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Artigo Original

Microagulhamento: estudo experimental e classificação da injúria provocada

Emerson Vasconcelos de Andrade Lima1, Mariana de Andrade Lima1, Daniela Takano1

Data de recebimento: 30/09/2012
Data de aprovação: 02/06/2013
Trabalho realizado na Santa Casa de
Misericórdia do Recife – Recife(PE), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Observa-se atualmente tendência à indicação de procedimentos pouco invasivos isolados ou combinados no tratamento de estrias, cicatrizes e envelhecimento. O microagulhamento é opção que estímula a produção de colágeno, sem provocar a desepitelização total observada nas técnicas ablativas. Objetivo: Estudo experimental, para estabelecer a relação do comprimento das agulhas dos cilindros utilizados para o microagulhamento, com a profundidade do dano. Método: Foram realizadas e biopsiadas áreas de microagulhamento, em pele de porco vivo, com cilindros contendo 192 agulhas de 0,5 a 2,5mm. Resultados: O exame microscópico imediatamente após o procedimento revelou ectasia vascular com extravasamento de hemácias, acometendo a derme papilar com agulhas 0,5mm e estendendo-se à derme reticular com as agulhas de maior comprimento. Os autores propõem classificação da injúria em leve (agulhas de 0,5mm), moderada (agulhas de um e 1,5mm) e profunda (agulhas de dois a 2,5mm). Conclusão: O microagulhamento pode ser indicado para amplo espectro de alterações quando o objetivo é o estímulo da produção de colágeno. O estabelecimento de uma relação entre o comprimento da agulha utilizada e o dano provocado na pele facilita a escolha do instrumento nas diferentes indicações.

Keywords: DESENHO EXPERIMENTAL, COLÁGENO, CICATRIZAÇÃO, PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS, REJUVENESCIMENTO


INTRODUÇÃO

A proposta de tratamentos ablativos visando ao estímulo e remodelamento do colágeno é há muito tempo preconizada na Dermatologia. Sabidamente, a remoção da epiderme de forma mecânica ou química favorece a liberação de citocinas e migração de células inflamatórias que culminam na substituição do tecido danificado por um tecido cicatricial.1 Os peelings químicos médios e profundos, como exemplo de tratamentos ablativos, são bem difundidos entre os dermatologistas, pelo incontestável estímulo na produção de colágeno, o que resulta na atenuação de rugas, melhoria da textura, brilho e coloração da superfície cutânea, correção de cicatrizes deprimidas, além de aliviar o fotodano.2 Em contrapartida, a recuperação desses procedimentos é longa e resulta em tecido sensível, sujeito à hiperpigmentação pós-inflamatória e fotossensiblidade, somado ao risco de complicações como formação de cicatrizes hipertróficas, eritema persistente e discromias. Observa-se atualmente tendência à indicação de procedimentos menos invasivos isolados ou em associação, objetivando-se redução no risco de complicações e retorno mais precoce às atividade laborais. O princípio do microagulhamento propõe um estímulo na produção de colágeno, sem provocar a desepitelização total observada nas técnicas ablativas.

Fundamentos do microagulhamento

Orentreich e Orentreith3 foram os primeiros a relatar a utilização de agulhas com o objetivo de estimular a produção de colágeno no tratamento de cicatrizes deprimidas e rugas, técnica difundida com o nome de subincisão. Seus estudos foram confirmados por outros autores, que se basearam no mesmo preceito de ruptura e remoção do colágeno subepidérmico danificado seguidas da substituição por novas fibras de colágeno e elastina.4 Mais recentemente tem sido proposta a utilização de um sistema de microagulhas aplicado à pele com o objetivo de gerar múltiplas micropunturas, longas o suficiente para atingir a derme e desencadear, com o sangramento, estímulo inflamatório que resultaria na produção de colágeno.5 A indução percutânea de colágeno (IPC), como foi denominada, inicia-se com a perda da integridade da barreira cutânea, tendo como alvo a dissociação dos queratinócitos, que resulta na liberação de citocinas como a interleucina -1a, predominantemente, além da interleucina- 8, interleucina-6, TNF-a e GM-CSF, resultando em vasodilatação dérmica e migração de queratinócitos para restaurar o dano epidérmico.6Três fases do processo de cicatrização, seguindo o trauma com as agulhas, podem ser bem delineadas, didaticamente: na primeira, a de injúria, ocorre liberação de plaquetas e neutrófilos responsáveis pela liberação de fatores de crescimento com ação sobre os queratinócitos e os fibroblastos como os fatores de crescimento de transformação a e ß (TGF-a e TGF-ß), o fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), a proteína III ativadora do tecido conjuntivo e o fator de crescimento do tecido conjuntivo (Figura 1A).

