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Relato de casos

Acometimento oral em portador de neurofibromatose tipo I

Alceu Luiz Camargo Villela Berbert1; Adriano Mota Loyola2; Sônia Antunes de Oliveira Mantese3; Bruno César Dornela4; Mabel Duarte Alves Gomides5

Data de recebimento: 15/05/2012
Data de aprovação: 06/12/2012

Trabalho realizado no Serviço de
Dermatologia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) – Uberlândia (MG), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A neurofibromatose do tipo 1, também conhecida como neurofibromatose de von Recklinghausen, é doença autossômica dominante, que afeta 1:3000 recém- nascidos. Aproximadamente 50% dos pacientes de NF1 não apresentam história familiar da doença. Língua, rebordo alveolar da mucosa bucal, gengivas, lábios, palato, assoalho da boca e o espaço faringomaxilar podem ser acometidos por tumores em associação com NF1, sendo a língua o local mais comum. Relata-se o caso de paciente do sexo feminino, de 29 anos, apresentando neurofibroma na língua, ressaltando-se a possibilidade de manifestações da doença na cavidade oral e seus diagnósticos diferenciais.

Keywords: NEUROFIBROMATOSE 1, NEUROFIBROMA PLEXIFORME, NEUROFIBROMA, DOENÇAS DA LÍNGUA


INTRODUÇÃO

A neurofibromatose do tipo 1 (NF1), também conhecida como neurofibromatose de von Recklinghausen, é doença autossômica dominante, que afeta 1:3000 recém-nascidos. Aproximadamente 50% dos pacientes de NF1 não apresentam história familiar da doença,1 que se caracteriza clinicamente pela presença de manchas café com leite, efélides axilares, nódulos de Lisch e múltiplos neurofibromas. Pode estar associada a gliomas ópticos, neurofibromas em nervos periféricos e espinhais, deficit neurológico ou cognitivo, escoliose, anormalidades orais e maxilofaciais, tumores malignos da bainha do nervo, feocromocitoma e vasculopatia.1-4

Estudo clínico radiológico detectou manifestações orais no tecido mole, em 72-92% dos doentes de NF1, incluindo tumores intraorais em cerca de 25% dos casos (quatro). Língua, rebordo alveolar da mucosa bucal, gengivas, lábios, palato, assoalho da boca e o espaço faringomaxilar podem ser acometidos por tumores em associação com NF1, sendo a língua o local mais comum.1,3,5

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 29 anos de idade, natural de Imperatriz (MA), procedente de Araguari (MG), parda, apresentou- se à consulta no ambulatório do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil, queixando-se de lesões cutâneas inestéticas que surgiram na infância e tiveram crescimento gradual. Relatou diagnóstico prévio de neurofibromatose. Negou quadro semelhante entre familiares. Ao exame dermatológico apresentava lesões papulonodulares e tumorações macias, com "anel herniário" à palpação, de coloração levemente acastanhada, em diferentes regiões da pele, manchas café com leite localizadas em tronco e membros, e efélides axilares. No exame intrabucal observouse lesão nodular eritêmato-amarelada, macia, indolor, localizada na borda lateral direita da língua, com aproximadamente 1cm de diâmetro (Figuras 1 A, B e C).

O exame histopatológico da lesão oral revelou natureza mesenquimal, revestida por epitélio pavimentoso estratificado, com áreas focais de hiperparaqueratose, espongiose e degeneração hidrópica. Na lâmina própria foram observados feixes entrelaçados de células com núcleos alongados, distribuídas ao redor de feixes nervosos e tecido conjuntivo delicadamente fibrilar, com áreas focais de material mixoide (Figura 2). Quadro semelhante foi encontrado em material colhido de lesão localizada na mão direita (Figura 3).

Diante das características clínico-histopatológicas apresentadas pela paciente estabeleceu-se o diagnóstico de neurofibroma.

