2619
Views
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Reconstrução dos defeitos nasais após exérese de tumores pela cirurgia micrográfica de Mohs

Emerson Henrique Padoveze1, Selma Schuatz Cernea1

Data de recebimento: 16/07/2012
Data de aprovação: 26/05/2013
Trabalho realizado na Clínica
Dermatológica do Hospital do
Servidor Público Municipal de São
Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: A reconstrução dos defeitos cirúrgicos gerados pela excisão de tumores no nariz, por sua estrutura rígida e de pouca mobilidade, é um desafio para os cirurgiões dermatológicos. A técnica de cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) permite poupar tecido saudável, produzindo ferida cirúrgica menor. Objetivo: Demonstrar as técnicas de correção dos defeitos cirúrgicos após remoção de tumores do nariz pela CMM, de acordo com a localização anatômica do tumor. Métodos: Estudo descritivo com pacientes operados pela CMM no período 1996 a 2010. Foram analisadas imagens pré, intra e pós-operatórias dos pacientes com o intuito de classificar a localização anatômica do defeito cirúrgico e o tipo de reconstrução adotada. Resultados: Foram incluídos no estudo 170 pacientes, totalizando 203 lesões. A localização mais comum dos tumores foi (em ordem decrescente): asa nasal, dorso, ponta e parede lateral. Nas lesões localizadas na parede lateral e asa nasal o tipo de reconstrução mais utilizado foi o retalho de avanço. Nas lesões localizadas na ponta nasal, o enxerto; no dorso, o enxerto e o retalho de avanço. Conclusões: Os parâmetros que nos orientam na escolha do melhor método de reconstrução devem levar em consideração o tamanho e a localização do defeito cirúrgico.

Keywords: CIRURGIA DE MOHS, CARCINOMA BASOCELULAR, CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS


INTRODUÇÃO

Os tumores de pele são as neoplasias mais comuns do ser humano. No Brasil, em 2013, a estimativa de incidência do câncer de pele não melanoma é de 134 mil novos casos, dos quais 62.680 em homens e 71.490 em mulheres. Esses valores correspondem a risco estimado de 65 e 71 casos novos a cada 100 mil homens e mulheres, respectivamente.1

O carcinoma basocelular (CBC) é o mais comum e corresponde a cerca de 75% dessas lesões, seguido pelo carcinoma espinocelular (CEC) com incidência de 15% e mais raramente o melanoma que em nosso meio corresponde a 4% das malignidades cutâneas.2,3 A face é sua localização mais comum, estando 70% deles localizados no nariz e na fronte.

A técnica de cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) realiza mapeamento de 100% das margens, propiciando a completa remoção da lesão, o que se traduz por elevados índices de cura. A taxa de recorrência em cinco anos de CBC primários e recorrentes tratados com cirurgia convencional é de 10% e 17%, respectivamente. Nos tumores tratados com CMM essa taxa cai para 1% e 6%.4 A utilização dessa técnica também permite poupar tecido normal, o que gera menor ferida cirúrgica.5

O complexo contorno do nariz reflete as variadas estruturas pelas quais é formado, bem como as diferentes características da pele que o recobre. Na ponta e asas nasais, a pele é espessa e sebácea. Entretanto, no dorso e na porção lateral a pele é fina. Além disso, a pele tem maior mobilidade nos dois terços superiores. A soma desses fatores determinou a criação das subunidades estéticas do nariz que são: dorso, ponta, parede lateral, asa nasal e columela.6 (Figura 1). A reconstrução dos defeitos cirúrgicos gerados pela excisão de tumores no nariz é um desafio para os cirurgiões dermatológicos, posto que sua estrutura é rígida e de pouca mobilidade.

Na reconstrução dos defeitos nasais, o cumprimento de alguns princípios básicos é fundamental para um bom resultado estético. Inicialmente devem ser determinadas as características da ferida cirúrgica: topografia, extensão e profundidade. Quando possível deve-se substituir a falta de tecido por seu melhor equivalente, que no nariz é a pele vizinha à ferida. Outro princípio a ser seguido é o de respeitar as unidades estéticas procurando localizar as cicatrizes nas dobras e sulcos naturais do nariz.7 Em casos nos quais o tumor acomete mais de 50% da unidade estética, alguns autores recomendam a exérese completa da subunidade e o fechamento com retalho de avanço ou enxerto para minimizar os contrastes teciduais.8,9

Inúmeras técnicas podem ser utilizadas no fechamento dos defeitos cirúrgicos gerados pela excisão de tumores no nariz, tais como síntese primária, retalho de avanço, retalho de transposição, retalho bilobado, enxerto ou associação de técnicas.

