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Diagnóstico por Imagem

Talon noir: auxílio da dermatoscopia no diagnóstico diferencial de lesão pigmentada

Fred Bernardes Filho1, Maria Victória Quaresma1, Karoline Silva Paolini1, Natalia de Carvalho Rocha1, Bernard Kawa Kac1, Luna Azulay-Abulafia1

Data de recebimento: 22/05/2013
Data de aprovação: 15/06/2013
Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia
Professor Rubem David Azulay da Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Talon noir foi descrita pela primeira vez em 1961 por Peachey, como erupção petequial traumática característica dos saltos dos jogadores de basquete e originalmente chamada de petéquias do calcâneo. É dermatose relacionada ao trauma, com lesões assintomáticas e marcada pela presença de sangue dentro do estrato córneo. Apresenta manifestações clínicas variadas e sua localização depende do fator provocativo envolvido. Os autores apresentam caso de talon noir em paciente com psoríase vulgar e demonstram a importância da correlação das características clínicas, dermatoscópicas e histopatológicas.

Keywords: MANCHAS DE SANGUE, NEVOS E MELANOMAS, PÉ


INTRODUÇÃO

Talon noir é uma dermatose com lesão petequial assintomática, relacionada ao trauma e encontrada principalmente em sítios acrais, que histologicamente é caracterizada por sangue dentro do estrato córneo1. Desde sua descrição inicial tem desfrutado de diversos nomes (Quadro 1) e a descrição da lesão envolve principalmente o local acometido e o fator provocativo2.

A apresentação mais característica dessa entidade clínica é a presença de máculas coalescentes formando placa purpúrica enegrecida, justamente o aspecto que veio a dar o nome à dermatose, descrito pelo francês Peachey como talon noir, que significa calcanhar negro.3 Sua etiopatogenia é de origem traumática e provocada por pressão tangencial excessiva aplicada sobre a pele. Embora caracteristicamente bilateral e nos calcanhares, pode ser encontrada em qualquer superfície acral.4,5

A escarificação da lesão com uma lâmina de bisturi permite o desprendimento de camadas finas da pele pigmentada que pode ser avaliada com auxílio do dermatoscópico ou enviada para análise histopatológica.1 A dermatoscopia da lesão é outra valiosa ferramenta no diagnóstico, pois apresenta achados sugestivos de presença de sangue no estrato córneo.6,7 A confirmação diagnóstica é dada pela histopatologia que pode revelar hiperceratose, presença de sangue no estrato córneo e eritrócitos extravasados na derme papilar.1

Como principal diagnóstico diferencial, há proliferação melanocítica, sendo o melanoma o mais importante diagnóstico diferencial clínico.1,6 Inspeção cuidadosa é essencial para descartar tumor melanocítico simultâneo. Nenhum tratamento é necessário, pois as lesões tendem a desaparecer espontaneamente.1,2

Os objetivos deste relato são demonstrar as características clínicas, dermatoscópicas e histopatológicas dessa dermatose e alertar quanto à importância de incluí-la no diagnóstico diferencial de lesões que ocorram nessa topografia.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 65 anos, procurou ambulatório de dermatologia devido à exacerbação das lesões de psoríase e por estar sem tratamento há dois anos. Há cerca de duas semanas apresentava lesão maculosa enegrecida, assintomática, no quinto dedo do pé direito. Refere não se recordar de trauma local.

Ao exame ectoscópico, observamos placas psoriasiformes no tronco, dorso e membros. Apresentava mácula vermelho-enegrecida única na região medial da falange distal do quinto pododáctilo direito (Figura 1). À dermatoscopia, verificamos padrão global homogêneo com pigmento de coloração vermelho-enegrecida, com presença de estilhas hemorrágicas na periferia (Figura 2). Foram aventadas as seguintes hipóteses: talon noir e nevo displásico. Foi realizada escarificação da mácula que resultou no desprendimento de camadas de pele de coloração enegrecida (Figura 3). Para confirmação diagnóstica, foi realizada biópsia da lesão, e o histopatológico revelou fibrina, pigmento ocre de hemossiderina e hemácias degeneradas aprisionadas no terço inferior do estrato córneo; restante da epiderme sem alterações (Figura 4).

