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Artigo Original

Recidiva de acne após tratamento com isotretinoína oral: seguimento de cinco anos

Carolina Ribas do Nascimento1, Ana Luíza Grizzo Peres Martins1, Simone de Padua Milagres1, Ivander Bastazini Jr1

Recebido em: 10/05/2011
Aprovado em: 01/09/2011

Trabalho realizado no Instituto Lauro de
Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.

Conflitos de Interesses: Nenhum
Suporte Financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: A isotretinoína foi inicialmente utilizada no tratamento da acne inflamatória grave, sendo atualmente bem reconhecida como tratamento de sucesso para acne vulgar. Muitos são os fatores associados com a recorrência da doença, que varia entre 5,6% e 65,4%. Há muita controvérsia sobre a importância e a contribuição de cada um desses fatores.
Objetivos: Determinar a taxa de recidiva dos pacientes que receberam tratamento comple- to com isotretinoína oral (dose entre 120 e 150mg/kg) e fatores associados ao risco.
Métodos: Estudo retrospectivo a partir de dados de 276 pacientes tratados com isotretinoí- na. Após período mínimo de 30 meses a contar do término do tratamento realizou-se a aná- lise. Considerou-se recidiva o surgimento de lesões ativas que necessitassem de retratamento.
Resultados: Houve 25,53% de recidiva nos pacientes que fizeram dose completa, e 81,03% nos que receberam dose incompleta. Os demais fatores estudados não demonstraram signifi- cância estatística.
Conclusão: A isotretinoína oral é tratamento efetivo em produzir redução significativa e de longa duração da acne. No entanto, deve ser reforçado o fato de que recidivas ocorrem com frequência significativa principalmente quando não se atingem as doses preconizadas.

Keywords: ACNE VULGAR, ISOTRETINOÍNA, RECIDIVA


INTRODUÇÃO

A acne está entre as doenças dermatológicas mais prevalen- tes, 1 podendo afetar a qualidade de vida dos pacientes e causar relevantes repercussões psicossociais.

A isotretinoína (ácido 13-cis-retinoico) foi inicialmente utilizada no tratamento da acne inflamatória grave, em 1976 na Europa e em 1982 nos Estados Unidos. Seu emprego transfor- mou a abordagem da terapêutica da acne grave e resistente, sendo atualmente bem reconhecida como tratamento de suces- so para acne vulgar. 2-4

Sabe-se que esse retinoide tem diversos mecanismos de ação através da ligação a receptores específicos, incluindo: inibição da atividade da glândula sebácea, diminuição de seu tamanho e redu- ção da produção lipídica; modulação da proliferação e da diferen- ciação epitelial; efeito imunológico e anti-inflamatório e dimi- nuição da proliferação do Proprionibacterium acnes no folículo. 4-6

É considerado o tratamento mais efetivo para acne devido a sua capacidade de induzir remissão completa e prolongada em todos os graus da doença, sendo preconizadas doses diárias entre 0,5 e 2mg/kg, e dose acumulada total entre 120 e 150mg/kg. 7,8 No entanto, recidivas são frequentes na literatura e na prática diária, apesar do tratamento completo. Muitos são os fatores associados com a recorrência da doença, que varia entre 5,6% e 65,4%. 2 Sugere-se que essa enorme variação esteja relacionada a diversos fatores e à interação entre eles, como dose média diá- ria, dose cumulativa, duração do tratamento, assim como varia- ções nas características individuais: sexo, idade, grau e localiza- ção da acne. Há muita controvérsia sobre a importância e a con- tribuição de cada um desses fatores nas taxas de recidiva. 9

MÉTODOS

Com o objetivo de determinar a taxa de recidiva dos pacientes que receberam tratamento completo com isotretinoí- na oral (dose acumulada entre 120 e 150mg/kg) em serviço público de saúde (Instituto Lauro de Souza Lima/Bauru, SP, Brasil), e identificar possíveis fatores de risco relacionados à reci- diva da acne, realizou-se estudo retrospectivo, a partir de dados coletados de prontuários de 1.167 pacientes atendidos com diag- nóstico de acne entre 01/01/2005 e 31/12/2006 em ambulató- rio geral de dermatologia. Nesse período, 276 pacientes fizeram uso de isotretinoína, fornecida gratuitamente pelo programa de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde. Desse total, 188 terminaram o tratamento com dose completa, e 58 abando- naram o tratamento com dose incompleta, embora com no mínimo três meses de uso. O restante foi excluído por usar a medicação durante menos de três meses e/ou por impossibilida- de de contato após período de seguimento.

Coletaram-se dados sobre: sexo, idade, grau da acne, local das lesões, dose total de isotretinoína (considerando tratamento completo dose acumulada entre 120 e 150mg/kg) e tempo de tratamento. Após período mínimo de 30 meses a contar do tér- mino da medicação, responderam a questionário através de con- tato telefônico, quanto à recidiva ou não da acne, utilização de tratamentos de manutenção e uso de contraceptivos orais nesse período. Foi considerada recidiva o surgimento de lesões ativas que, na opinião do paciente, necessitassem de tratamento.

Este trabalho foi realizado seguindo-se as normas éticas da Declaração de Helsinki.

Na comparação estatística entre os diferentes fatores e a ocor- rência de recidiva ou não foi empregado o teste Qui-Quadrado e o teste exato de Fisher, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dos 188 pacientes que completaram o tratamento, 145 eram do sexo masculino (77,12%) e 43 do feminino (22,87%). A idade média no início do tratamento foi 18,1 anos, sendo 17,4 para os homens e 20,2 para as mulheres.

