3037
Views
Open Access Peer-Reviewed
Educação médica continuada

Eventos adversos do ácido hialurônico injetável

Elisete Isabel Crocco1, Renata Oliveira Alves1, Cristina Alessi1

Data de recebimento: 27/04/2012
Data de aprovação: 02/08/2012
Trabalho realizado na Irmandade da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo – São
Paulo (SP), Brasil.
Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Nos últimos anos, o uso de preenchedores para tratamento de rítides e aumento do volume facial cresceu consideravelmente. Há atualmente diferentes tipos de preenchedores, divididos em temporários, semipermanentes (permanência de no mínimo 18 meses no tecido) e permanentes, também classificados conforme a composição do material (colágeno, ácido hialurônico, ácido polilático, polimetilmetacrilato, hidroxiapatita); o ácido hialurônico pode ser sintético ou de origem animal. Dos diversos produtos, o ácido hialurônico (preenchedor reabsorvível, temporário) tem sido um dos mais utilizados. Ainda não há disponível no mercado substância ideal, pura e livre de efeitos colaterais. O objetivo do trabalho é auxiliar o reconhecimento dos efeitos colaterais com uso de preenchedor à base de ácido hialurônico. Isso permite diagnóstico e tratamento precoces, diminuindo a morbidade e sequelas dos pacientes.

Keywords: ÁCIDO HIALURÔNICO, ERUPÇÃO POR DROGA, ADMINISTRAÇÃO CUTÂNEA


INTRODUÇÃO

Os preenchedores são utilizados para tratamento de rítides, correção de cicatrizes atróficas e pequenos defeitos cutâneos, além da melhora do contorno facial. A substância ideal nesses produtos deve oferecer bom resultado cosmético, ter longa duração, ser estável e seguro, com mínima complicação. Dos preenchedores, o ácido hialurônico (AH) é o que mais se aproxima dessas características, porém apresenta alguns efeitos colaterais que devem ser estudados e reconhecidos pelo médico que realiza o procedimento.

O AH está presente na matriz extracelular dos tecidos conjuntivos, fluido sinovial, humores aquoso e vítreo. Na pele forma a matriz fluida elastoviscosa que envolve fibras colágenas, elásticas e estruturas intercelulares. Sua concentração na pele tende a diminuir com a idade, o que resulta em diminuição da hidratação local e torna a derme menos volumosa com tendência a formar rítides.

O AH injetável é composto por polissacarídeos e glicosaminoglicanos, e é conhecido por ser não permanente, com duração média de seis meses.1,2 Os produtos disponíveis no mercado, que podem ter ou não anestésico (lidocaína) associado na ampola, são também passíveis de divisão em bifásicos e monofásicos. 2

O AH injetável é composto por molécula de estrutura simples, com alto peso molecular e grande atração pela água (hidrofílico). A estabilização do AH por técnica de crosslinking tem o intuito de aumentar o tempo de duração do preenchedor. Moléculas que se interligam ao AH produzem macromoléculas mais estáveis (insolúveis em água e com menor reabsorção), porém com igual biocompatibilidade (mantêm afinidade pela água e formam rede tridimensional na derme).3 O nível ideal de crosslinking deve ser calculado, já que quanto maior ele for, menor será a propriedade hidrofílica da substância, e, portanto sua eficácia diminuirá.4 As substâncias mais comumente usadas para essa técnica são: divinil sulfona e butanediol-diglicidil-éter, e acredita- se que a adição desses produtos ao AH esteja correlacionada aos eventos de reações alérgicas em alguns pacientes.5

O AH, após ser injetado na pele, é metabolizado em dióxido de carbono e água e então eliminado pelo fígado.6

Quanto à origem, o AH industrial pode ser dividido em duas categorias:

Derivado animal: proveniente da derme de crista de galo, purificada e interligada quimicamente com divinil sulfona.3

Derivado não animal (sintético) formulado a partir da fermentação bacteriana de Streptococcus spp1,6 (cadeias de AH são quimicamente estabilizadas por interligação de epóxidos).3

