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Relato de casos

Peeling de ácido tioglicólico na doença de Schamberg

Mariana Hammerschmidt1, Arthur Conelian Gentili1, Themis Hepp1, Maira Mitsue Mukai1

Data de recebimento: 13/04/2012
Data de aprovação: 26/05/2013
Trabalho realizado no Serviço de
Dermatologia do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) –
Curitiba (PR), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A doença de Schamberg é dermatose pigmentar progressiva de curso crônico. Apresentamos o uso de peeling de ácido tioglicólico nessa manifestação, com estudo histológico e análise fotográfica. Paciente do sexo feminino, 43 anos, com diagnóstico clínico e histopatológico de doença de Schamberg. Foram realizadas cinco sessões de peeling de ácido tioglicólico 10% em gel com intervalo de 15 dias entre cada sessão. A paciente apresentou significativo clareamento das lesões com melhora clínica de 68,7%. Solubilizante hemossiderínico, o ácido tioglicólico é opção de tratamento, mostrando clareamento das lesões com boa tolerância e poucos efeitos colaterais.

Keywords: PURPURA, HEMOSSIDERINA, TERAPÊUTICA, HIPERPIGMENTAÇÃO


INTRODUÇÃO

A doença de Schamberg, descrita pela primeira vez em 1901, é dermatose pigmentar progressiva de curso crônico, caracterizada por máculas castanho-avermelhadas irregulares associadas a petéquias com aspecto semelhante ao de grãos de pimenta-de-caiena. São assintomáticas e geralmente afetam os membros inferiores, mas podem acometer o tronco e membros superiores.1,2 As lesões observadas parecem ser resultado do depósito de hemossiderina associado à hiperpigmentação melânica. Acredita-se que há ativação melanocítica secundária à deposição de pigmento férrico na derme.3 Para dermatoses de origem férrica o peeling de ácido tioglicólico mostrou-se opção de tratamento segura e eficiente.4

RELATO DO CASO

Paciente de 43 anos do sexo feminino veio à consulta por queixa de aparecimento súbito há um ano de manchas nas pernas e nos pés que pioravam após exposição solar. Negava comorbidades e uso de medicamentos. Ao exame apresentava máculas acastanhadas irregulares, algumas confluentes, em pernas e dorso de pés bilateralmente. A dermatoscopia da lesão mostrou pigmento acastanhado com áreas de eritema (Figura 1). Na histologia (Figura 2) observou-se aumento do pigmento melânico nos queratinócitos, derme com edema e infiltrado inflamatório linfo-histiocitário discreto perivascular com presença de hemossiderina evidenciada pela coloração de Perls, confirmando o diagnóstico de doença de Schamberg. Para preparo da pele, prescreveu- se ácido glicólico 10% + hidroquinona 4% + -bisabolol 1% durante três semanas antes do procedimento. Foram realizadas cinco sessões de peeling de ácido tioglicólico 10% em gel com intervalo de 15 dias entre cada sessão. Para a realização do procedimento, recomenda-se a limpeza da pele com álcool-éteracetona seguida da aplicação do ácido, o qual é retirado da pele com água e sabão após 20 minutos de contato. A paciente não referiu dor ou qualquer desconforto durante o procedimento. Observou-se descamação discreta com início três dias após o procedimento e duração de até dez dias. Houve clareamento significativo das lesões (Figuras 3, 4, 5, 6, 7 e 8) e satisfação da paciente, que referiu melhora de 90%. Os registros fotográficos prévios e posteriores ao tratamento foram avaliados por 20 dermatologistas que referiram melhora média de 68,7%, variando de 55% a 80%. A biópsia de controle após a quinta sessão mostrou ausência de deposição de hemossiderina pela coloração de Perls.

DISCUSSÃO

A etiologia da doença de Schamberg ainda é desconhecida. 5 Fatores desencadeantes tais como hipersensibilidade a drogas, dermatites de estase, de contato e factícia foram relatados.1 Embora a patogênese exata seja desconhecida, o dano capilar e o consequente extravasamento de hemácias parecem ser resultado de lesão mediada por células imunes localizadas, induzida por um subtipo de linfócitos T helper específicos.2,6 Na histologia observa-se infiltrado mononuclear perivascular na derme superior com extravasamento de hemácias e deposição de hemossiderina, mas sem necrose fibrinoide nas paredes dos vasos,1 fato constatado no caso acima. Até o momento, nenhum tratamento demonstrou efeito benéfico consistente. Há relatos de melhora com esteroides tópicos, griseofulvina, pentoxifilina, Puva, antialérgicos, colchicina, ácido ascórbico e rutosida oral.1,5,6