Dessa forma, associando o aspecto clínico aos achados da escarificação, dermatoscópicos e histopatológicos, estabeleceu-se o diagnóstico de talon noir. Orientamos quanto à benignidade do quadro e, no retorno após seis semanas, verificamos desaparecimento espontâneo da lesão.

DISCUSSÃO

A dermatoscopia ganha a cada dia mais importância na prática clínica, com o aumento do número de suas indicações.8 Esse método diagnóstico permite ao médico o reconhecimento de estruturas morfológicas de lesões pigmentadas da pele que podem definir se elas são de natureza melanocítica ou não, acrescentando nova dimensão ao exame clínico.7,9

À dermatoscopia, a pigmentação vista em lesões em que há hematoma subcórneo geralmente apresenta-se um pouco mais clara, revelando tonalidade avermelhada. Na maioria das vezes, o padrão global visto é o homogêneo ou globular, porém, em alguns casos, o pigmento pode estar distribuído ao longo das cristas, conferindo um aspecto paralelo, o que torna ainda mais difícil a diferenciação com melanoma acral.7 No caso em questão, além dos aspectos dermatoscópicos já descritos, verificamos a presença de estilhas hemorrágicas periféricas.

A coloração da lesão, em alguns casos, pode fornecer pistas do tempo de sua evolução. O sangue extravasado na pele vai ser reabsorvido, e isso provoca variação cromática que vai do início ao pleno reparo da lesão. Essa mudança de tons é conhecida com espectro equimótico de Legrand du Saulle, ver quadro 2, e tem importante valor na traumatologia forense.10 Algumas regiões, por peculiaridades anatômicas, não apresentam o espectro equimótico, são elas a conjuntiva ocular, dedos e as regiões palmoplantares. 10

Os autores propõem que na presença de achados dermatoscópicos sugestivos de hematoma subcórneo em paciente que apresentou trauma local, uma conduta expectante pode ser tomada pelo período de 30 dias para avaliar a evolução do quadro. A ocorrência de regressão espontânea condiz com o diagnóstico de talon noir. Por considerar como hipótese a possibilidade de lesão melanocítica e pelo fato de o paciente não se recordar de trauma local, optamos por realizar biópsia incisional da lesão para confirmação diagnóstica.

Os autores enfatizam a importância de acrescentar talon noir aos diagnósticos diferenciais de lesões melanocíticas, que incluem o melanoma, e sugerem, como método auxiliar no diagnóstico, o uso da dermatoscopia.

Referências

1 . Urbina F, Leon L, Sudy E. Black heel, talon noir or calcaneal petechiae? Australas J Dermatol. 2008;49(3):148-51

2 . Tlougan BE, Mancini AJ, Mandell JÁ, Sanchez MR. Skin conditions in figure skaters, ice-hockey players and speed skaters: part I - mechanical dermatoses. Sports Med. 2011;41(9):709-19

3 . Crissey JT, Peachey JC. Calcaneal petechiae. Arch Dermatol. 1961;83:501

4 . Yaffee H. Talon noir. Arch Dermatol. 1971;104(4):452

5 . De Luca JF, Adams BB, Yosipovitch G. Skin manifestations of athletes competing in the summer olympics: what a sports medicine physician should know. Sports Med. 2012 1;42(5):399-413

6 . Rubegni P, Feci L, Fimiani M. Talon Noir: utility of dermoscopy for differential diagnosis with respect to other acral skin growths. G Ital Dermatol Venereol. 2012;147(1):133-4

7 . Ferreira CMM, Barcaui C, Piñeiro-Maceira J. Outras dermatoses de interesse dermatoscópico. In: Atlas de Dermatoscopia. Aplicação clínica e correlação histopatológica. Rio de Janeiro: DiLivros; 2011. p.189-98

8 . Bastos CAS. Non-traditional Indications in dermoscopy. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(2)203-5

9 . Rezze GG, Sá BCS, Neves RI. Dermatoscopia: o método de análise de padrões. An Bras Dermatol. 2006;81(3):261-8

10 . Periciamedicalegal.com.br [Internet]. Perícia Médica Legal. Importância forense do espectro equimótico [acesso 08 Abr 2013]. Disponível em: http://periciamedicalegal.com.br/?p=6


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