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Relato de casos

Laser Nd:Yag e luz intensa pulsada no tratamento de mancha vinho do porto

Célia Luiza Petersen Vitello Kalil1, Beatriz Leônidas Curcio1, Stela Cignachi1

Recebido em (Received on) 30/01/2009.
Aprovado (Approved on) pelo Conselho Consultivo em 22/02/2009. Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

Abstract

Introdução: Manchas vinho do Porto (MVP) são malformações vasculares presentes ao nascimento que podem causar alterações emocionais no paciente conforme sua localização. Tratamentos com luz intensa pulsada (LIP) e outros tipos de lasers têm sido relatados com respostas variadas. Objetivos: Revisão da literatura sobre opções terapêuticas utilizando fontes de luz nas MVP e demonstração de tratamento bem-sucedido com LIP associada a laser Nd:YAG. Método: Paciente feminina, de 14 anos, presentando MVP na região supralabial foi tratada com a associação de laser Nd:YAG 1064nm e LIP 560nm. Foram realizadas 8 sessões com, em média, 30 dias de intervalo entre elas. E4studo realizado na Clínica Dermatológica Célia Kalil. Resultado: A paciente obteve total esaparecimento da MVP na área tratada, com o mínimo de efeitos adversos. Conclusão: A associação de LIP 560nm e laser Nd:YAG 1064nm parece ser uma alternativa adequada no tratamento das MVP.

Keywords: MANCHA VINHO DO PORTO, LASERS, LIP, TRATAMENTO


Introdução

Manchas vinho do Porto (MVP) são malformações vasculares1,2,3 que afetam 0,3% da população,4,5 com uma igualdade para ambos os sexos, e estão caracteristicamente presentes no nascimento.6 Aproximadamente 80% das MVP são encontradas na face ou pescoço.5,6,7,8,9 Elas são frequentemente unilaterais e segmentares, respeitam a linha média corporal e aumentam na proporção do crescimento da criança. Além disso, não mostram propensão para regressão espontânea. 10 Microscopicamente, as MVP consistem em capilares dérmicos ectasiados, sem qualquer evidência de proliferação1010 vascular. A anamnese completa e o exame físico são sufi cientes para distinguir MVP de outras malformações vasculares ou hemangiomas11 (Tabela 1).

A patogênese das MVP pode estar relacionada com um défi cit do controle perivascular neural12, com consequente ectasia progressiva de um plexo vascular outrora normal. Esse fato levaria ao escurecimento lesional e hipertrofia com o avanço da idade.13

O escurecimento das MVP pode ser progressivo, passando da cor rosada durante a infância para um tom mais arroxeado na vida adulta.3,12 No início, elas podem ser totalmente maculares, mas com a idade, principalmente após a quarta década, há possibilidade de se tornarem irregulares, escurecidas e ficarem com a superfície nodular.14 Em algumas crianças, a região pode se tornar levemente mais clara com o evoluir da idade, mas a regressão total é excepcional.15

A transformação maligna ocorre raramente.16 Os pacientes sofrem principalmente devido a problemas estéticos, em especial quando as lesões são localizadas na face.17 Na infância, quando as MVP englobam a primeira divisão do nervo trigêmeo, quando estão em uma extremidade ou quando há uma malformação vascular envolvendo a medula espinhal,18 síndromes sistêmicas como a síndrome de Sturge-Weber, Klippel-Trenaunay-Weber e Cobb, respectivamente, devem ser pesquisadas.5

Dificuldades psicológicas e sociais significativas têm sido associadas com MVP, o que requer tratamento emocional em alguns casos.5 Quando as MVP se tornam mais espessas e escuras, normalmente com o crescimento da criança, inicia-se o melhor período para a realização do tratamento, que deve ser feito o mais breve possível.11 Aparelhos que utilizam sistemas com luz intensa pulsada (LIP), lasers como pulsed dye laser (PDL), neodímio: ítrio-alumínio-granada (Nd:YAG), argônio, titanyl-fosfato de potássio (KTP), criptônio, ruby, vapor de cobre e outros têm sido usados com resposta variável (Tabela 2).

Com o desenvolvimento de técnicas de resfriamento da epiderme em muitos desses aparelhos, a segurança e a eficácia de tais sistemas aumentaram consideravelmente, embora casos resistentes ainda ocorram.19,20

OBJETIVO

Este relato de caso tem como objetivo demonstrar a eficácia do tratamento de MVP com LIP associada a laser Nd:YAG e avaliar seus resultados. Além disso, revisamos a literatura sobre diferentes fontes de luz para o tratamento de MVP e comparamos as diversas opções terapêuticas que usam aparelhos com fontes de luz para tal fim.

RELATO DE CASO

Paciente feminina de 14 anos, fototipo II, procurou atendimento devido à mancha, presente desde o nascimento, avermelhada, plana, com aproximadamente 2 cm de diâmetro, localizada na parte central do lábio superior, região supralabial e ponta nasal. Apesar de assintomática, a paciente referia constrangimento e dificuldades no convívio social devido ao caráter inestético da lesão. Negou qualquer tratamento prévio (Figura 1).

