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Relato de casos

Utilidade do retalho de Karapandzic na reconstrução de grandes defeitos do lábio inferior

Paula Luz Stocco1; Guilherme Fonseca2; Lucas Emanuel de Lima Azevedo1; Thais Bittencourt Gonçalves Teles1; Carmélia Matos Santiago Reis3

Data de recebimento: 07/08/2012
Data de aprovação: 27/08/2013
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN/SES) - Brasília (DF), Brasil.

Abstract

A reconstrução dos defeitos resultantes das ressecções tumorais constitui um desafio para o cirurgião, que deve buscar bom resultado tanto funcional quanto estético. O objetivo deste trabalho é descrever a técnica cirúrgica usada em homem de 78 anos com diagnóstico de carcinoma de células escamosas no lábio inferior e que foi submetido à excisão da lesão e reconstrução com a técnica de Karapandzic. Esse retalho é usado na reconstrução de defeitos cirúrgicos que ocupam de 40 a 75% de extensão do lábio.


Keywords: CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS, RETALHOS CIRÚRGICOS, NEOPLASIAS LABIAIS.


INTRODUÇÃO

O carcinoma epidermoide é a neoplasia maligna mais frequente dos lábios. Trata-se de tumor agressivo, invasor, que pode metastatizar se não for tratado precoce e radicalmente. Das neoplasias labiais, apenas 5% ocorrem no lábio superior, sendo em sua maioria carcinomas basocelulares; os outros 95% acometem o lábio inferior, no qual o carcinoma espinocelular é predominante devido à maior exposição à radiação ultravioleta. Essa é zona anatômica de elevado interesse em virtude da frequência da doença envolvendo o esfíncter natural da cavidade bucal.1-6

A reconstrução dos defeitos resultantes da exérese do tumor constitui desafio para o cirurgião, que deve buscar bons resultados funcionais e estéticos. Por essa razão, são descritas numerosas técnicas para a reconstrução dessa região anatômica.1-6

Entre os procedimentos cirúrgicos para o tratamento de lesões no lábio inferior, podemos citar várias técnicas: do aplainamento, de excisão em V com ou sem aplainamento do vermelhão, de Karapandzic, de Estlander e de reconstrução com retalho de Bernard-Burrow-Webster.1-6

A técnica do aplainamento é empregada nos casos de lesões superficiais que acometem mucosa e submucosa sem infiltrar a musculatura.A técnica de excisão em V com ou sem aplainamento do vermelhão está indicada para os casos em que uma grande lesão ocupa determinada parte do vermelhão e para tanto deve ser excisada em cunha. Ressecções de até 30% do lábio permitem sutura primária com ausência de tensão. Ressecções que produzem defeitos entre 30 e 40% são mais bem abordadas pela ressecção em "W", ou pela utilização de retalhos labiais.1-6

A técnica de Karapandzic é indicada para reparação de defeitos centrais do lábio inferior, por rotação e avançamento de até 3/4 do lábio, preservando a função esfincteriana, inervação e irrigação. A técnica de Estlander (retalho de transferência labial pediculado) é usada quando 30% do lábio deve ser ressecado, podendo ser substituído por um retalho a partir do lábio superior.A extensão máxima desse retalho deve ser superior a 1,5cm ou 2cm, o que corresponde a cerca de 1/4 do comprimento do lábio. A técnica de reconstrução com retalho de Bernard-Burrow-Webster é aplicada preferencialmente para defeitos de até 65%, quando a ressecção resulta em grande defeito que necessita ser reconstruído com retalhos vascularizados.1-6

Os retalhos de Karapandzic e de Bernard-Burrow-Webster estão entre as opções mais utilizadas para a reconstrução de grandes defeitos labiais. O retalho de Karapandzic é adequado para defeitos que ocupam de um a 2/3 do comprimento do lábio inferior, pois em defeitos maiores a microstomia resultante contraindica esse procedimento. Nos defeitos labiais totais ou subtotais o retalho de Bernard-Burrow-Webster mantém-se como boa opção reconstrutiva.1-6

Os fatores que afetam a seleção do tipo de tratamento e da técnica a ser empregada estão relacionados ao tumor e ao paciente.1-6

 

RELATO DE CASO

Homem de 78 anos com lesão tumoral ulcerada no lábio inferior evoluindo há seis meses, com crescimento progressivo (Figura 1) e ausência de adenopatias regionais à palpação. O diagnóstico clínico de carcinoma de células escamosas foi confirmado através de biópsia incisional.