As máculas residuais são causa de angústia para muitos pacientes, especialmente mulheres. Parecem ser resultado do depósito de hemossiderina associado à hiperpigmentação melânica, pois se acredita que haja ativação melanocítica secundária à deposição de pigmento férrico na derme.3

O peeling de ácido de tioglicólico é umas das opções de tratamento para as desordens pigmentares de origem férrica.4 Peelings seriados e progressivos de ácido tioglicólico 10% mostraram- se ferramenta terapêutica segura, eficiente e de baixo custo no tratamento da hipercromia periorbicular constitucional.7

O ácido tioglicólico, também chamado de ácido mercapto acético, é um dos representantes da classe dos tioglicolatos, considerado solubilizante hemossiderínico.3 Os tioglicolatos são há muito tempo utilizados na indústria cosmética, como componentes de depilatórios corporais, alisantes e colorantes capilares. 8 Utilizado topicamente (5-12%) o ácido tioglicólico tem a vantagem de não provocar dor ou eritema (algumas vezes, leve), rara sensibilização, descamação leve e transitória.8 Na literatura, recomenda-se sua aplicação semanal, em gel, no total de cinco a seis sessões. Inicia-se com limpeza local, aplicação do produto, manutenção durante período de dez a 30 minutos e neutralização com água.8 No caso relatado o produto foi mantido por 20 minutos sem que a paciente referisse qualquer desconforto, observando-se apenas eritema leve após a aplicação do produto. Optamos por sessões quinzenais já que ocorreu descamação leve durante até dez dias após o procedimento. O resultado obtido foi significativo, com clareamento completo das manchas do terço inferior das pernas e de boa parte do dorso dos pés (68,7% de melhora) com ótimo índice de satisfação referido pela paciente. A ausência de hemossiderina na biópsia de controle pode representar resposta positiva ao tratamento, já que a amostra foi coletada em local próximo ao da biópsia anterior, onde havia manchas prévias. Apesar da cronicidade da doença e provável recorrência das lesões a longo prazo, o peeling de tioglicólico mostrou-se ferramenta eficiente no clareamento das lesões com boa tolerância e poucos efeitos colaterais.

Referências

1 . Torrelo A, Requena C, Mediero IG, Zambrano A. Schamberg''s purpura in children: a review of 13 cases. J Am Acad Dermatol. 2003; 48(1):31-3

2 . Chatterjee S. Schamberg disease: uncommon reaction to a common drug. CMAJ. 2009;181(12):E275

3 . TulliR, Izzo M. El papel del ácido tioglicólico em las pigmentaciones férricas. Rev Panam Flobol Linfol. 2001;41(2):57-63

4 . Izzo M, Verzella G, inventors; I.V. PHARMA S.A.S, assignee. The use of thioglycolic acid as depigmenting agent. patent WO/1998/047466. 1998 October 29. Available from: http://www.freepatentsonline.com/ WO1998047466.html

5 . Reinhold U, Seiter S, Ugurel S, Tilgen W. Treatment of progressive pigmented purpura with oral bioflavonoids and ascorbic acid: an open pilot study in 3 patients. J Am Acad Dermatol. 1999; 41(2 Pt1):207-8

6 . Geller M. Successful novel treatment of Schamberg''s purpura with colchicines. Einstein. 2004; 2(3):206-7

7 . Costa A, Basile AVD, Medeiros VLS, Moisés TA, Ota FS, Palandi JA, et al. 10% thioglycolic acid gel peels: a safe and efficient option in the treatment of constitutional infraorbital hyperpigmentation. Surg Cosmet Dermatol.2010;2(1):29-33

8 . Burnett CL, Bergfeld WF, Belsito DV, Klaassen CD, Marks JG Jr, Shank RC, et al. Final amended report on the safety assessment of Ammonium Thioglycolate, Butyl Thioglycolate, Calcium Thioglycolate, Ethanolamine Thioglycolate, Ethyl Thioglycolate, Glyceryl Thioglycolate, Isooctyl Thioglycolate, Isopropyl Thioglycolate, Magnesium Thioglycolate, Methyl Thioglycolate, Potassium Thioglycolate, Sodium Thioglycolate, and Thioglycolic Acid. Int J Toxicol. 2009;28(4 Suppl):68-133


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