Na segunda fase, a de cicatrização, os neutrófilos são substituídos por monócitos, e ocorrem angiogênese, epitelização e proliferação de fibroblastos, seguidas da produção de colágeno tipo III, elastina, glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Paralelamente, o fator de crescimento dos fibroblastos , o TGF- a e o TGF-ß são secretados pelos monócitos. Aproximadamente cinco dias depois da injúria a matriz de fibronectina está formada, possibilitando o depósito de colágeno logo abaixo da camada basal da epiderme (Figura 1B).

Na terceira fase ou de maturação, o colágeno tipo III que é predominante na fase inicial do processo de cicatrização e que vai sendo lentamente substituído pelo colágeno tipo I, mais duradouro, persistindo por prazo que varia de cinco a sete anos.7-9 Para que toda essa cascata inflamatória se instale, o trauma provocado pela agulha deve atingir profundidade na pele de um a 3mm, com preservação da epiderme, que foi apenas perfurada e não removida.5 Centenas de microlesões são criadas, resultando colunas de coleção de sangue na derme, acompanhadas de edema da área tratada e hemostasia praticamente imediata. A intensidade dessas reações é proporcional ao comprimento da agulha utilizada no procedimento.

Exemplificando, a profundidade de 1mm oferece hematoma quase microscópico, enquanto o resultante de uma de 3mm é visível e pode persistir durante horas. Porém é necessário compreender que a agulha não penetra totalmente o processo de rolamento (Figura 2).

Estima-se que uma agulha de 3mm de comprimento penetre apenas 1,5 a 2mm, ou seja, aproximadamente 50 a 70% de sua extensão. Portanto, quando o comprimento da agulha é de 1mm o dano ficaria limitado à derme superficial, e consequentemente a resposta inflamatória seria bem mais limitada do que a provocada por agulha de comprimento maior (Figura 3).

Características da técnica

O instrumento utilizado para a realização do microagulhamento é constituído por um rolo de polietileno encravado por agulhas de aço inoxidável e estéreis, alinhadas simetricamente em fileiras perfazendo um total de 190 unidades, em média, variando segundo o fabricante. O comprimento das agulhas se mantém ao longo de toda a estrutura do rolo e varia de 0,25mm a 2,5mm de acordo com o modelo. Comumente a intervenção sob anestesia local é bem tolerada com agulha que não ultrapasse 1mm de comprimento. A partir desse tamanho recomenda-se bloqueio anestésico complementado por anestesia infiltrativa. Objetivando o maior conforto do paciente em situações de prolongado tempo cirúrgico e injúria mais profunda recomenda-se anestesia local associada à sedação. O microagulhamento é procedimento técnico-dependente, e a familiarização com o aparelho usado e o domínio da técnica são fatores que influenciam diretamente o resultado final.10 A pressão vertical exercida sobre o roller não deve ultrapassar 6N, pois força superior poderá levar a danos em estruturas anatômicas mais profundas e mais dor que o esperado. Recomenda-se posicionar o aparelho entre os dedos indicador e polegar como se estivesse segurando um háshi e controlar a força exercida com o polegar. Os movimentos de vai e vem devem guiar-se por padrão uniforme de petéquias em toda a área tratada. Para isso, entre dez e 15 passadas numa mesma direção e pelo menos quatro cruzamentos das áreas de rolagem parecem ser suficientes. Teoricamente 15 passadas permitem dano de 250-300 punturas/cm2 (Figura 4).

O tempo de aparecimento do padrão de petéquias varia com a espessura da pele tratada e o comprimento da agulha escolhida. Sendo assim, a pele mais fina e frouxa, comumente fotoenvelhecida, apresentará padrão uniforme de petéquias mais precocemente do que a pele espessa e fibrosada, observada em pacientes com cicatrizes de acne, por exemplo. Sendo assim, a escolha do comprimento da agulha está na dependência do tipo de pele a ser tratada e do objetivo final do procedimento. Não temos até o momento classificação que relacione o comprimento da agulha dos aparelhos utilizados para microagulhamento com a profundidade do dano previsto com esse tratamento.

OBJETIVO

Nossa proposta é estabelecer a relação do comprimento da agulha utilizada com a profundidade do dano atingido utilizando nessa primeira etapa da nossa investigação a pele de porco vivo, considerando-a modelo que se aproxima da pele humana.

MÉTODO

Utilizamos na realização do experimento aparelhos da marca Dr.Roller® (Moohan Enterprise CO., Gyeonggi-do, South Korea), devidamente registrado na Anvisa (no 80669600001) composto por 192 agulhas de aço inoxidável dispostas em oito fileiras na extensão do rolo de polietileno, esterilizado por raios Gama. A investigação foi realizada em pele de porco vivo, o qual foi submetido à anestesia geral e mantido sob respiração assistida, no laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade de São Paulo sob aprovação do Comitê de Ética.

