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Relato de casos

Resolução cirúrgica do eclabio através do retalho de Limberg

Luciana Abreu1, Maria Isabel Cárdenas1, Fernanda Campany1, Joaquim José Teixeira de Mesquita Filho1

Data de submissão: 21/08/2011
Data de aprovação: 06/12/2011

Trabalho realizado no Instituto de
Dermatologia Professor Rubem David Azulay
- Santa Casa de Misericórdia do Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.

Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

O carcinoma basocelular é o câncer de pele mais frequente. Quando recidivados, tumores desse tipo têm taxas de cura inferiores à dos tumores primários, razão pela qual é preconizado tratamento cirúrgico com re-excisão através de cirurgia micrográfica ou com controle de margens por congelação. Relata-se caso de carcinoma basocelular recidivado de grandes proporções que, após exérese total e correção por meio de retalho de rotação e enxerto de pele total, evoluiu com eclábio. Essa complicação inestética foi corrigida num segundo tempo através do retalho de Limberg. Apresenta-se alternativa para correção de eclábio e enfatiza-se a necessidade de incluir na formação do cirurgião dermatológico o aprendizado para a resolução de complicações.

Keywords: CARCINOMA BASOCELULAR, RETALHOS CIRÚRGICOS, RECIDIVA LOCAL DE NEOPLASIA, LÁBIO


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é o tipo mais frequente de câncer de pele, correspondendo a cerca de 70% do total. Incide preferencialmente em adultos de pele clara, acima dos 30 anos de idade, sendo mais comum no sexo feminino, sobretudo, nos indivíduos com história de exposição solar excessiva. 1

Os CBCs são tumores constituídos por células morfologi- camente semelhantes às originadas na camada basal da epiderme e aparelho pilossebáceo. Metástases são raras e apresentam baixa mortalidade. A morbidade desse tumor relaciona-se à invasão local e à destruição de tecidos adjacentes. Localizam-se prefe- rencialmente nos dois terços superiores da face, e o subtipo clí- nico mais comum é o CBC papulonodular ou nodulocístico. 2

Dentre os fatores de alto risco para recidiva, destacam-se: localização nas regiões centromédia facial - que inclui sulco nasogeniano, lábio e nariz -, temporal, periorbital, mentoniana, mandibular, genital, acral e do pavilhão auricular; tamanho = 2cm, bordas mal definidas; determinados subtipos histológicos (esclerodermiforme, sólido infiltrativo, micronodular, metatípico), envolvimento peri-neural/perivascular e imunossupressão. 2-4

O tratamento deve ser individualizado. A exérese cirúrgica é a modalidade preconizada, pois permite a remoção completa da lesão, levando-se em conta a manutenção da funcionalidade e o melhor resultado estético possível, com respeito aos princí- pios oncológicos.

Estima-se que de 30% a 50% dos CBCs irão recorrer após excisão incompleta. 5 Os CBCs recidivados têm índices de cura inferiores aos primários e requerem margens periféricas maio- res. 2 Nos casos recidivantes, a re-excisão com controle intraope- raratório de margens por congelação ou cirurgia micrográfica de Mohs são os tratamentos de escolha. 6-8

MÉTODOS

Demonstra-se um caso de CBC esclerodermiforme recidi- vado de grandes dimensões que, após exérese completa da lesão e fechamento com retalho de avanço associado a enxerto de pele total, apresentou evolução com eclábio, que foi corrigido cirurgicamente em um segundo tempo através da utilização do retalho de Limberg.

A paciente em questão, do sexo feminino e com 71 anos de idade, apresentou-se ao exame clínico com lesão tumoral caracterizada por placa eritêmato-esbranquiçada de bordas irre- gulares e mal definidas, localizada na região bucinadora direita (Figura 1). Havia realizado diversas cirurgias prévias no local, com recidiva da neoplasia.

A lesão foi submetida a biópsia e diagnosticada como CBC esclerodermiforme recidivado. Realizaram-se exérese da lesão com margem de segurança de 5mm (Figura 2) e exame histo- patológico intraoperatorio de congelação, para avaliação das margens cirúrgicas comprometidas pela neoplasia infiltrante, em três fases consecutivas de congelação (Figura 3). Obtidas mar- gens livres do carcinoma na terceira fase, optou-se pelo fecha- mento com enxertia de pele total, após realização de um retalho de avanço para diminuir a área a ser enxertada (Figura 4).

RESULTADO

Após três meses de evolução, a paciente apresentou eclábio (eversão do lábio), corrigido num segundo tempo cirúrgico através da execução do retalho de Limberg.

