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Relato de casos

Osteomas cutâneos miliares múltiplos da face – relato de caso

Alceu Luiz Camargo Villela Berbert1; Sônia Antunes de Oliveira Mantese2; Karen Renata Nakamura Hiraki3; Adriano Mota Loyola4; Naiana Pereira Queiroz5

Recebido em: 13/06/2013
Aprovado em: 04/01/2013

Trabalho realizado no serviço de dermatologia
da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU) – Uberlândia (MG), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Osteoma cutâneo miliar múltiplo é doença rara, caracterizada por tecido ósseo ectópico na derme e/ou hipoderme. Usualmente ocorre na face, em pessoas entre 17 e 79 anos. A etiologia é ainda desconhecida. Relata-se caso de paciente do sexo feminino, apresentando placa papulosa de coloração castanho-escura, endurecida, acometendo regiões malares e mentoniana, mal delimitada, com superfície irregular, formada por lesões papulonodulares, hipercrômicas, algumas branco-amareladas, há dois anos, referindo acne, desde os 16 anos de idade, não tratada, tendo o diagnóstico sido confirmado histopatologicamente e apresentado resultado terapêutico satisfatório com uso de tretinoína creme 0,1%.

Keywords: OSTEOMA, DESCALCIFICAÇÃO PATOLÓGICA, OSSIFICAÇÃO HETEROTÓPICA


INTRODUÇÃO

Os osteomas cutâneos miliares múltiplos (OCMM) constituem doença rara, caracterizada pela presença de tecido ósseo ectópico na derme e/ou hipoderme.1 Usualmente ocorre na face, acometendo pessoas com idade entre 17 e 79 anos (média de 47 anos). Sua etiologia é ainda desconhecida.2 A ossificação cutânea pode ser classificada como primária, quando tecido ósseo se desenvolve na pele, observada precocemente após o nascimento ou durante a infância, sem a presença de lesão cutânea preexistente e sem alterações metabólicas do cálcio e fósforo. Esse tipo pode eventualmente estar associado à osteodistrofia hereditária de Albright, fibrodisplasia ossificante progressiva, heteroplasia óssea progressiva e síndrome de Gardner, ou surgir isoladamente, sem associação com outras doenças e se manifestando como osteoma pequeno único, osteoma grande único placa-símile, osteomas múltiplos disseminados e osteomas miliares múltiplos da face.1,4-6 O osteoma cutâneo secundário é mais frequente, representando de 70 a 85% dos casos, ocorrendo quando o tecido ósseo se desenvolve em lesão cutânea preexistente, podendo ser de origem neoplásica, como nevos melanocíticos, pilomatricoma e carcinoma basocelular, ou inflamatória, como esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico e dermatomiosite. Pode ainda surgir sobre cicatrizes pós-operatórias, foliculite, insuficiência venosa crônica, calcinose ou trauma.1,5 Osteomas idiopáticos múltiplos são mais comumente relatados na face de mulheres com história pregressa de acne. A exata relação entre osteoma cutâneo e acne permanece, entretanto, não esclarecida.7

RELATO DE CASO

Apresentou-se à consulta paciente de 47 anos, do sexo feminino, queixando-se de escurecimento facial há cerca de 24 meses e quadro de acne desde os 16 anos de idade sem ter sido tratada.

Ao exame dermatológico apresentava placa papulosa de coloração castanho-escura, endurecida, acometendo as regiões malares e mentoniana, mal delimitada, com superfície irregular, formada por lesões papulonodulares, hipercrômicas, algumas branco-amareladas (Figura 1). Após biópsia incisional, o exame histopatológico evidenciou fragmento de tecido mineralizado de aspecto osteoide no interior da derme, além da presença de cisto epidérmico (Figura 2). O diagnóstico histopatológico foi de cisto epidérmico associado a osteoma cutâneo. As dosagens de cálcio/fosfato, fosfatase alcalina e paratormônio revelaram-se inalteradas. Após atendimento iniciou o uso de tretinoína creme a 0,1% há quatro meses, tendo apresentado melhora da hipercromia (Figura 3).