O objetivo deste trabalho é demonstrar as técnicas de correção dos defeitos cirúrgicos do nariz, de acordo com a localização anatômica do tumor, em pacientes submetidos à CMM na Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM) entre 1996 e 2010.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo descritivo com pacientes submetidos à CMM no Serviço de Dermatologia do HSPM no período de 1996 a 2010. Foram analisados os prontuários e imagens pré, intra e pós-operatórias dos pacientes submetidos à exérese de tumores na região nasal, com o intuito de relacionar a localização anatômica do defeito cirúrgico e o tipo de reconstrução adotado. Foram excluídos do estudo os pacientes cujas lesões ultrapassavam mais de uma subunidade nasal ou os limites do nariz, bem como aqueles que não tinham registro fotográfico completo.

RESULTADOS

Foram operados 236 pacientes dos quais foram retirados 279 tumores do nariz pela CMM no período de 1996 a 2010. Desses foram incluídos no estudo 170 pacientes, sendo 109 mulheres e 61 homens, totalizando 203 lesões. As idades dos pacientes estudados variaram de 19 a 93 anos, com média de 65 anos.

As neoplasias tratadas foram 190 CBC e 13 CEC. De acordo com a localização anatômica obteve-se a seguinte distribuição: 68 lesões na asa nasal, 62 no dorso nasal, 40 na ponta e 33 na parede lateral (Gráfico 1).

As seguintes técnicas foram utilizadas para reconstrução de defeitos no dorso nasal: 18 enxertos; 17 retalhos de avanço; 13 suturas diretas; sete retalhos bilobados e cinco retalhos de transposição. Em dois pacientes foi realizada associação de técnicas com sutura direta e enxerto ou retalho de avanço e enxerto.

Nas lesões da ponta nasal 16 casos foram fechados com enxerto; nove com retalho bilobado; oito com retalho de avanço; seis com sutura direta e um com retalho de transposição.

Para as lesões localizadas na parede lateral o retalho de avanço foi o mais utilizado (16 casos), seguido pelo retalho bilobado (sete casos), sutura direta (seis casos), enxerto (dois casos), retalho de transposição (um caso) e associação do retalho de avanço e transposição (um caso).

Por fim, dos 68 defeitos cirúrgicos localizados na asa nasal, 33 foram reconstruídos com retalho de avanço; 17 com retalho de transposição; oito com retalho bilobado, cinco com enxerto, quatro com sutura direta e um com retalho de transposição e enxerto.

A distribuição das técnicas cirúrgicas utilizadas no fechamento das lesões de acordo com a localização anatômica do defeito cirúrgico encontra-se nos gráficos da gráfico 2.

DISCUSSÃO

O fechamento dos defeitos nasais é geralmente difícil no que se diz respeito a bom resultado funcional e estético. A idade do paciente, o tamanho e a localização do defeito cirúrgico são os parâmetros que nos orientam na escolha do melhor método de reconstrução.

A CMM é considerada o método mais confiável no manejo do câncer da pele por permitir o controle histológico das margens dos tumores cutâneos excisados, levando a taxas de cura que excedem as de outras modalidades terapêuticas e permitindo, além disso, a máxima conservação de tecido saudável.4 Ainda assim, nos deparamos diariamente com vários desafios no que se refere à reconstrução do nariz.

