Ana Paula Dornelles Manzoni1, Isadora Hoefel1, Magda Blessmann Weber1
Keywords: NEOPLASIAS CUTÂNEAS, CARCINOMA BASOCELULAR, EDUCAÇÃO EM SAÚDE
O câncer da pele é o tipo mais comum dos tumores malignos nos seres humanos, e sua incidência vem aumentando nos últimos anos, tornando-se importante problema de saúde pública. 1 A radiação ultravioleta (UV) é considerada a principal causa dos tumores malignos cutâneos, e a fotoproteção, sua profilaxia mais efetiva.1-3
O carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia cutânea mais frequente, perfazendo cerca de 80% de sua frequência.4 A localização preferencial do CBC é em áreas fotoexpostas, principalmente os dois terços superiores da face. Seu crescimento é lento, e raramente metastatiza; possui importante capacidade destrutiva local, podendo invadir cartilagens e ossos. O diagnóstico do CBC é geralmente clínico e deve ter confirmação histopatológica, em que se observa a presença de células basaloides dispostas perifericamente em paliçada. Seu prognóstico é excelente, com cura acima de 92%.5
Os fotoprotetores são considerados a principal profilaxia do CBC. Eles devem ter proteção adequada contra a radiação ultravioleta dos tipos A e B, podendo ser químicos e/ou físicos. Devem ser aplicados diariamente, pelo menos 30 minutos antes da exposição solar e reaplicados a cada duas horas de exposição contínua, ou após transpiração excessiva, mergulhos prolongados e prática de atividade física.6 O fator de proteção solar (FPS) é definido como a dose de energia UVB necessária para produzir dose eritematosa mínima (DEM) na pele protegida, após a aplicação de 2mg/cm2 do produto, dividida pela energia UV. Assim, um produto com FPS 15 deve permitir exposição ao sol 15 vezes maior, sem queimadura, do que a permitida a um indivíduo sem proteção, e esse é o fator mínimo de proteção recomendado pela Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), Em resolução de junho de 2012, a entidade redefiniu algumas regras para garantir maior proteção aos usuários de fotoprotetores: o valor mínimo do Fator de Proteção Solar (FPS) aumentou de dois para seis, e a proteção contra os raios UVA deve ser de no mínimo um terço do valor do FPS declarado.6
Estudos já demonstraram que o CBC possui impacto emocional na vida e nas relações sociais de seus portadores.7,8 Sabe-se também que ainda existe certa resistência à adesão ao uso dos fotoprotetores e a hábitos saudáveis de exposição ao sol na população em geral, especialmente entre os adolescentes,9 que são intimamente influenciados pela postura e conhecimento de seus pais.10
Embora existam estudos avaliando os cuidados em relação ao sol recomendados a pacientes com lesões cutâneas malignas ou pré-malignas,11 a literatura não relata como se comporta a população de pacientes após receber o diagnóstico de CBC. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar se há mudanças nos hábitos de fotoproteção e fotoexposição após o diagnóstico desse tumor.
Estudo transversal, realizado de julho de 2009 a dezembro de 2010, com amostra de 120 pacientes diagnosticados com CBC confirmado pela histologia, atendidos no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Aos pacientes incluídos no estudo foi aplicado questionário de múltipla escolha contendo questões referentes aos hábitos de fotoproteção e fotoexposição antes e depois do diagnóstico de CBC. Esse questionário foi elaborado e aplicado pelos próprios autores.
A análise dos dados teve como abordagem inicial a estatística descritiva com a distribuição de frequências simples e relativa, média, desvio-padrão e amplitude para a idade. Para a comparação das variáveis categóricas entre os dois momentos de avaliação (dados pareados) foi utilizado o teste McNemar, e para as variáveis politômicas foi implementado o teste de McNemar Bowker.
Os dados receberam tratamento estatístico através do software SPSS 19.0 Statistical Package to Social Sciences for Windows - SPSS Inc., Chicago, IL, USA, 2011), sendo adotado, para critérios de decisão, o nível de significância de 5%.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da UFCSPA, sob o número 314/07.
A população estudada foi composta por 61 mulheres (50,8%) e 59 homens (49,2%); a média de idade foi de 60,2 (±14,2) anos, variando de 25 a 93 anos, e as maiores concentrações etárias de pacientes foram entre 50 e 59 anos (30,0%), e de 60 a 69 anos (23,3%). Em relação ao sítio anatômico, o local mais frequentemente acometido foi a face, em 67 pacientes (55,8%), seguido pelo tronco, em 46 pacientes (38,3%).
O uso de fotoproteção diária antes do diagnóstico foi referido por 10% (n=12) dos pacientes investigados, e, após o diagnóstico, essa proporção aumentou para 64,2% (n=77), demonstrando aumento estatisticamente significativo (p < 0,001). Na comparação do número de vezes por dia que o fotoprotetor era utilizado, houve diferença antes e após o diagnóstico, porém sem significância estatística (p=0,009). Quando questionados sobre o uso de fotoprotetores durante a exposição solar recreativa (por exemplo, praia, parques e piscinas), cerca de 35,8% (n=43) dos pacientes relataram que faziam uso de fotoproteção antes do diagnóstico de CBC e, desses, 25,6% (n=11) relataram repassar o fotoprotetor a cada quatro horas. Após o diagnóstico foi constatado aumento significativo (p < 0,001) do número de pacientes que utilizam os fotoprotetores durante a exposição solar recreativa - 81,7% (n=98) - e, também, do número de vezes que o produto era repassado durante o dia - 62,2% (n=61) tabela 1.
