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Relato de casos

Tumor de Merkel: relato de caso

Ed Wilson Tsuneo Rossoe1, Késsia Katarine Maciel Lopes Fernandes1, Ivana Dias Ferreira do Prado1, Iracema Lerianna Mayer de Souza Bazzo1, Antônio José Tebcherani1, Tereza Cristina dos Santos1

Data de recebimento: 15/01/2012
Data de aprovação: 06/06/2012
Trabalho realizado no Complexo Hospitalar
Padre Bento de Guarulhos (CHPBG) – São
Paulo (SP), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O carcinoma de células de Merkel é tumor neuroendócrino da pele, altamente agressivo, de prognóstico reservado. Relatamos um caso clínico e enfatizamos a importância do diagnóstico e do tratamento precoces.

Keywords: CARCINOMA DE CÉLULAS DE MERKEL, IMUNOISTOQUÍMICA, PELE


INTRODUÇÃO

O carcinoma de células de Merkel (CCM) é câncer de pele, raro e agressivo, caracterizado pela forte incidência de altas taxas de metástases, recidivas e mortalidade.1

Estima-se nos EUA a incidência de 0,32 por 100.000 pessoas por ano.1 Acomete principalmente brancos (94,9%), com discreto predomínio no sexo masculino (1,6:1), entre 70 e 80 anos de idade.2 Observou-se aumento da incidência do CCM associado com imunossupressão relacionado a pacientes HIV positivos, transplantados de órgãos sólidos, portadores de linfoma e leucemia ou com terapia imunossupressora.3

Apresenta-se como pápula ou nódulo eritêmato-violáceo, placa, nódulo infiltrado ou lesão cística ulcerada. Raramente suspeita- se da lesão.2,3 Em estudo de 106 casos diagnosticados como CCM primário, só em 1% dos casos foi aventada essa hipótese clínica.2

Acomete áreas fotoexpostas, como cabeça e pescoço (29%), membros superiores (24%), membros inferiores (21%), tronco (8%) e raramente a vulva (5%).4

O objetivo deste estudo é apresentar um caso de CCM, a importância do diagnóstico precoce, sua raridade e as controvérsias em relação a sua origem e tratamento.

RELATO DO CASO

Homem, 72 anos, sem comorbidades, apresentou-se à consulta com lesão tumoral, eritematosa, firme, de aspecto vegetante de 2cm de diâmetro na face lateral do braço direito de crescimento progressivo nos últimos oito meses, sem adenopatias associadas (Figura 1).

Foi submetido a biópsia excisional, cujo resultado anatomopatológico exibiu lesão proliferativa, não conectada à epiderme, constituída por células com acentuada cariomegalia, hipercromasia nuclear e citoplasma escasso. Essas células se dispõem ora em arranjos trabeculares, ora formando extensas massas sólidas que ocupam toda a derme (Figura 2). A lesão emboliza múltiplos vasos sanguíneos adjacentes e infiltra profundamente a derme (Figura 3). O aspecto "trabecular" das células, associado ao acentuado grau das atipias nucleares e ao alto índice mitótico favorecem o diagnóstico de carcinoma de células de Merkel (Figuras 4 e 5). O material foi enviado para estudo imunoistoquímico, que revelou positividade para os marcadores CK-20 e cromogranina, confirmando o laudo microscópico.

O paciente foi encaminhado ao serviço de oncologia para ampliação de margens cirúrgicas e seguimento.

DISCUSSÃO

O CCM foi descrito por Toker em 1972 como carcinoma trabecular devido a seu padrão de crescimento infiltrativo e reticular. Acreditava-se ser derivado de glândulas écrinas.4 Em 1978, após estudos ultraestruturais, Tang e Toker identificaram grânulos com núcleo denso no citoplasma de células tumorais, só encontrados nas células de Merkel na pele.1 É controversa a hipótese de que esse tumor se origina das células de Merkel - mecanorreceptor da camada basal da epiderme - ou de células-tronco pluripotentes que posteriormente se diferenciam em neuroendócrinas.4 Pela incerteza de sua origem é nomeado carcinoma trabecular da pele, carcinoma neuroendócrino cutâneo e atualmente CCM.1

Histologicamente o tumor é composto por células pequenas de núcleos redondos, monomórficas, com núcleo basofílico e citoplasma mínimo e graus variados de coesividade, com padrão de crescimento dérmico abaixo da zona Grenz. Tipicamente encontram-se numerosas figuras mitóticas e corpos apoptóticos. Há três tipos histológicos: intermediário, de pequenas células e trabecular. A maioria apresenta dois padrões de crescimento, sendo o subtipo intermediário o mais comum. O carcinoma de células escamosas está presente em 37% dos casos de CCM. Em um estudo de 27 casos de CCM, em 41% dos casos encontrou-se associação com outras lesões epiteliais como carcinoma de células escamosas in situ (cinco), carcinoma invasivo de células escamosas (três), carcinoma basocelular (um) e ceratose actínica (dois). Esses achados fortalecem a hipótese da origem de células-tronco pluripotentes na epiderme, potencializadas pelo efeito mutagênico de radiação ultravioleta e talvez por infecção pelo polyomavírus.5