Em nossa casuística, observamos que a localização topográfica mais comum dos tumores de nariz foi a asa nasal (33% dos casos), seguida pelo dorso (30%). Esses dados são condizentes com os da literatura, que afirma que a maioria dos tumores de nariz localiza-se nos dois terços distais.8,9 Brata et al., estudaram 1.131 pacientes submetidos a CMM, e, neles, os locais mais comuns de acometimento neoplásico foram asas e dorso nasais.10

No dorso nasal, o enxerto (29% dos casos) e o retalho de avanço (28%) foram os mais utilizados para a correção dos defeitos cirúrgicos (Figuras 2 e 3). Os retalhos nessa região devem ser sempre considerados, já que a pele do dorso é fina e bastante móvel, salvo quando a fibrose está presente por cirurgias anteriores, o que pode impossibilitar sua mobilidade.11 Nesses casos ou com feridas cirúrgicas de grandes dimensões o enxerto torna-se a melhor opção devido à menor espessura e quantidade de glândulas sebáceas dessa região.8,12

Além desses dois tipos de reconstrução, a síntese primária (21% dos casos) foi bastante utilizada nos defeitos do dorso nasal em nossos pacientes. Um princípio fundamental que rege a cirurgia reparadora é o de que sempre devemos fazer o mais simples, ou seja, sempre que pudermos o fechamento primário é a melhor opção (Figura 4).13 Entretanto, o número relativo a esse procedimento foi inferior ao do retalho e do enxerto, evidenciando os moderados a grandes defeitos cirúrgicos presentes em nossa casuística.

Para as lesões localizadas na asa nasal, o desafio maior é manter a curvatura natural sem achatá-la, mantendo a função respiratória e o equilíbrio com o lado oposto.14 Dos defeitos desse tipo, 49% foram reconstruídos com o retalho de avanço alar, 25% com o retalho de transposição nasogeniano, e 12% com o retalho bilobado. Esses dados estão de acordo com a literatura. Metade de nossos pacientes com lesões nessa subunidade possuíam lesões relativamente pequenas e abaixo do sulco nasal, permitindo a realização do retalho alar. O retalho bilobado é frequentemente utilizado para reconstruções nasais de dorso e terço inferolateral do nariz.15 O retalho nasogeniano é muito utilizado para reparações de asa e ponta nasal devido ao bom suprimento sanguíneo e à pele redundante que oferece boas condições para reconstrução.16 Nas lesões próximas à borda livre da asa nasal o retalho de transposição torna-se boa opção por não repuxar a narina e refazer o contorno da asa nasal (Figura 5).17

Vinte e quatro das 33 lesões (72%) que acometeram a parede lateral dos casos foram fechados com retalhos, dos quais o mais utilizado foi o de avanço, que correspondeu a 49% dos casos (Figura 6). Na literatura, os retalhos de avanço da região jugal são citados para reparar defeitos da parede lateral e dorso nasal devido a sua grande capacidade de movimento.18

Com relação à ponta do nariz, os fechamentos mais utilizados por ordem de frequência foram enxerto (40% dos casos), retalho bilobado (22%), retalho de avanço (20%) e a sutura direta (15%). Observamos que para as lesões menores os retalhos bilobados e de avanço foram os mais bem indicados, resultando em excelente resultado final (Figura 7). Alguns autores, aliás, consideram o retalho bilobado muito eficiente para pequenos defeitos da ponta nasal, bem como a síntese primária.19 Nas lesões maiores o enxerto mostrou-se boa opção, pois não houve o desvio do nariz. Outra possibilidade de reconstrução citada na literatura para grandes defeitos na ponta nasal inclui o retalho frontal; entretanto, não realizamos esse tipo de reconstrução devido à não inclusão no estudo dos casos em que a ferida operatória ultrapassou uma subunidade do nariz, ou seja, casos de ferida de grandes dimensões. Além disso, esse tipo de reconstrução necessita de um segundo tempo cirúrgico para ressecção do pedículo.

Em nossa casuística, observamos que a maioria dos enxertos foi realizada nos primeiros anos do estudo e que, com a aquisição de mais experiência e habilidade cirúrgica, os retalhos passaram a compor a técnica preferida de reconstrução dos grandes defeitos no nariz. De acordo com a literatura, esse conceito de cirurgia reparadora evoluiu em outros centros mundiais, que preferem os retalhos ao enxerto sempre que possível, pelo fato de a utilização de pele da mesma unidade estética proporcionar perfeitas textura e coloração.8,20

O cirurgião dermatológico deve ter em mente o princípio de que a reconstrução deve ser a mais simples possível, cabendo-lhe, em função de sua capacidade técnica e das características de cada paciente, escolher o método mais adequado.