O paciente foi submetido, em regime ambulatorial e com anestesia local, à excisão da lesão e reconstrução com a técnica de retalho miocutâneo de Karapandzic, sem intercorrências. A confecção dos retalhos consistiu na realização de incisões periorais bilaterais, iniciadas nos bordos inferiores do defeito cirúrgico e prolongadas pelos sulcos mentolabial e nasolabiais (Figura 2).

O músculo orbicularis oris e a mucosa oral foram incisados até o nível das comissuras labiais, e lateralmente a esstas a incisão não atingiu a mucosa oral, tendo sido realizada delicada dissecção dos planos. Foram então confeccionados retalhos miocutâneos em movimento de avanço que cobriram o defeito. As estruturas neurovasculares foram poupadas, preservando a sensibilidade e a motricidade labiais (Figuras 3 e 4).

Os retalhos foram deslizados medialmente, suturando-se a mucosa, o músculo orbicularis oris e a pele em três planos sucessivos, permitindo a restauração da continência do esfíncter oral (Figura 5).

O resultado estético e funcional foi satisfatório, desde que as suturas ocuparam os sulcos naturais; a continência oral foi preservada, bem como a sensibilidade e a mobilidade labiais. Ocorreu, no entanto, ligeira microstomia sem impacto funcional, que pode ser atenuada com comissurostomia (Figura 6).

Após um ano, o paciente não apresenta sinais de recidiva local ou de metastatização locorregional.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O retalho descrito por Karapandzic em 1974 é uma das opções para a reconstrução de grandes defeitos labiais. Baseia-se na preservação anatômica dos pedículos vásculo-nervosos faciais, que mantêm a futura irrigação e funcionalidade do lábio, com as vantagens de ser em tempo único e possibilidade de realização sob anestesia locorregional.1-5Trata-se de retalho adequado para corrigir defeitos que ocupam de 40 a 75% de extensão do lábio inferior, podendo ser aplicado de forma invertida na reconstrução do lábio superior. O retalho de Karapandzic tem como principal virtude a preservação da mobilidade e sensibilidade do lábio inferior, bem como da continência oral. Seu maior inconveniente é a microstomia, que ocorre também com outras técnicas de retalhos miocutâneos, em maior ou menor grau, utilizados na reconstrução de defeitos cirúrgicos de espessura total.1-6

 

Referências

1. Brinca A, Andrade P, Vieira R, Figueiredo A. Retalho de Karapandzic e retalho de Bernard-Burrow-Webster na reconstrução do lábio inferior. An Bras Dermatol. 2011;86(4 Supl 1):S156-9.

2. Fonseca M, Garcia G. Reconstruccion de labio con Técnica de Karapandzic. Cir Plas Iberolatinoam. 2007;33(1):57-62.

3. Sbalchiero JC, Anlicoara R, Cammarota MC, Leal PRA. Reconstrução labial: abordagem funcional e estética após ressecção tumoral. Rev Soc Bras Cir Plast. 2005;20(1):40-5.

4. Faveret P, Franco D, Boghossian LC, Medeiros J, Franco T. Carcinoma de lábios: análise de tratamento cirúrgico realizado em hospital universitário. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2009;12(4):155-8.

5. Conti LA, Carvalho MM, Machado Filho CDS, Hayashida ME, Ferraz TS, Gonçalves Jr. BF. Reconstrução do lábio inferior com retalhos de Karapandzic e Gilles após excisão de carcinoma espinocelular. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(2):195-9.

6. Karapandzic M. Reconstrution of lip defects by local arterial flaps. Br J Plast Surg. 1974;27(1):93.


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