DISCUSSÃO

A NF1 é genodermatose autossômica dominante, associada com deleções, inserções ou mutações do gene supressor tumoral NF1 localizado na região pericentromérica do cromossomo 17. A NF1 é clinicamente diagnosticada, de modo geral, pelas manifestações cutâneas e história familiar.1 Alterações orais da NF1 foram relatadas em variação de quatro a 92% dos casos, sendo a língua o local mais comum.3,4,6

A considerável diferença de manifestações orais pode ser atribuída à heterogeneidade dos pacientes examinados em hospitais especializados e a diferenças nos sinais investigados e métodos de pesquisa aplicados.1 O diagnóstico precoce de neurofibromas assintomáticos da língua requer alto índice de suspeita clínica. Lesões orais sintomáticas são mais facilmente diagnosticadas quando o tumor apresenta compressão ou outro tipo de desconforto. Correlação positiva significativa foi encontrada entre o atraso no diagnóstico e a localização oral da lesão. A presença de desconforto é relatada pela maioria dos pacientes com lesões na língua, sendo a dor a queixa mais comum.1 As lesões localizadas na língua evoluem lentamente, mas o crescimento tumoral pode ser acelerado com a puberdade, o crescimento e a gravidez, sendo os achados clínicos e histopatólogicos importantes na distinção entre os neurofibromas e outros tumores de tecidos moles.

O diagnóstico diferencial de massas localizadas na língua inclui neurofibroma plexiforme, lipoma, angiolipoma, lipoma condroide, miolipoma, hamartoma, schwannoma, linfangioma, tumor de células granulares, leiomioma, hemangioma, rabdomiossarcoma, neurofibroma e amiloidose localizada.1,5,6

A análise histopatológica minuciosa, apoiada pela utilização de imunoistoquímica é essencial para o diagnóstico correto de tumores moles da boca. Proteína S100, colágeno IV e CD34 são biomarcadores úteis na análise da NF-1 com manifestações orais.1

Pode ser feita a exérese cirúrgica parcial ou total dos tumores para solucionar problemas estéticos e funcionais, mas prefere- se esperar a parada do crescimento do tumor para reduzir o risco de recorrência, atentando-se para a possibilidade de degeneração maligna, que ocorre em um a 29% dos casos, com surgimento de tumores malignos de bainha de nervo periférico.1

Estes tumores não são radiossensíveis e, dada sua lenta taxa de crescimento, benefício limitado tem sido visto com emprego de quimioterapia. As alternativas à cirurgia para tratamento de neuromas plexiformes estão ainda, em grande parte, em fase experimental, podendo ser citados ácido retinoico, fumarato de cetotifeno, medicamentos antiangiogênicos (interferon-alfa), talidomida, pirfenidona (droga com ação antifibrótica) e tipifarnib (inibidor da farnesil transferase, desde que níveis elevados dessa enzima são encontrados em neuromas plexiformes), mas a evidência da eficácia de todos esses tratamentos ainda é limitada. Pesquisas adicionais com alternativas farmacêuticas devem melhorar as taxas de sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes com neuromas plexiformes.6

CONCLUSÃO

Salienta-se a importância da busca de lesões orais em paciente com NF1, considerando que o exame de mucosas adquire relevância crescente no dia a dia do dermatologista, adicionando novos subsídios à elaboração diagnóstica.É portanto necessário que o especialista esteja familiarizado com as lesões eventualmente encontradas nas várias genodermatoses.

Referências

1 . Bongiorno MR, Pistone G, Aricò M. Manifestations of the tongue in Neurofibromatosis type 1. Oral Dis. 2006;12(2):125-9.

2 . Obermoser G, Zelder BG, Millonig G, Sepp N, Vogel W, Zelger B. Vasculopathy in von Recklinghausen''s neurofibromatosis-a diagnostic quandary. J Am Acad Dermatol. 2004;50(5 suppl):S107-9.

3 . Jouhilahti B, Visnapuu V, Soukka T, Aho H, Peltonen S, Happonen R, et al. Oral soft tissue alterations in patients with neurofibromatosis. Clin Oral Investig. 2012;16(2):551-8.

4 . Friedrich RE, Manfred Giese M, Schmelzle R, Mautner V, Scheuer HA. Jaw malformations plus displacement and numerical aberrations of teeth in neurofibromatosis type 1: a descriptive analysis of 48 patients based on panoramic radiographs and oral findings. J Craniomaxillofac Surg. 2003;31(1):1-9.

5 . Nascimento GJF, Rocha DAPR, Galvão HC, Costa ALL, Souza LB. A 38- year review of oral schwannomas and neurofibromas in a Brazilian population: clinical, histopathological and immunohistochemical study. Clin Oral Invest. 2011;15(3):329-35.

6 . Fabriz G, Pagliarello C, Massi G. Unusual localization of a plexiform neurofibroma in a child with neurofibromatosis 1. Clin Exp Dermatol. 2008;33(6):811-2.


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