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Artigo Original

Avaliação clínica da eficácia do óleo de andiroba na queimadura pós-depilação com luz intensa pulsada: estudo prospectivo, comparativo e duplo-cego

Elen Violeta Souza Santos Cela1, Márcia de Britto da Rocha1, Tatiana Maciel Gomes1, Chang Yung Chia1, Camille Furtado Alves1

Data de recebimento: 19/08/2012
Data de aprovação: 12/09/2012
Trabalho realizado na clínica privada dos
autores – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A depilação com luz intensa pulsada é método de uso corrente, utlizando-se geralmente corticosteroides de baixa ou média potência para o alívio da dor e a reação inflamatória que se seguem ao procedimento. Compostos botânicos, como a emulsão de óleo de andiroba, têm demonstrado efeitos hidratantes e anti-inflamatórios. Objetivo: Como opção aos corticosteroides tópicos, os autores testam a eficácia da emulsão do óleo de andiroba comparando-a à da desonida. Métodos: Foi desenhado estudo prospectivo, comparativo e duplo-cego com nove pacientes do sexo feminino, submetidas à depilação com luz intensa pulsada na região inguinal e tratadas imediatamente após o procedimento com desonida num lado e emulsão de óleo de andiroba no outro lado, aleatoriamente. As pacientes avaliaram a sensação de dor segundo a escala visual analógica de dor, e uma médica dermatologista observadora avaliou a reação inflamatória gerada pelo procedimento, comparando-se os dois lados de forma cega. Resultados: Não houve diferenças significativas no alívio da dor e da reação inflamatória, na comparação dos dois produtos. O potencial analgésico e anti-inflamatório da emulsão do óleo de andiroba praticamente equivaleu ao da desonida. Conclusões: Os resultados deste estudo-piloto indicam que a emulsão do óleo de andiroba pode ser opção no tratamento após a fotoepilação.

Keywords: QUEIMADURAS, REMOÇÃO DE CABELO, TERAPÊUTICA, GLUCOCORTICÓIDES, UMECTANTES


INTRODUÇÃO

Os sistemas de luz intensa pulsada (LIP) são fontes pulsadas de alta intensidade que emitem luz policromática em largo espectro de comprimentos de onda - de 515 a 1.200nm. À semelhança do laser, o mecanismo de ação é a fototermólise seletiva, mas, ao contrário deste, a duração de pulso pode ser selecionada com a ajuda de filtros.1 A possibilidade de variar a fluência, a duração dos pulsos e o intervalo entre eles torna esse sistema muito versátil e flexível, o que lhe permite ser usado nas vertentes vascular, pigmentar e epilatória, e no fotorrejuvenescimento cutâneo. É alternativa aos lasers para o tratamento de diversos tipos de lesões vasculares como angiomas planos, telangiectasias, rosácea e poiquilodermia de Civatte entre outros.1 A fotoepilação é opção de alta eficácia, prolongada duração e poucos efeitos colaterais. A técnica se baseia na destruição térmica seletiva de um alvo específico constituído pelas células germinativas do folículo piloso. Como a melanina é o principal cromóforo dos folículos pilosos, comprimentos de onda de luz entre 600-1100nm podem ser utilizados com eficácia e segurança para sua fototermólise seletiva.2,3 A resposta mais comum da fotoepilação inclui eritema-edema perifolicular e sensação de ardor ou queimação leve, que dura horas ou até dois dias. Recomendam-se compressas geladas e corticosteroides tópicos de baixa e média potência por alguns dias. Se houver formação de vesículas em áreas com potencial para infecção (região inguinal, períneo), podem ser utilizados cremes antibióticos. As crostas, quando ocorrem, podem ser mantidas durante período que varia de cinco a dez dias, e os pelos (dependendo da área) até 45 dias. O paciente é orientado a não manipular a região, usar roupas leves e confortáveis, não se expor ao sol e fotoproteger as áreas tratadas.