Recentemente Chang e Moore identificaram um polyomavirus designado como polyomavirus de célula de Merkel (MCV) clonalmente integrado no genoma do CCM. Em oito de dez casos o vírus foi encontrado. Outros estudos confirmaram essa associação, encontrados em 24% de exemplos na Austrália e acima de 85% na América do Norte e Europa. Até o momento foram descritos 14 polyomavirus, tendo dois (JCV e BKV) mostrado induzir a formação de tumor. Pouco se conhece a respeito desse vírus, tendo-se observado soroprevalência acima de 80% em pacientes acima de 50 anos. Os polyomavirus JCV e BKV ficam latentes nos rins e se reativam após grave imunossupressão, o que é consistente com a observação de que o CCM incide mais em imunocomprometidos.1

A imunoistoquímica é essencial no diagnóstico para diferenciar o CCM de outros tumores. As citoqueratinas de baixo peso molecular, 8, 18 e 20, mostraram-se positivas com sensibilidade acima de 90%. A citoqueratina CK20, filamento intermediário proteico com expressão restrita ao epitélio gástrico e intestinal, urotélio, papilas gustativas da língua e células de Merkel, foi proposta como marcadora para diferenciar CCM de carcinoma de pequenas células do pulmão e outros carcinomas cutâneos. Bobos et al., mostraram que em 391 casos de CCM 87% eram CK20 positivos. Outro marcador, como a cromagrina-A, que confirma a origem neuroendócrina estava presente em 52% casos em uma série. A enolase é neurônio específico, sendo encontrada em 50% dos casos. Ainda pode ser encontrada positividade para somastatina, neurofilamento, CD56 e sinaptofisina.5

O estadiamento do CCM é o mais importante indicador de prognóstico e também influencia a modalidade de tratamento. A American Joint Comittee on Cancer (AJCC), classifica-o em quatro estádios: estádio 1 (tumor primário < 2cm), estádio 2 (tumor primário >= 2 cm), estádio 3 (doença linfonodal regional) e estádio 4 ( metástase a distância). Devem ser realizadas radiografia de tórax e biópsia de linfonodo sentinela, principalmente nos pacientes com linfonodos clinicamente negativos, pois em 30% desses casos os linfonodos foram positivos. Também é desejável realizar-se imunomarcação com pancitoqueratina de linfonodos na tentaviva de detectar-se micrometástase.3,4

No estudo SEER, Agelli et al. relataram sobrevida de cinco anos com taxas de 75% para CCM localizado, 59% para doença regional e 25% para distante. Stokes et al., num estudo de 346 casos de CCM, apresentaram no momento do diagnóstico linfonodos clinicamente negativos em 71% dos casos; 24% tinham metástase regional, e 5% metástase a distância. Relataram também que nenhum paciente com tumor <= 1cm abrigava metástase linfonodal oculta; nos tumores entre um e 2cm, 5% apresentavam linfonodos ocultos, e 12% nos acima de 2cm.6 Os fatores de alto risco foram descritos como: recidiva após terapia inicial envolvendo linfonodos, doença residual após cirurgia, tumor primário com mais de 1cm ou linfonodos primários ocultos.7

A excisão cirúrgica é o pilar do tratamento. Margens de 1,1cm demonstram baixas taxas de recidivas.4 Como o CCM é radiossensível, a radioterapia também é importante recurso. Há consenso de que a radioterapia é benéfica para tumores irresecáveis ou recidivantes. A quimioterapia é opção paliativa para pacientes no estádio 4 da doença, sendo que dois terços dos tumores respondem à quimioterapia, mas geralmente recorrem em poucos meses.8

Conclui-se que o diagnóstico clínico do CCM é difícil, porém sua suspeição é importante para o diagnóstico precoce e o tratamento imediato da doença.

Referências

1 . Agelli M, Clegg LX, Becker JC, Rollison DE. The Etiology and Epidemiology of Merkel Cell Carcinoma. Curr Probl Cancer. 2010;34(1): 14-37

2 . Calder KB, Smoller BR. New Insights Into Merkel Cell Carcinoma. Adv Anat Pathol. 2010;17(3):155-61

3 . Pulitzer MP, Amim BD, Busam KJ. Merkel Cell Carcinoma. Adv Anat Pathol. 2009;16(3):135-44

4 . Lien MH, Baldwin BT, Thareja SK, Fenske NA. Merkel Cell Carcinoma: Clinical Characteristics, Markers, Staging and Treatment. J Drugs Dermatol. 2010; 9(7):779-84

5 . McCardle TW, Sondak VK, Zager J, Messina JL. Merkel Cell Carcinoma: Pathologic Findings and Prognostic Factors. Curr Probl Cancer. 2010;34(1):47-64

6 . Stokes JB, Graw KS, Dengel LT, Swenson BR, Bauer TW, Slingluff CL Jr, et al. Patients with Merkel Cell Carcinoma Tumors <= 1.0 cm in Diameter are Unlikely to Harbor Regional Lymph Node Metastasis. J Clin Oncol. 2009;27(3):3772-7

7 . Tai P, Yu E, Assouline A, Lian JD, Kurian J, Krzisch C. Management of Merkel Cell Carcinoma with Emphasis on Small Primary Tumors - A Case Series and Review of the Current Literature. J Drugs Dermatol. 2010;9(2):105-10

8 . Fernandes KKML, Bazzo ILMS, Tebcherani AJ, Rossoe EWT. Tumor de Merkel: Relato de Caso. 65o Congresso Brasileiro de Dermatologia; 2010 Set 4-7; Rio de Janeiro, RJ (Brasil). Poster, PC 398


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