DISCUSSÃO

A expressão osteoma cutis foi originalmente descrita por Wilkins, em 1858, correspondendo à presença de tecido ósseo maduro, de osso compacto ou esponjoso, na derme e/ou hipoderme. Trata-se de dermatose rara, benigna, classificada como primária ao desenvolver-se de novo em pele sadia, e secundária quando se associa a lesões cutâneas preexistentes neoplásicas ou inflamatórias, representando de 70 a 85% dos casos.1,6 Ossificações secundárias da face ocorrem quase exclusivamente em mulheres com acne inflamatória de longa duração,6 como no caso aqui relatado. A exata relação entre osteoma cutâneo e acne permanece, entretanto, não esclarecida.7 Os osteomas cutâneos miliares múltiplos (OCMM) aparecem nos mesmos locais de surgimento das lesões da acne vulgar, mais frequentemente na face, com história pregressa dessa condição em 55% dos casos. Tem sido aventada a ideia de que os osteomas sejam secundários a alterações distróficas nas cicatrizes de acne. O papel do estrogênio tem sido discutido, porém parece não ser crucial na formação do osteoma, visto que homens e mulheres pós-menopausa também desenvolvem tais lesões.2Vários casos de OCMM têm sido relatados em pacientes sem precedentes de acne ou de outras condições inflamatórias, como o de uma mulher de 75 anos com achado histológico incidental de ocronose exógena devida ao uso de hidroquinona.3, 7

No presente caso, a paciente procurou atendimento médico pela hipercromia das áreas afetadas, não tendo sido confirmado o uso prévio de quaisquer medicamentos para tratamento da acne ou despigmentantes contendo hidroquinona.

Histopatologicamente as principais características são múltiplas espículas de osso, de formas e tamanhos variáveis, envolvendo a derme e podendo estender-se até o tecido subcutâneo. Essas espículas ósseas contêm numerosos osteócitos, bem como linhas de cimento. Observam-se, em algumas áreas, condutos de Havers contendo vasos sanguíneos e tecido conectivo. Osteoblastos com núcleos alongados podem ser vistos ao longo da margem de algumas espículas ósseas. Alguns osteoclastos com núcleos múltiplos hipercromáticos alongados podem localizar-se nas chamadas lacunas de Howship e algumas espículas ósseas também englobam agregados de adipócitos maduros.1,8

A patogênese da ossificação cutânea ainda permanece incerta. Tem-se sugerido que processos inflamatórios crônicos levam ao desenvolvimento de pequenas calcificações e ossificações metaplásicas. A estimulação das células mesenquimatosas por diferentes fatores pode induzir sua diferenciação em células osteoblásticas, resultando na formação óssea. Embora possa estar isolada, a presença de ossificação deve alertar sobre a possibilidade de doenças associadas, incluindo fibrodisplasia ossificante progressiva (síndrome de Mc-Cune-Albright), osteodistrofia hereditária, heteroplasia óssea progressiva e síndrome de Gardner. Neste relato de caso não se evidenciaram características clínicas, metabólicas ou anormalidades endocrinológicas correspondentes a essas afecções, confirmando-se apenas antecedente de acne.

Modalidades de tratamento de OCMM da face são limitadas. A técnica de incisão associada à curetagem do fragmento ósseo seguida de sutura tem-se mostrado menos invasiva e oferece excelente resultado. A extirpação dos fragmentos ósseos após microincisões por agulha, seguida de fechamento primário constitui técnica simples, eficaz e barata.6 Citam-se ainda a dermoabrasão ou utilização de laser de CO2 ou de erbium:YAG laser como processos ablativos da epiderme.9A aplicação tópica de tretinoína pode, em alguns casos, ter efeito favorável, promovendo a eliminação transepidérmica dos osteomas.6 A paciente em questão respondeu satisfatoriamente ao emprego de tretinoína 0,1%, em aplicações noturnas e diárias, que se mostrou método eficaz, seguro e não invasivo para o tratamento da OCMM. Em todos os pacientes com acne inflamatória crônica deve ser considerado o desenvolvimento potencial de osteoma cutis, sendo seu reconhecimento importante para o tratamento.

Referências

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7 . Gfesser M, Worret W, Hein R, Ring J. Multiple primary miliary osteoma cutis. Arch Dermatol. 1998;134(5):641-3.

8 . Neto TH, Nogueira Neto JCP, Prada AA, Cintra ML, Lima RB, Rached B. Osteoma cutâneo. An Bras Dermatol.1995; 70(1): 39-41.

9 . Duarte IGL. Lesões múltiplas de osteoma cutis na face: terapêutica minimamente invasiva em pacientes com sequela de acne - Relato de casos. An Bras Dermatol. 2010;85(5):695-8.


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