominada olheira, é mais observada em mulheres, particularmente morenas, ocasionada por fatores anatomofisiológicos e genéticos.1
No presente estudo a maioria dos pacientes era do sexo feminino, dado condizente com a literatura. Na caracterização do fototipo, o grupo estudado concentrou-se nos tipos II e III, o que diverge de muitos estudos. Esses resultados podem ser devidos à população estudada, basicamente caucasiana, como ficou demonstrado no predomínio de fototipos II e III.
Com relação à idade, a hipercromia periorbital pode iniciar tanto na infância como na vida adulta. Na primeira, costuma ter padrão de herança familiar, sendo principalmente vascular; na segunda possui mais componente melânico.2 A maioria das olheiras, porém, possui componente misto.2 No presente estudo grande parte dos pacientes era de adultos que iniciaram hipercromia periorbital no final da adolescência. Não foi possível determinar se seu início nesse caso tem relação com a predominância melânica ou vascular pois não foi classificado o tipo de olheira de cada paciente. No entanto, a maioria revelou história familiar, o que favorece o componente vascular.
Quanto ao fotoprotetor, sabe-se que ele atua na prevenção de olheiras.5 Neste estudo o uso diário de fotoproteção foi relativamente frequente, provavelmente pela intenção dos pacientes de controlar melhor a dermatose.
Condições como tabagismo, sedentarismo, uso de álcool, desvio de septo, asma, rinite, dermatite atópica e outras alergias, respiração bucal e privação de sono podem contribuir para a hipercromia palpebral devido à estase dos vasos sanguíneos locais.2,6 Na presente pesquisa esses fatores foram constatados em considerável parte da amostra, o que certifica ainda mais essa relação. Quanto à presença de doenças mais associadas com hipercromia periorbital (tireoidopatias, nefropatias, cardiopatias e pneumopatias), foi pouco relatada pelos investigados. As comorbidades mais referidas neste estudo foram a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e a dislipidemia, condições que podem evoluir para algumas das doenças já citadas. O uso de vasodilatadores, colírios à base de análogos de prostaglandinas, quimioterápicos, anticoncepcionais e antipsicóticos que, de acordo com a literatura, costuma contribuir para a hipercromia periorbital, também foi pouco relatado pela amostra estudada.2,3 As medicações contínuas mais informadas foram o betabloqueador e o inibidor da enzima de conversão da angiotensina, provavelmente pela predominância de casos de hipertensão arterial sistêmica na população estudada.
Neste estudo a hipercromia periorbital foi mais observada em mulheres na quarta década, com fototipos baixos, que referiam uso diário de fotoprotetor, hábitos sedentários, privação do sono e história familiar de olheira. Apesar de esse perfil epidemiológico ser semelhante ao descrito na literatura, mais estudos são necessários para permitir ao dermatologista melhores estratégias de manejo dessa dermatose, contribuindo assim para a melhoria da autoestima e da qualidade de vida desses pacientes.
1. Sampaio S, Rivitti E. Dermatologia 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2000.
2. Costa A, Basile DVA, Medeiros VLS, Moisés AT, Ota SF, Palandi JAC . Peeling de gel de ácido tioglicólico 10% opção segura e eficiente na pigmentação infraorbicular constitucional. Surg Cosmet Dermatol.2010;2(1):29-33.
3. Steiner D. Clínica Denise Steiner [Internet]. Acessado em [06 Jun 2013]. Disponível em: http://www.denisesteiner.com.br/derma_estetica/olheiras2.htm.
4. Freitag FM, Cestari TF. What causes dark circles under the eyes? J Cosmet Dermatol. 2007;6(3):211-5.
5. Oshima H,Takiwaki H. Evaluation of dark circles of the lower eyelid: comparison between reflectance meters and image processing and involvement of dermal. Skin Res Technol. 2008;14(2):135-41.
6. Kede MPV, Sabatovich O. Dermatologia Estética. São Paulo: Editora Atheneu; 2004. p.259.
Trabalho realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) - Porto Alegre (RS), Brasil.