O AH industrial é comercializado sob a forma de gel espesso, não particulado, incolor, em seringa agulhada e pode ser armazenado em temperatura ambiente. Não necessita de teste cutâneo prévio ao uso. O AH é aprovado para correções de rítides e sulcos, mas é usado para diversos fins. É rotineiramente usado para correção de sulco nasogeniano, aumento do volume labial, sulco infraocular para olheiras, região periauricular para rejuvenescimento. 6 O uso na glabela é pouco indicado devido à maior incidência de necrose nessa região por compressão local ou injeção intra-arterial na artéria supratroclear e seus ramos.7 A segunda área com maior risco de necrose é a asa nasal por oclusão da artéria angular e também por apresentar circulação colateral restrita para suprir a isquemia.8 Outras indicações também são observadas na literatura, como correção de cicatrizes pós-acne, volumização facial por perda dos coxins gordurosos decorrentes do envelhecimento e por perda de tecido subcutâneo pós-traumático, além de aumento do volume do dorso de mão para rejuvenescimento.

O dermatologista deve avaliar cada paciente individualmente antes do procedimento, fazer uma boa anamnese (avaliar antecedente de alergia, uso de medicações), verificar os riscos e benefícios, além de discutir a expectativa do paciente. Se possível, sempre solicitar assinatura do termo de consentimento e realizar fotografias antes e depois da aplicação do AH. As contraindicações absolutas para o preenchimento são gravidez, lactação, doenças autoimunes e imunodepressão.5 Quando possível, suspender anticoagulantes e anti-inflamatórios não hormonais de sete a dez dias antes do procedimento para evitar aumento de sangramento.5

Este artigo faz uma revisão dos efeitos colaterais dos preenchedores à base de ácido hialurônico (AH) descritos na literatura e publicados no PubMed, de janeiro de 2001 a julho 2011. Existem poucos relatos na literatura, provavelmente porque os efeitos adversos ao AH não costumam ser divulgados e têm frequência inferior a 2% na literatura.

EFEITOS COLATERAIS

As complicações com uso de preenchedores à base de AH podem ser decorrentes de inexperiência, técnica incorreta ou inerente ao próprio produto.

Os efeitos colaterais podem ser divididos em precoces e tardios.

Efeitos colaterais precoces

Eritema e edema

Geralmente são imediatos e observados na maioria dos casos. Ocorrem por inflamação local (resposta à injúria tecidual) e pela propriedade hidrofílica do produto. Podem ainda ser agravado por múltiplas injeções, material espesso e técnica incorreta de aplicação.9 Deve-se colocar gelo durante intervalo de cinco a dez minutos e manter a cabeça elevada. Regride em horas ou no máximo um ou dois dias.1 O edema pode ser evitado ou minimizado pelo uso de anestésico com epinefrina, compressa fria e menor número de picadas na pele.5

Equimose/Hematoma

Ocorre por perfuração de pequenos vasos no local da aplicação ou por compressão e ruptura secundária dos vasos. Deve-se fazer compressão local imediata. Há maior risco de sangramento volumoso se houver ruptura de vasos profundos. Recomenda-se realizar a aplicação em local com boa iluminação para tentar evitar a perfuração dos vasos. É importante saber que os preenchedores associados à lidocaína promovem vasodilatação e podem aumentar o risco de sangramento local.5 Geralmente tendem a melhorar em intervalo de cinco a dez dias. Não interfere no resultado final. Nos casos de sangramento abundante pode ser necessária a cauterização do vaso.5,9