Alguns compostos botânicos têm demonstrado propriedades com baixo custo e baixa toxicidade.4,5 A andiroba (Carapa guianensis Aubl.) é árvore de grande porte,comum na região amazônica, sendo seu fruto uma cápsula globosa que contem de quatro a 16 sementes. Essas sementes fornecem óleo com diversas propriedades, entre elas efeitos cicatrizante, anti-inflamatório, antisséptico e antipirético.4,6 É registrado na Anvisa como hidratante, e sua eficácia está sendo comprovada nos tratamentos de dermatite actínica e escaras de compressão, bem como repelente de insetos, entre outros usos.7

Como alternativa ao uso do corticoide tópico para a queimadura causada pela LIP na pele, este estudo propõe a utilização da emulsão de óleo de andiroba (Tegum® empresa, cidade, país). A impressão de seu alto poder de penetração cutânea e de ação anti-inflamatória motivou os autores a este estudo comparativo.

OBJETIVO

Avaliar a eficácia anti-inflamatória e analgésica da emulsão de óleo de andiroba no tratamento da queimadura de primeiro grau que se desenvolve após a depilação por LIP, comparando-a com a da desonida.

MÉTODO

Foi realizado estudo prospectivo, comparativo, duplo-cego, com nove pacientes submetidas à epilação com LIP (Deka Minisilk FT, cidade, país) na clínica privada dos autores. Os critérios de inclusão foram: sexo feminino; idade entre 18 e 45 anos; fototipo I a III pela classificação de Fitzpatrick, e pele íntegra nas regiões a depilar. Os critérios de exclusão foram: marcas cutâneas nas regiões a depilar; dermatoses ativas; gestação ou lactação; histórico de reações alérgicas aos produtos testados; antecedentes de patologias agravadas ou desencadeadas pela radiação ultravioleta; exposição solar intensa há menos de 15 dias; uso dos medicamentos imunossupressores, anti-histamínicos, anti-inflamatórios não hormonais e corticosteroides sistêmicos até duas semanas antes do procedimento; uso de vitamina A ácida e/ou seus derivados via oral ou tópica até um mês antes da pesquisa; tratamento estético ou dermatológico nas áreas a depilar durante um mês antes da pesquisa; profissional interessado diretamente da pesquisa; portador de imunodeficiência; antecedentes de atopia; estar participando ou ter participado de outro estudo clínico encerrado há menos de sete dias antes da seleção de caso; e dermografismo.

Após atenderem aos critérios de inclusão e exclusão, e terem sido esclarecidas sobre o procedimento, as voluntárias assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo o estudo se desenvolvido segundo as normas propostas pela Declaraçao de Helsinki de 2000.

O procedimento de depilação com LIP foi realizado nas regiões inguinais, de maneira habitual, por uma médica dermatologista. Os parâmetros foram definidos de acordo com o fototipo de cada voluntária. Não foi feito nenhum esquema analgésico ou anti-inflamatório local ou sistêmico antes do procedimento. Imediatamente após a depilação, a dermatologista que executou esse procedimento fez uma aplicação aleatória de desonida em um lado e da emulsão de óleo de andiroba no outro. Nem a paciente, que avaliou a dor, nem a dermatologista observadora, que avaliou o grau da inflamação, souberam qual foi o produto aplicado em cada lado, caracterizando o estudo comparativo duplo-cego.

A paciente avaliou a dor, segundo a Escala Visual Analógica - EVA, comparando um lado com o outro, sendo 0 sem dor, e 10 a dor máxima (Figura 1). A avaliação do grau da inflamação pela dermatologista observadora foi baseada na intensidade do eritema e na presença ou não de pápulas, sendo 0 = sem eritema; 1 = eritema leve; 2 = eritema leve a moderado; 3 = eritema moderado; 4 = eritema moderado a intenso; e 5 = eritema intenso, e P = presença de pápula. A avaliação da dor ou desconforto pela paciente e a intensidade do eritema pela dermatologista observadora ocorreu nos seguintes tempos: T0 = imediatamente após depilação com LIP; T1 = imediatamente após aplicação do produto; T2 = cinco minutos após LIP; T3 = 30 minutos após LIP; e T4 = 60 minutos após LIP.

RESULTADOS

Foram estudadas nove pacientes do sexo feminino com idade entre 22 e 34 anos, e média de 27,55 anos, com fototipos de I a III da classificação do Fitzpatrik (Tabela 1).

Na análise dos resultados, não houve diferença significativa no alívio da dor relatada pelas pacientes comparando o lado em que foi aplicada a emulsão com óleo de andiroba com o lado do corticosteroide tópico. Uma paciente não sentiu diferença, quatro pacientes sentiram discreta superioridade no lado tratado pela emulsão com óleo de andiroba, e quatro no lado do corticosteroide (Tabela 2).