Referências

1 . Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012 : incidência de câncer no Brasil. [Internet]. Rio de Janeiro: Inca; 2011 [citado 17 Jun 2013]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/ 2012/estimativa20122111.pdf

2 . Enokihara MY, Simões MM, Enokihara S. Carcinoma Basocelular e Carcinoma Espinocelular. In: Lupi O, Belo J, Cunha PR, editores. Rotinas de Diagnóstico e Tratamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia. São Paulo: AC Farmacêutica; 2010. p.29-35

3 . Miller SJ. Biology of basal cell carcinoma (Part 1). J Am Acad Dermatol. 1991; 24(1):1-13

4 . Reis NA, Azevedo LCM, Stolf HO, Nouri K, Kimyai-Asadi A, Goldberg LH. Cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol. 2011;3(3):227-31

5 . Terzian LR, Nogueira VMA, Paschoal FM. Cirurgia Micrográfica de Mohs para preservação tecidual nas cirurgias oncológicas da face. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(4):257-63

6 . Larrabee FWJr, Sherris DA. Principles of Facial Recontruction. Philadelphia: Lippincott; Williams & Wilkins;1995

7 . Smadja J. Crescentic Nasojugal Flap for Nasal Tip Reconstruction. Dermatol Surg. 2007;33(1):76-81

8 . Beer GM, Bermoser K, Kompatscher P. Closure of Nasal Defects After Tumor Excision with Local Flaps. Aesthetic Plast Surg. 1998;22(1):42-7

9 . Van der Eerden PA, Verdam FJ, Dennis SC, Vuyk H. Free cartilage grafts and healing by secondary intention: a viable reconstructive combination after excision of nonmelanoma skin cancer in the nasal alar region. Arch Facial Plast Surg. 2009;11(1):18-23

10 . Batra RS, Kelley LC. Predictors of Extensive Subclinical Spread in Nonmelanoma Skin Cancer Treated With Mohs Micrographic Surgery. Arch Dermatol. 2002;138(8):1043-51

11 . Iida N, Ohsumi N, Tonegawa M, Tsutsumi K. Repair of Full Thickness Defect of the Nose Using an Expanded Forehead Flap and a Glabellar Flap. Aesthetic Plast Surg. 2001; 25(1):15-9

12 . Wee SS, Hruza GJ, Mustoe TA. The frontonasal flap: utility for lateral nasal defects and technical refinements. Br J Plast Surg. 1991; 44(3):201-5

13 . Wesley NO, Yu SS, Grekin RC, Neuhaus IM. Primary linear closure for large defects of the nasal supratip. Dermatol Surg. 2008;34(3):380-4

14 . Uchinuma E, Matsui K, Shimakura Y, Murashita K, Shioya N. Evaluation of the Median Forehead Flap and the Nasolabial Flap in Nasal Reconstruction. Aesthetic Plast Surg. 1997;21(2):86-9

15 . Fujiwara M. One-stage reconstruction of an alar defect using a bilobed nasolabial-nasal tip flap based on the aesthetic subunits in Orientals: case report. Aesthetic Plast Surg. 2004;28(1):13-6

16 . Turan A, Kul Z, Turkaslan T, Ozyigit T,Ozsoy Z. Reconstruction of lower half defects of the nose with the lateral nasal artery pedicle nasolabial island flap. Plast Reconstr Surg. 2007;119(6):1767-72

17 . Van der Eerden P, Simmons M, Vuyk H. Reconstruction of Nasal Sidewall Defects After Excision of Nonmelanoma Skin Cancer. Analysis of Uncovered Subcutaneous Hinge Flaps Allowed to Heal by Secondary Intention. Arch Facial Plast Surg. 2008;10(2):131-6

18 . Chen EH, Johnson TM, Ratner D. Introduction to flap movement: reconstruction of five similar nasal defects using different flaps. Dermatol Surg. 2005;31(8 Pt 2):982-5

19 . Belmahi A, El Mazouz S, Gharib NE, Bencheikh R, Ouazzani S. The bilobed flap: a very efficient method in aesthetic reconstruction of small skin defects at the alar and tip regions of the nose. Ann Chir Plast Esthet. 2003;48(4):211-5

20 . Weber SM, Baker SR. Management of cutaneous nasal defects. Facial Plast Surg Clin North Am. 2009;17(3):395-417


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773