Necrose

Complicação rara, ocasionada por compressão local (supercorreção ou intensa inflamação) ou injeção intra-arterial acidental (com embolização vascular). Casos relatados ocorreram na área das artérias angular (região nasolabial) e supratroclear (glabela).8,10 Em estudo retrospectivo com 28 pacientes que apresentaram efeitos colaterais, a região da glabela se mostrou de mais risco para a necrose tecidual por oclusão arterial.8 O paciente relata dor imediata após aplicação, e algumas horas depois a pele torna-se pálida (pela isquemia), adquirindo posteriormente coloração cinza-azulada. Em dois ou três dias há ulceração e necrose local. Não existe consenso quanto ao tratamento ideal nesses casos, mas é importante ter cuidados locais de higiene, realizar compressas mornas, massagem local para dissolver o êmbolo e pasta de nitroglicerina a 2%.8 Também é descrita a injeção de hialuronidase o mais precoce possível, nas primeiras 24 horas do procedimento, com redução dos danos causados pela necrose.7 No caso de embolização pode-se realizar heparinização plena do paciente.10 Há descrição de um caso com embolização renal.8 As oclusões venosas são geralmente mais tardias, de evolução mais lenta, com menos dor local e tom azulado na pele.8

Infecção

Relatada em apenas dois artigos, provavelmente decorrente de contaminação do produto ou técnica inadequada de assepsia do paciente.11 Pode ser de origem bacteriana ou viral. Há relato de caso a respeito de reativação de herpes simples, porém não é normativo realizar profilaxia para herpes nesse procedimento. Há um caso relatado de infecção por Mycobacterium chelonae após aplicação de ácido hialurônico, mas não foi possível saber se estava contaminado o produto ou o local de aplicação. 12,13

Há descrição de um caso de abscesso extenso em face que surgiu no trajeto de aplicação do preenchedor após um mês do procedimento. A cultura de secreção evidenciou Enterococcus faecalis11,14 Foi realizado tratamento com drenagem de abscesso e antibioticoterapia endovenosa. Os autores acreditam que a contaminação ocorreu por má higienização da pele.

Nódulos

Geralmente observados a curto e médio prazos, manifesta- se como pápulas esbranquiçadas ou normocrômicas, ou nódulos. Ocorrem na maioria das vezes por má técnica de aplicação, por injeção muito superficial do AH.5 Pelo efeito Tyndall, as pápulas podem adquirir coloração levemente azulada. O tratamento pode ser feito com massagem local, e em casos extremos o corticoide oral está indicado. Nos casos graves pode ser realizada remoção cirúrgica do material. Felizmente, a maioria dos casos tem resolução espontânea.5

Efeitos colaterais tardios

Granulomas

Descritos em percentual que varia de 0,01 a 1% dos casos, ocorrem entre seis e 24 meses após aplicação dos preenchedores. 9 Surgem como nódulos palpáveis não dolorosos no trajeto de aplicação dos preenchedores.9,15 Todos os casos relatados comprovaram a formação de granuloma de corpo estranho por exame anatomopatológico.9,15,16 Acredita-se que essas reações ocorram pela presença de impurezas no processo de fermentação bacteriana na produção do ácido hialurônico e não decorrentes de hipersensibilidade ao próprio produto.9,16 O tratamento é controverso, e pode ser realizada aplicação de hialuronidase (com concentrações que variam de 50U/mL10 a 150U/mL17 ou infiltração intralesional de corticoide (triancinolona injetável na concentração de 5mg/mL).17 Em um caso descrito, foi necessária remoção cirúrgica do granuloma.16

Reações alérgicas

Descrito em 0,1% dos casos, inicia-se entre três e sete dias após a aplicação do produto, prazo, entretanto, que se pode estender até o período de um a seis meses. Clinicamente, há edema, eritema e hiperemia no trajeto de aplicação do preenchedor. 13 O tratamento descrito é com corticoide oral ou infiltração intralesional de corticoide.9

Cicatriz hipertrófica

Presença de cicatriz hipertrófica nos locais de punctura da pele. O paciente do caso descrito tinha antecedente de queloide. Optou-se por tratamento com corticoide oclusivo.12

CONCLUSÃO

A aplicação injetável com ácido hialurônico tem sido um dos procedimentos mais realizados e em crescente demanda nos consultórios de dermatologia nos últimos anos. O AH é produto que se tem tornado cada vez mais seguro, e suas complicações na atualidade são relacionadas principalmente à técnica de aplicação e inadequada higienização da pele.