Optou-se por esse retalho para a correção do eclábio, de modo a remover a área do enxerto que é menos estética, posi- cionar parte das incisões necessárias sobre o sulco nasogeniano, para camuflagem das cicatrizes, e desviar o lábio superior da ten- são máxima de fechamento da ferida, liberando-o da retração e possibilitando o retorno à posição normal (Figuras 5, 6 e 7).

DISCUSSÃO

Cerca de 2% dos CBCs são esclerodermiformes. Esse sub- tipo histológico é raro, de limites pouco definidos, caráter infil- trativo, além de manifestar-se frequentemente com agressivida- de local e altas taxas de recidiva, requerendo reconstruções mais elaboradas e difíceis. 3

Posteriormente à excisão total do tumor, a paciente descri- ta apresentou defeito cirúrgico complexo, de grandes dimensões e muito próximo a regiões de margens livres importantes da face, como a pálpebra inferior, a asa nasal e o lábio superior. Dessa forma, optou-se pela reconstrução com retalho de avanço asso- ciado a enxerto. Na evolução, entretanto, observou-se o surgi- mento de eclábio, que poderia ter melhorado espontaneamente, ao longo do tempo, pelo simples movimento natural da muscu- latura do lábio. Porém, no que se refere aos resultados estéticos e funcionais após a reconstrução de defeitos da face, os padrões atuais apresentam nível alto de exigência, sendo necessários pla- nejamento e execução minuciosos que levem a resultados satisfa- tórios, tanto para o cirurgião quanto para o paciente.

O fechamento primário de muitos defeitos de pele não é possível, e o recrutamento de porções de pele adjacente é impe- rioso para se obter reparo satisfatório. O lábio superior é impor- tante unidade estética da face, e sua reconstrução é um grande desafio para o cirurgião dermatológico.

O retalho romboide é do tipo transposição e foi descrito por Limberg em 1946. Considerado importante ferramenta do cirurgião dermatológico, pode ser usado em praticamente qual- quer local do corpo, sobretudo para defeitos romboides com ângulos de 60 e 120 graus. Isso se deve à simplicidade de seu desenho e à grande confiabilidade com que pode ser utilizado na reconstrução de defeitos cutâneos. As cicatrizes decorrentes desse retalho são bem previsíveis e geralmente causam distorção mínima das estruturas próximas. A maior tensão de fechamento encontra-se na área doadora, enquanto as outras porções da feri- da permanecem com tensão mínima; essas características são importantes quando se torna necessário evitar a distorção das estruturas vizinhas. 9 É retalho bastante descrito na literatura para reconstruções faciais. 10

CONCLUSÃO

Neste estudo, constatou-se a importância do domínio das técnicas referentes a enxertos e retalhos cutâneos locorregionais para a reconstrução de defeitos pós- cirúrgicos decorrentes da exérese de neoplasias cutâneas. Verificou-se, ainda, no caso des- crito, que a utilização do retalho romboide de Limberg pode ser alternativa bastante eficaz na correção do eclábio, com resulta- dos estético-funcionais satisfatórios (Figura 8).

Referências

1 . Neoplasias malignas da epiderme e anexos. In: Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Dermatologia. 5ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 605.

2 . Carcinoma basocelular. In: Janete FB, Cutait R. Projeto diretrizes. São Paulo: Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, 2002.

3 . Fatores de risco para o comprometimento de margens cirúrgicas nas ressecções de carcinomas basocelular. Rev Bras Cir Plást. 2008; 23(2): 116-9.

4 . Estudo epidemiológico de 230 casos de carcinoma basocelular agressivos em cabeça e pescoço. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2007; 36( 4): 230 -3.

5 . Recurrent Basal Cell Carcinoma After Incomplete Resection. Arch Dermatol. 2000; 136(11):1318-24.

6 . Guidelines for the management of basal cell carcinoma. Br J Dermatol. 2008; 159(1): 35-48.

7 . Dermatological Surgery Mohs micrographic surgery for treatment of basal cell carcinoma of the face-results of a retrospective study and review of the literature . Br J Dermatol. 2004; 151(1):141-7.

8 . Mohs surgery is the treatment of choice for recurrent(previously treated) basal cell carcinoma. J Dermatol Surg Oncol .1989; 15:424-31.

9 . Retalhos rombóides. In: Baker SR. Retalhos locais em reconstrução facial. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. p.215.

10 . The versatile rhomboid (Limberg) flap. Can J Plast Surg 2007;15(2):67-71.


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