Considerando as informações referentes aos hábitos de exposição solar antes e após o diagnóstico, observou-se melhora significativa (p < 0,001) quanto ao aumento do cuidado no horário de fotoexposição (antes das 10h e após 16h). Antes do diagnóstico de CBC 13,3% observavam esse cuidado, e, após, 49,2%. Quanto ao uso eventual dos fotoprotetores, não de maneira regular e habitual, 39,2% (n=47) dos pacientes afirmaram que já os utilizavam antes do diagnóstico, tendo, após o diagnóstico, essa proporção aumentado significativamente (p < 0,001) para 86,7% (n=104). Entre os que declararam praticá- los, a proporção de uso também teve aumento significativo de 46,8% (n=22) para 87,5% (n=91) (p < 0,001) tabela 2.
Os pacientes também foram indagados quanto ao fato de o diagnóstico tê-los feito mudarem em relação aos cuidados com o sol, e 73,3% (n=88) responderam que sim. Os motivos mais citados foram o medo de novos tumores, 81,8% (n=72) e o medo de recidivas, 14,7% (n=13). O grupo que declarou não ter mudado seus cuidados com o sol após o diagnóstico, (26,7%) justifica o fato como sendo consequência dos preços elevados do protetor solar (28,1%), por não gostar de passar um produto gorduroso na pele (15,6%) e por preguiça de passá-lo (6,3%).
O diagnóstico de tumor maligno é fato que pode acarretar impacto na vida dos pacientes. A presença de uma lesão de CBC não vem acrescida, na maioria das vezes, do aumento de mortalidade, porém carrega a evidência de ser o tumor maligno mais prevalente em todo o mundo, além do risco de novos tumores e suas sequelas.12
Achado relevante e estatisticamente significativo do presente estudo foi a mudança de comportamento em relação ao horário de exposição solar, já que 79,2% dos pacientes eram indiferentes ao horário de exposição antes do diagnóstico, percentual que foi reduzido para 35% depois dele. Por outro lado, a porcentagem de pacientes que antes do diagnóstico já apresentava comportamento mais consciente, expondo-se ao sol em horários de menor incidência de UVB aumentou de 13,3% para 49,2%, também com significância estatística. Apesar de mais pacientes se exporem ao sol em horários adequados, essa ainda é uma proporção baixa, pois menos da metade dos pacientes apresenta tal conduta frente ao sol. Esses achados vão ao encontro dos dados levantados por Vitor et al., que entrevistaram aleatoriamente 600 pessoas frequentadoras de duas praias do litoral do Rio Grande do Sul, 82,5% delas em horário impróprio, entre 9h e 16h.13Vale ressaltar que mesmo os pacientes que relataram hábitos de exposição solar em horários adequados e usavam protetor solar apresentaram casos de CBC. Essa ocorrêmcia pode ser secundária à má utilização dos protetores solares ou produtos de qualidade questionável, levando assim a uma equivocada sensação de proteção.14,15 Além disso, o CBC está vinculado também a fatores genéticos e ambientais.16-18
Perguntada se houve mudanças nos hábitos de fotoproteção e fotoexposição a maioria dos pacientes (73,8%) respondeu afirmativamente. Fato curioso, porém, quase um terço (26,2%) relutou em aderir a essa medida preventiva, alegando como principal motivo foi o alto custo dos protetores solares (28,1%). Sabemos que o uso adequado de fotoproteção, com a reaplicação recomendada, demanda quantidades significativas do produto, acarretando custo expressivo.2,19 Além disso, os filtros solares são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria e, assim, acrescidos de elevada tributação e sem distribuição gratuita obrigatória nos postos de saúde.20 Dessa forma, o uso continuado dos protetores solares torna-se inacessível para grande parte da população. Cerca de 15% dos pacientes referiram não utilizar os fotoprotetores devido a seu caráter gorduroso, o que nos remete à importância da questão cosmética para a aderência a essa medida preventiva.21 Chamou negativamente a atenção dos autores o fato de aproximadamente 18 pacientes justificarem a não aderência à fotoproteção com afirmações do tipo "não temer ter novos tumores de pele", o que talvez demonstre o desconhecimento do grau de influência que a exposição ao sol tem na gênese desse tumor e um processo de negação diante do diagnóstico.
Verificou-se aqui que os hábitos de exposição solar e fotoproteção mudaram após o diagnóstico de CBC, resultados que têm sido encontrados também em outros trabalhos atuais sobre fotoexposição. Em estudo realizado entre 1994 e 1995, Bakos et al. demonstraram que 36,9% dos universitários entrevistados utilizavam filtro solar. Em 2001, Costa et al. mostraram aumento dessa proporção para 85,2%. Além desses, estudo canadense também encontrou aumento significativo de fotoproteção em 50 pacientes com lesões cutâneas malignas ou pré-malignas.11
Nossos resultados demonstram que o diagnóstico pessoal de CBC acarreta conscientização dos pacientes acometidos, aumentando o uso de fotoproteção na maioria deles. Entretanto, campanhas de alerta sobre neoplasias de pele e os métodos de prevenção dessa doença devem ser incentivadas cada vez mais, visto que já se demonstrou associação positiva entre educação continuada e hábitos de fotoproteção.22,10 Além disso, deve ser facilitado o acesso a fotoprotetores, com menor taxação de impostos e distribuição gratuita em postos de saúde, dada a sua importância na profilaxia de câncer de pele.
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