MÉTODO

A paciente foi submetida a 8 sessões, com uma média de 30 dias de intervalo entre elas, associando LIP com laser Nd:YAG (Figuras 1 a 3. O aparelho utilizado foi IPLTM Quantum DL (Lumenis Ltd.): Nd:YAG 1064 nm e LIP 560 nm. Foi realizado bloqueio do nervo infraorbital bilateral com lidocaína 2% antes de cada sessão. Para o laser Nd:YAG, a variação de fluência utilizada foi entre 128 e 130J/cm2 e ajuste nos programas 1 e 2. Na mesma sessão, foi aplicada LIP com fluência entre 25 e 30J/cm2 e equipamento ajustado no programa 1. A paciente solicitou que não fosse tratado o lábio superior.

RESULTADO

Logo após as sessões, houve eritema e edema transitórios na área tratada, efeitos que se tornaram menos intensos com a diminuição da lesão. Pequenas erosões e crostas apareceram na região supralabial em alguns dias. Após tratamento com mupirocina creme, permaneceu uma área com pequena cicatriz deprimida, que se tornou praticamente imperceptível meses após a última sessão. A paciente se sentiu satisfeita com o resultado clínico e estético do tratamento (Figuras 2 e 3)

DISCUSSÃO

Muitas vezes, as MVP consistem não somente em alteração vascular, mas também em um problema de conotação psicológica para o paciente, principalmente levando-se em consideração sua localização anatômica.

O uso de LIP associada a laser Nd:YAG se mostra promissor e interessante como resultado terapêutico. O tratamento das MVP com laser é bem estabelecido.

Apesar de haver mais de 20 anos de experiência clínica, menos de 25% das MVP têm regressão completa após várias sessões com PDL,21 devido às limitações próprias desse aparelho.22,23 Possíveis efeitos colaterais incluem danos na epiderme (crostas, erosão e bolhas), recorrência da lesão, púrpura, discromia e risco de cicatriz,21 fato que levou ao estudo de novas opções para o tratamento de malformações vasculares, usando diversas fontes de luz e equipamentos associados.

Cerca de 20% das MVP são resistentes ao PDL devido à presença de vasos com grandes diâmetros, localizados muito profundamente (mais de 1,16mm)19,24 ou com demasiado fluxo sanguíneo. Em tais casos, a energia gerada pelo aparelho é insuficiente para causar dano irreversível nessas estruturas.

No caso relatado aqui, a paciente obteve clareamento da área da MVP tratada com poucos efeitos colaterais (houve uma hipopigmentação local transitória após cicatrização das crostas e discreta atrofia), sendo este o primeiro relato da literatura utilizando o IPLTM Quantum DL.

A utilização do laser Nd:YAG 1064 nm no tratamento de lesões vasculares assume várias vantagens teóricas sobre o PDL. O laser Nd:YAG (comprimento de onda 1064 nm, duração de pulso de até 100 ms) é capaz de criar um efeito de coagulação a uma profundidade de 5-6 mm, tendo sido usado no tratamento de vasos moderadamente profundos, aranhas vasculares (de maior diâmetro) e veias reticulares.21,25 Além disso, o coeficiente de absorção da melanina diminui à medida que o comprimento de onda aumenta. No comprimento de onda de 1064 nm, a chance de hiperpigmentação pós-tratamento pode ser significativamente reduzida.25,26,27,28 A adição do adequado resfriamento da epiderme, presente em diversos desses aparelhos, protege a pele, evitando muitos efeitos colaterais, tais como cicatrizes, alterações pigmentares, bolhas, crostas e púrpura.

A LIP tem sido utilizada de forma eficaz no tratamento de lesões vasculares29,30,31 que incluem MVP.32,33,34 Com duração de pulso (DP) mais longa, a LIP é capaz de lentamente atingir vasos localizados mais profundamente e, assim, melhorar a eficácia da terapia, diminuindo o risco de púrpura e discromia pós-tratamento.

A DP da LIP pode ser configurada entre 0,5 a 88,5 ms (conforme o aparelho) e deverá ser inferior ao tempo de relaxamento térmico da estrutura-alvo, de modo que o tecido circundante não seja danificado.24 Com a utilização de DP adequadas, as células da epiderme e os pequenos vasos podem reter mais o calor, resultando em danos térmicos seletivos (princípio da fototermólise seletiva).

Com a administração de altas fluências e DP curtas, tem havido relatos de púrpura transitória, crostas, discromia (hiper ou hipopigmentação), que são normalmente resolvidos dentro de 4-6 meses.36

Em nosso relato, não se realizou biópsia de pele pelo risco de cicatriz inestética, o que torna impossível identificar a profundidade dos vasos sanguíneos da referida lesão. Devido a relatos na literatura sobre as respostas parciais e taxas consideráveis de recorrência da MVP relacionados ao PDL e outros equipamentos de baixa penetração, utilizou-se o laser Nd:YAG para potencializar os efeitos da LIP. O comprimento de onda de 1.064 nm foi usado para chegar aos vasos de maior calibre e mais profundos. Além disso, com as associações das duas fontes de luz, foi possível reduzir a fluência utilizada em cada uma delas separadamente, o que pode ter contribuído para a boa resposta ao tratamento e a ocorrência de poucos efeitos adversos.

CONCLUSÃO

Embora tenha havido avanço no tratamento de MVP nas últimas décadas, sua regressão completa é rara. Contudo, a utilização da LIP e Nd:YAG parece ser uma alternativa no tratamento de tal afecção, oferecendo resultados encorajadores com mínima incidência de efeitos adversos.

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