A região lateral direita do dorso do animal foi dividida em faixas em que o rolo de agulhas foi passado em movimentos de vai e vem durante dois ou três minutos, utilizando-se rolos com agulhas de comprimentos: 0,5mm, 1mm, 1,5mm, 2mm e 2,5mm (Figura 5). Imediatamente após o procedimento uma amostra de cada área foi colhida utilizando-se bisturi e lâmina no 11, formalizada e encaminhada ao estudo histopatológico. As peças foram submetidas ao processamento histológico, sendo realizados microcortes de 5µ, que foram corados pela técnica de hematoxilina e eosina, e avaliados à microscopia óptica.

RESULTADOS

O aspecto macroscópico da pele do porco após o tratamento (Figura 5) já sugere que o dano provocado pelo microagulhamento estabelece relação de proporcionalidade com o comprimento da agulha utilizada. O exame microscópico nessa primeira fase (imediatamente após a injúria) revelou predominantemente ectasia vascular com extravasamento de hemácias. Tal achado foi observado de forma superficial, acometendo a derme papilar na agulha de comprimento de 0,5mm (Figura 6), e estendeu-se à derme reticular nas agulhas de maior comprimento (Figura 7). A quantidade de hemorragia gerada foi também proporcional ao aumento do comprimento das agulhas. A epiderme encontrava-se aparentemente íntegra à microscopia óptica, exceto pela presença do local da passagem da agulha (Figura 8). Nenhuma das amostras apresentou lesão no tecido celular subcutâneo.

Classificação da intensidade da injúria provocada pelo microagulhamento

A partir dos resultados, os autores propõem classificação da injúria em leve, moderada e profunda, relacionando-a ao comprimento da agulha e a sua capacidade de provocar o trauma planejado (Quadro 1).

Na sequência, também propomos a relação entre o tipo de injúria e as indicações mais apropriadas descritas no quadro 2.

DISCUSSÃO

Dessa forma consideramos, mediante nossa prática e avaliação da literatura disponível, que o microagulhamento pode ser utilizado:

A) Como veiculador de ativos para rejuvenescimento como o retinol e a vitamina C.

B) Para estímulo isolado no rejuvenescimento da face, melhorando a coloração, textura e brilho da pele.

C) No tratamento da flacidez e atenuação de rugas, já que favorece a produção de colágeno proporcionando aumento de volume da área tratada à custa desse estímulo.

D) Na correção de cicatrizes deprimidas distensíveis, onduladas e retráteis, bem como na melhoria de estrias recentes e antigas.

Vantagens do microagulhamento

  • O procedimento permite estímulo na produção de colágeno sem remover a epiderme.
  • O tempo de cicatrização é mais curto, e o risco de efeitos colaterais é reduzido em comparação ao de técnicas ablativas.
  • A pele se torna mais resistente e espessa, divergindo de técnicas ablativas, em que o tecido cicatricial resultante está mais sujeito ao fotodano.
  • Tem sua indicação ampliada a todos os tipos e cores de pele, bem como pode ser utilizada também em áreas de menor concentração de glândulas sebáceas.
  • Baixo custo quando comparado ao de procedimentos que exigem tecnologias com alto investimento.
  • Desvantagens do microagulhamento

  • É procedimento técnico-dependente e exige treinamento.
  • Exige tempo de recuperação caso seja indicada injúria moderada a profunda.
  • Exige do médico avaliação criteriosa do paciente e proposta terapêutica compatível com os resultados possíveis de ser alcançados, evitando falsas expectativas.
  • CONCLUSÃO

    O microagulhamento é tratamento inovador e passível de ser utilizado para um amplo espectro de indicações quando o objetivo é o estímulo da produção de colágeno, funcionando como mais uma arma que compõe nosso arsenal terapêutico. Nosso objetivo com essa investigação foi estabelecer relação entre o comprimento da agulha utilizada no rolo e o dano provocado na pele, facilitando dessa maneira a escolha do instrumento nas diferentes indicações. O comportamento da pele humana quando submetida ao microagulhamento é o objetivo da nossa próxima investigação, mas acreditamos que o modelo utilizado no presente estudo, a pele de porco vivo, nos oferece respostas a questionamentos que até então não haviam sido dadas em artigos científicos. Acreditamos que nossos resultados irão contribuir com a boa utilização desse instrumento que, quando bem indicado, tem oferecido boa resposta terapêutica. Cabe ao dermatologista realizar avaliação precisa da lesão a ser tratada e estar tecnicamente preparado para conduzir o procedimento dentro dos preceitos recomendados.

    Referências

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