Com relação ao eritema avaliado pela dermatologista, não houve diferença significativa entre os produtos utilizados em seu tratamento. Não ocorreu eritema intenso nas pacientes no T0. A melhora do eritema foi discretamente maior em três pacientes tratadas com corticoide e em três tratadas com o Tegum® (Tabela 3).

DISCUSSÃO

O foco do tratamento pós-depilação com LIP é o alívio do desconforto sentido pela paciente e a atenuação da reação inflamatória local. A lesão térmica consequente à fotoepilação foi eleita como modelo para o presente estudo por ser controlável, de uso médico corrente e comprovadamente procedimento seguro. Tanto a intensidade da dor quanto o grau de seu alívio são dados subjetivos e de difícil mensuração, e não são praticáveis em animais de laboratório. Por questões éticas, não houve grupo- controle neste estudo. A capacidade anti-inflamatória dos produtos foi avaliada objetivamente pela variação da intensidade do eritema ao longo de um período de tempo após procedimento. A área tratada foi a virilha, região pouco exposta à radiação solar. A comparação foi bilateral na mesma paciente, com os mesmos parâmetros, acreditando-se obter assim resultados mais fidedignos, principalmente na avaliação da dor. A eficácia da emulsão de óleo de andiroba foi avaliada através de sua comparação com a da desonida, cuja eficácia já é comprovada.8 Entretanto, o uso de corticosteroides pode, reconhecidamente, ter efeitos adversos. A emulsão de óleo de andiroba é usada como hidratante com poder anti-inflamatório, e até o presente momento, não há relato de efeitos adversos. Apesar da pequena amostra com interpretações subjetivas, os resultados preliminares do presente estudo são animadores, indicando que a emulsão de óleo de andiroba pode ser uma boa opção no tratamento das queimaduras de primeiro grau. Estudos com amostras maiores e com análise histológica são necessários para a confirmação.

O presente estudo demonstra também a dificuldade na elaboração de conceitos de superioridade ou inferioridade entre produtos de uso tópico. As opções de medicamentos tópicos são a cada dia mais numerosas, e é importante que a escolha seja embasada em evidências objetivas de segurança e eficácia.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo indicam que a emulsão do óleo de andiroba pode ser uma opção no tratamento posterior à fotoepilação.

Referências

1 . Catorze MG. Laser: fundamentos e indicações em dermatologia. Med Cutan Iber Lat Am. 2009;37(1):5-27

2 . Goldberg DJ. Current Trends in Intense Pulsed Light. J Clin Aesthet Dermatol. 201;5(6): 45-53

3 . Souza FHM, Ribeiro CF, Weigert S, Schmidt JV, Fabrício LZ, Ataíse DST. Estudo comparativo de uso de Laser de diodo (810nm) versus luz intensa pulsada (filtro 695nm) em epilação axilar. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(3):185-90

4 . Silva EN, Santana AC, Silva IM, Oliveira CM. Aspectos socioeconômicos da produção extrativista de óleos de andiroba e de copaíba na floresta nacional do Tapajós, Estado do Pará. Rev Ci. Agra. 2010;53(1):12-23

5 . Almeida LS, Gama JRV, Oliveira FA, Carvalho JOP, Gonçalves DCM, Araújo GC. Fitossociologia e uso múltiplo de espécies arbóreas em floresta manejada, comunidade Santo Antônio, município de Santarém, estado do Pará. Acta Amaz. 2012;42:185-94

6 . Ferreira AM, Souza BMV, Rigotti MA, Loureiro MRD.Utilização dos ácidos graxos no tratamento de feridas: uma revisão integrativa da literatura nacional Rev Esc Enferm USP. 2012; 46(3):745-5

7 . Miot HA, Batistella RF, Batista KA, Volpato DEC, Augusto LST, Madeira NG, Haddad V, Miot LDB. Comparative study of the topical effectiveness of the andiroba oil (Carapa guianensis) and DEET 50% as repellent for Aedes sp . Rev Inst Med Trop S. Paulo 2004;46:253-6

8 . Carmignotto D. A, Burjato Júnior D. Avaliacao terapeutica da desonida, um novo corticosteroide topico, no tratamento da dermatite atopica. An Bras Dermatol. 1983;58:231-4


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