Em relação ao grau da acne, 22 pacientes (11,7%) foram diagnosticados como grau 2 (papulopustulosa), 146 (77,65%) como grau 3 (nódulo cística) e 20 (10,63%) como grau 4 (conglobata).

Quanto à localização, 29 pacientes (15,42%) tinham lesões apenas na face, e 159 na face e no tronco (84,57%), não tendo nenhum só apresentado lesões no tronco. Quando relacionamos localização com recidiva, encontramos que aqueles com acne só na face tiveram 13,79% de recidiva, enquanto os que apresenta- ram lesões na face e no dorso tiveram 27,67% (Tabela 1).

O tempo médio de uso de isotretinoína foi de 8,6 meses, sendo o tratamento mais curto de quatro meses, e o mais longo de 15 meses. Com relação à duração do tratamento, nos que ter- minaram entre quatro e oito meses, encontramos 23,16% de recidiva, e naqueles com tratamento superior a oito meses, 27,96% (Tabela 2).

Do total de 58 mulheres que usaram isotretinoína, apenas 43 atingiram dose completa, fazendo parte desta análise; 17 des- tas mantiveram o uso de anticoncepcional oral após término do tratamento. Nesse grupo, a taxa de recidiva foi de 29,41%, enquanto a das que não usaram anticoncepcional pós-tratamen- to foi de 15,38%(Tabela 3) .

Apenas 26 pacientes (13,82%) fizeram uso de tratamentos tópicos durante o período de observação. Destes, 11 tiveram recidiva (42,31 %); dos 162 que não utilizaram, 37 recidivaram (22,8%) (Tabela 4).

Entre pacientes do sexo feminino houve nove casos de recidiva (20,93%), e entre os do sexo masculino, 39 (26,89%).

Após avaliação estatística dessas variáveis quanto à ocorrên- cia de recidiva ou não, nenhuma delas se mostrou estatistica- mente significativa.

Por outro lado, quando comparamos o uso de dose com- pleta com o de dose incompleta de isotretinoína, houve diferen- ça estatisticamente significativa quanto à recidiva. Nos pacientes que fizeram dose completa, encontramos 48 casos de recidiva (25,53%). Dos 58 pacientes que não atingiram dose completa, mas usaram a medicação durante mais de três meses, 47 (81,03%) recidivaram (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Ao longo de mais de 30 anos de uso da isotretinoína, diver- sos autores encontraram taxas de recidivas muito variáveis. Isso se deve a diferentes critérios de inclusão dos pacientes, definição de recidiva, diferenças na dose diária e, principalmente, na dose cumu- lativa, além da duração do tempo de seguimento. Taxas que variam de 23,2% até 65,3%10-12 ilustram essa dificuldade. Neste estudo a taxa de recidiva com tratamento completo foi de 25, 53%.

Confirmando achados da literatura, nossa taxa de recidiva em pacientes que receberam dose inferior a 120mg/kg foi de 81,03%. Isso demonstra que atingir a dose mínima recomenda- da é o principal fator relacionado à manutenção prolongada dos efeitos do tratamento.

Com relação a fatores individuais, como sexo, idade de iní- cio do tratamento, grau de intensidade da acne e localização das lesões, não conseguimos demonstrar relação significativa deles com o risco total de recidiva. Também não há consenso na lite- ratura, visto que alguns autores encontraram recidivas mais fre- quentes nos pacientes que apresentavam apenas lesões na face, outros, naqueles com lesões no dorso. Alguns ainda encontraram maior recidiva em mulheres com mais de 25 anos, e outros em homens mais jovens. 3 Esses achados podem ser devidos a dife- renças nas populações focalizadas.

O número de homens que usou isotretinoína no período estudado foi muito superior ao de mulheres, infere-se que pelo risco teratogênico e pelo fato de que muitas mulheres podem apresentar melhora significativa apenas com o uso de anticon- cepcionais. Além disso, a idade média de início da medicação nos homens foi de 17,4 anos e nas mulheres, 20,2. Isto talvez decorra do fato de ter-se tentado outras medicações por mais tempo em função de igual receio.

Quando os pacientes atingiram dose completa, apesar da taxa de recidiva um pouco maior naqueles com tempo mais longo, isso não foi significativo estatisticamente. Sugere-se que não há diferença em atingir a dose completa em curto espaço de tempo, com altas doses diárias, em vez do aumento gradativo da dose diária até que seja atingida a dose completa.

O uso de anticoncepcional oral após o término do trata- mento completo não demonstrou reduzir as taxas de recidiva, contrariando as expectativas dos autores. Mesmo quando anali- samos o grupo total de mulheres (dose completa e incompleta) não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao uso de anticoncepcionais. Isso pode ser devido ao pequeno tamanho da amostra de mulheres estudadas.

A elevada taxa de recidiva daqueles que usaram tópicos após o tratamento completo (42,31%) em relação aos que não o fizeram (22,84%) sugere um viés, visto que o grupo que começa a ter novas lesões tem mais chance de aderir a medi- cações tópicas. Além disso, o número de usuários de medica- ções tópicas foi muito pequeno. Mesmo assim, o uso ou não de tópicos após a alta não foi significativo com relação ao risco de recidiva.

CONCLUSÃO

A isotretinoína oral é tratamento efetivo em produzir redu- ção relevante e de longa duração da acne. No entanto, deve ser reforçado o fato de que recidivas ocorrem com frequência sig- nificativa principalmente quando não se atingem as doses pre- conizadas.

Referências

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