O reconhecimento precoce de alguma complicação, assim como seu tratamento agressivo e rápido, é fundamental para evitar sequelas a longo prazo e aumentar a segurança na realização do procedimento.

Referências

1 . Requena L, Requena C, Christensen L, Zimmermann US, Kutzner H, Cerroni L.. Adverse reactions to injectable soft tissue fillers. J Am Acad Dermatol. 2011;64(1):5-7

2 . Nast A, Reytan N, Hartmann V, Pathirana D, Bachmann F, Erdmann R, Rzany B. . Efficacy and durability of two hyaluronic acid-based fillers in the correction of nasolabial folds: results of a prospective, randomized, double-blind, actively controlled clinical pilot study. Dermatol Surg. 2011;37(6):768-75

3 . Bowman PH, Narins RS. Hialinos e Técnicas de Preenchimento. In: Carruthers J, Carruthers A. Técnicas de Preenchimento. New York: Elsevier; 2005. p35-56

4 . Montedonico J, Queiros FW, Pousa CET, Paixão MP, Almeida AEFl. Fundamentos da Ritidoplastia. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(4):305-14

5 . Sánchez-Carpintero I, Candelas D, Ruiz-Rodrigues, R. Materiales de relleno: tipos, indicaciones Y complicaciones. Actas Dermosifiliogr. 2010;101(5):381-393

6 . Matarasso SL, Sadick NS. Soft tissue augmentation. In: Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP, editors. Dermatology. Philadelfia: Mosby; 2008.p.2369-79

7 . Kim DW, Yoon ES, Ji YH, Park SH, Lee BI, Dhong ES. Vascular complications of hyaluronic acid fillers and the role of hyaluronidase in management. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(12): 1590-5

8 . Park TH, Seo SW, Kim JK, Chang CH. Clinical experience with Hyaluronic acid-filler complications. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(7): 892-97

9 . La Glenne E. Letter to the editor: in response to: case report: episodes of angioedema of the face with nodules and foreign body granulomas two years after infection of a product for filing wrinkles: New-Fill probably the responsible agent. Nouv Dermatol. 2004;23:223-4

10 . Kang MS, Park ES, Shin HS, Jung SG, Kim YB, Kim DW. Skin necrosis of the nasal ala after injection of dermal fillers. Dermatol Surg. 2011;37(3):375-80

11 . Rousso JJ, Pitman MJ. Enterococcus faecalis complicating dermal filler injection: a case of virulent facial abscesses. Dermatol Surg. 2010;36(10):1638-41

12 . Junkins-Hopkins JM. Filler complications. J Am Acad Dermatol. 2010;63(4):703-5

13 . Pope J Jr, Sternberg P Jr, Mclane NJ, Potts DW, Stulting Rd. Mycobacterium chelonae sclera abscess after removal of a sclera bucle. Am J Ophthalmol. 1989;107(5):557-8

14 . Dadzie OE, Mahalingam M, Parada M, El Helou T, Philips T, Bhawan J. Adverse reactions to soft tissue fillers – a review of the histological features. J Cutan Pathol 2008;35(6):536-48

15 . Okada S, Okuyama R, Tagami H, Aiba S. Eosinophilic granulomatous reaction after intradermal injection of hyaluronic acid. Acta Derm Venereol. 2008;88(1):69-70

16 . Ghislanzoni M, Bianchi F, Barbareschi M, Alessi E. Cutaneous granulomatous reaction to injectable hyaluronic gel. Br J Dermatol. 2006;154(4):755-8

17 . Van Dyke S, Hays GP, Caglia AE, Caglia M. Severe Acute Local Reactions to a Hyaluronic Acid-derived Dermal Filler. J Clin Aesthet Dermatol. 2010;3(5):32-5


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773