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Artigo Original

Preenchimento na região glabelar – dissecando as razões da alta incidência de complicações e cegueira

Carlos R. Antonio1, João R. Antonio1, Alessandra C. Garcia1, Adailza A. Correia1

Data de recebimento: 02/02/2012
Data de aprovação: 20/05/2012

Trabalho realizado para a disciplina de dermatologia da Faculdade Estadual de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) – São José do Rio Preto (SP), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Os preenchimentos constituem uma das opções mais procuradas na atualidade para tratar o envelhecimento. A glabela é área sujeita a complicações decorrentes da aplicação de preenchedores, sendo as mais comuns eritema transitório, reações granulomatosas, oclusão rterial e cegueira. Os mecanismos etiopatogênicos que levam à perda da visão após a injeção de preenchedores na região glabelar, porém, permanecem desconhecidos.
Objetivos: Avaliar a porcentagem de pacientes com obstrução grave da artéria carótida interna que apresentam reversão do fluxo carotídeo, com a finalidade de demonstrar um dos possíveis mecanismos que pode levar à maior incidência de complicações por preenchedores na glabela.
Métodos: Realizado estudo prospectivo, com duplex-scan no Serviço de Radiologia do Hospital de Base de São José do Rio Preto.
Resultados: Nossos resultados evidenciaram que a reversão do fluxo carotídeo (sistema carotídeo externo para o interno) em pacientes com obstrução hemodinamicamente significativa da artéria carótida interna é evento comum, possível de ser documentado, podendo acarretar sérias consequências, sendo a mais temível a cegueira.
Conclusão: O preenchimento na região glabelar deve ser evitado em razão do risco da reversão do fluxo carotídeo e posterior oclusão da artéria central da retina conduzindo à cegueira.

Keywords: ARTÉRIA CARÓTIDA INTERNA, CEGUEIRA, GLABELA


INTRODUÇÃO

As técnicas de preenchimento apresentam riscos de complicações precoces e/ou tardias, 1 sendo a glabela a região mais comumente sujeita a problemas de origem vascular pela realização desse procedimento; 1-4 56% de todos os eventos de necrose relatados na literatura após injeções de preenchimento com colágeno bovino ocorreram na glabela. 2 Também são descritos quatro casos de perda parcial da visão após preenchimento na região glabelar: um deles relacionado a polimetilmetacrilato, e três a implante de gordura autóloga. 5-8

Essa forte predisposição sugere origem anatômica ou mecânica. A glabela é suprida por poucos e pequenos vasos como nenhum outro tecido da linha medial. Dessa forma, a circulação colateral da glabela também seria menos competente do que a de outras áreas. 4 A vascularização na região glabelar é pobre e predominantemente terminal. 4 Assim, a obstrução dessas pequenas artérias pode ocorrer facilmente com injeções de materiais usados para preenchimento. Reações granulomatosas infecciosas e não infecciosas também são mais incidentes nessa região. 9

Os grandes questionamentos em relação à ocorrência de cegueira após injeções na glabela referem-se ao mecanismo e ao trajeto que o material percorre até atingir a artéria central da retina.

O duplex-scan é método radiológico que possibilita avaliação do calibre dos vasos, da presença de coágulos e de estreitamentos em seu interior, e da velocidade e direção do fluxo do sangue. O exame de duplex-scan fornece imagem colorida do fluxo sanguíneo (color Doppler), que facilita a identificação de pequenos vasos, expõe o sentido do fluxo do sangue e pode mostrar áreas de turbulência desse fluxo. 10-12

O objetivo deste trabalho foi pesquisar prováveis causas que possam levar à perda da visão após a realização de preenchimentos na área glabelar.

MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo, com a autorização dos pacientes, utilizando a varredura duplex-scan no Serviço de Radiologia do Hospital de Base de São José do Rio Preto, São Paulo, com o objetivo de avaliar a porcentagem de pacientes com obstrução grave da artéria carótida interna (superior a 70%) que apresentavam reversão do fluxo carotídeo O estudo foi realizado em duas fases. Na primeira, foi realizado duplex-scan na região cervical, em 122 pacientes (N = 122) de ambos os sexos, com idades variando de 43 a 79 anos, com a finalidade de detectar obstrução grave da artéria carótida interna. Na segunda fase, foram convocados os pacientes que apresentaram lesão grave na artéria carótida interna para realização de color Doppler na região glabelar, orbitária e periorbitária, com a finalidade de documentar reversão do fluxo carotídeo e assim demonstrar mecanismos e trajetos que podem levar a maior incidência de complicações na região glabelar.

RESULTADOS

Observou-se obstrução grave (superior a 70%) da artéria carótida interna em 14 dos 122 pacientes analisados (11,4%), dos quais sete (50%) foram novamente analisados através do color Doppler, tendo sido documentada a reversão do fluxo carotídeo em três deles (43%).

Esses resultados sugerem que a cegueira resultante de preenchimentos realizados na glabela poderia ser consequente a circulação colateral secundária desenvolvida por processo patológico prévio. A obstrução posterior dessa colateral pelo preenchimento durante a reversão do fluxo carotídeo conduziria esse material até a artéria central da retina levando à cegueira (Figuras 1 e 2). A participação desse eixo secundário evidenciase através da visualização do fluxo retrógrado pela técnica duplex-scan nas artérias oftálmicas 10-12 (Figura 3).

DISCUSSÃO

O termo glabela se origina do latim glabella, sem pelo, e corresponde à região localizada entre as sobrancelhas e eminência mediana, na parte vertical do osso frontal.

Durante muito tempo essa área não teve importância médica. As rugas dessa região representavam alterações estéticas que sinalizavam envelhecimento, preocupação, dificuldade visual ou excesso de atenção. Ganhou importância a partir do culto à beleza e principalmente após o surgimento das injeções de colágeno bovino e de toxina botulínica para fins estéticos.

As rugas glabelares se devem à tração dos músculos corrugador, prócero e orbicular do olho, e participam na expressão de censura e preocupação. Apresentam-se quando os músculos tracionam as sobrancelhas medial e inferiormente como reação à luz solar intensa e auxiliam na dificuldade visual.

Vários casos de cegueira total ou parcial, irreversíveis, têm sido relatados na literatura mundial após injeções de várias drogas na cabeça e no pescoço. 13,14

Até o presente momento, nenhum estudo tentou explicar o mecanismo que leva a injeção de um preenchimento a causar cegueira. Vascularização aberrante, shunt arteriovenoso, passagem pulmonar das drogas, vasoespasmo, microembolização e fluxo arterial retrógrado foram considerados. 5,13,14

Nossos resultados evidenciaram que a reversão do fluxo carotídeo (sistema carotídeo externo para o interno) em pacientes com obstrução hemodinamicamente significativa da artéria carótida interna é evento comum, passível de ser detectado, podendo acarretar sérias consequências, sendo a mais temível a cegueira.

CONCLUSÕES

As técnicas de preenchimento representam uma das principais alternativas para o tratamento do envelhecimento. As rugas glabelares, cuja causa é a ação dinâmica dos músculos depressores do supercílio, constituem uma das principais queixas estéticas, sendo a toxina botulínica a melhor alternativa para seu tratamento. Preenchimentos nessa região, porém, ainda são realizados, sem conhecimento de seus riscos inerentes. Este trabalho procurou elucidar mecanismos que aumentam a incidência de complicações das injeçoes de preenchimento na área glabelar e representa um alerta a todos os profissionais que executam essa técnica.

Referências

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