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Relato de casos

Aneurisma da artéria carótida externa: uma condição rara diagnosticada durante uma consulta cosmética

Edileia Bagatin1, Karin V. Ferreira1, Marcos Docema1, Cristhine Leão1, Karime M. Hassun1, Erica de Oliveira Monteiro1, Sérgio Talarico1

Recebido em 20/02/2009.
Aprovado em 15/06/2009.
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Abstract

O objetivo deste relato é mostrar a importância e alertar os dermatologistas que praticam a cosmiatria sobre a necessidade de se realizar um exame completo e minucioso de qualquer paciente, mesmo que ele só esteja interessado em tratamentos e/ou procedimentos cosméticos. Atualmente, essa é uma preocupação importante, pois muitas pessoas e alguns médicos estão envolvidos em uma busca exagerada pela beleza eterna. Essa é uma prática muito lucrativa para dermatologistas e cirurgiões plásticos. No entanto, não devemos nos esquecer que uma consulta dermatológica pode ser uma oportunidade para diagnosticar uma dermatose que passou despercebida ou identifi car sinais relacionados a desordens sistêmicas.

Keywords: ANEURISMA, ARTÉRIA CARÓTIDA EXTERNA, ESTÉTICA


RELATO DE CASO

Uma paciente de 52 anos, feminino, caracterizada como fototipo IV classifi cação de Fitzpatrick,1 foi encaminhada para o Departamento de Dermatologia para tratamento de cicatrizes de acne e melasma. Durante o exame dermatológico, notamos assimetria facial com aumento do tecido subcutâneo no lado esquerdo do rosto. Uma das hipóteses seria um linfedema relacionado à acne infl amatória severa ou a uma deformidade congênita. Prescrevemos o uso de cremes de tretinoína a 0,025% e de hidroquinona a 4% e protetor solar FPS 15 de amplo espectro por 30 dias. Em seguida, foram feitas sessões mensais de peeling químico superfi cial para preparar sua pele para dermoabrasão. Durante o tratamento, notamos um aumento progressivo da assimetria facial, assim como uma coloração azulada e pulsação discreta na área afetada. Também observamos a presença de um lago venoso no lado esquerdo do lábio inferior e uma ectasia venosa na região pré-auricular esquerda (Figura 1).

Por isso, decidimos interromper o tratamento cosmético e investigar qualquer desordem que pudesse ser a causa da alteração. Nossa primeira hipótese diagnóstica era um hemangioma. Foram realizados uma ultrassonografi a com Doppler, ressonância magnética e angiografia por ressonância magnética (Figura 2 e 3), tendo sido diagnosticado um aneurisma intraparotídeo da artéria carótida externa que causava compressão venosa com edema e congestão.

Assim, a paciente foi encaminhada para o Departamento de Cirurgia Vascular e no momento está sendo preparada para cirurgia.

DISCUSSÃO

Cicatrizes de acne e melasma são problemas estéticos frequentes que, assim como outras dermatoses, podem afetar a qualidade de vida do paciente.2 É bem conhecido o fato de que o tratamento da acne e de suas cicatrizes tem um impacto positivo nos aspectos emocional e social da vida do paciente.3,4,5 A abordagem das cicatrizes de acne exige, de acordo com suas diferentes apresentações, uma combinação de tratamentos clínicos e alguns procedimentos.6 Preparamos a pele previamente durante 30 dias com o uso de cremes de tretinoína e hidroquinona à noite e protetor solar durante o dia. Em seguida, utilizamos os seguintes procedimentos de maneira sequencial, conforme indicado na literatura:6,7 pulsos de peeling químico superficial, peeling químico de profundidade média, microdermoabrasão, dermoabrasão, técnicas de preenchimento, subcision, elevação com punch, excisão por punch e transplante de pele, retirada cirúrgica e resurfacing com laser,8,9 de acordo com o tipo de cicatriz, assim como a infiltração intralesional de corticosteroides para as cicatrizes hipertróficas.

Para a paciente em questão, prescrevemos tretinoína, hidroquinona e protetor solar, pois esse tratamento, além de beneficiar casos de melasma, também prepara a pele para outros procedimentos. Contudo, o tratamento foi interrompido após cinco sessões de peeling químico superficial devido à suspeita de uma doença vascular.

A presença de um aneurisma da artéria carótida externa, condição bastante rara, foi confirmada pela angiografia por ressonância magnética.

A revisão da literatura mostrou um estudo sérvio multicêntrico10 sobre as opções de tratamento para aneurismas extracranianos da artéria carótida. Os autores relataram 91 casos em 76 pacientes, pois 13 deles apresentavam lesão bilateral. Desses, 61 (80,3%) eram homens e 15 (19,7%) eram mulheres, com idade média de 61,4 anos. A maioria dos aneurismas (61 casos ou 67%) encontrava-se na artéria carótida interna; 29 (31,9%) estavam localizados na bifurcação da artéria carótida comum; e apenas um (1,1%), na artéria carótida externa. Vinte e nove desses casos (31,9%) estavam assintomáticos no momento do diagnóstico.

A aterosclerose degenerativa e traumas, como fratura óssea, ferimento corto-contuso na região cervical e outras lesões, são as causas mais frequentes de aneurismas da artéria carótida.10,11,12,13 Um estudo de revisão13 relatou 386 pacientes com pseudoaneurismas traumáticos dos ramos da artéria carótida externa situados no rosto e nas têmporas. Outras etiologias incluem:10,11 cirurgia carotídea prévia, tuberculose, displasia fibromuscular arterial, brucelose, doença de Behçet e neurofibromatose.15 Também existem casos de pseudoaneurisma micótico da artéria carótida externa relacionados à septicemia por Salmonella.16 Não havia suspeita de nenhuma dessas afecções no caso apresentado aqui.

A angiografia com ressonância magnética é considerado um método eficiente, com sensibilidade e especificidade elevadas, para o diagnóstico de desordens dos vasos da cabeça e do pescoço.17 Esse exame proporcionou um diagnóstico conclusivo no caso apresentado aqui.

O tratamento consiste na ressecção cirúrgica do aneurisma seguida do restabelecimento da continuidade da artéria carótida ou ligadura entre as artérias carótidas interna e externa. Em geral, a mortalidade operatória é nula e a morbidade é insignificante.11 O implante de stent intravascular, com obliteração do aneurisma carotídeo, representa outra opção terapêutica. Esse procedimento é mais seguro e menos invasivo do que o reparo cirúrgico.18

Portanto, apresentamos um caso muito raro de aneurisma da artéria carótida, já que se localizava em seu ramo externo, ocorrido em uma paciente do sexo feminino e de etiologia desconhecida. Ele foi responsável pelos sinais de compressão venosa, como edema, lago venoso labial, ectasia venosa cutânea e assimetria visível do rosto da paciente.

Por fim, achamos que esse relato pode ser útil para demonstrar porque, mesmo nas consultas de ordem estética, os dermatologistas devem sempre realizar um exame clínico completo e a investigação médica necessária.

Referências

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