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Relato de casos

Nevo melanocítico congênito - tratamento cirúrgico

Ed Wilson Tsuneo Rossoe1, Lucia Mensato Rebello Couceiro1, Gabriele Spercoski Gonçalves Salles1, Antônio José Tebcheran1, Tereza Cristina dos Santos1

Recebido em: 12/09/2010
Aprovado em: 09/03/2011

Trabalho realizado no Complexo Hospitalar
Padre Bento de Guarulhos (CHPBG) – São Paulo (SP), Brasil.

Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Nevos melanocíticos congênitos gigantes são lesões raras que apresentam risco aumentado de transformação em melanoma cutâneo.Quando localizados na face podem causar deficit neurológicos, incluindo melanocitose leptomeníngea e epilepsia. Implicam risco de comprometimento estético importante. Relata-se caso de paciente do sexo feminino, de 17 anos, com nevo melanocítico congênito acometendo um terço da hemiface direita. Foi submetida à ressecção da lesão e reconstrução com enxerto de pele parcial em um único tempo cirúrgico. O objetivo deste trabalho é demonstrar proposta terapêutica para nevos melanocíticos congênitos localizados em região periorbital.


Keywords: NEVO PIGMENTADO, NEVOS E MELANOMAS, PELE, TRANSPLANTE AUTÓLOGO


INTRODUÇÃO

O nevo melanocítico congênito apresenta-se ao nascimento sob a forma de placa de coloração escura, com pelos e superfície verrucosa ou espessa. Afeta 1% dos recém- nascidos. 1,2 A maioria dos nevos melanocíticos é pequena, porém alguns atingem grande extensão.Há várias definições para nevos melanocíticos gigantes (NMG), de acordo com o tamanho e a localização. Kopf e colaboradores sugerem dimensão arbitrária de 20cm; Pilney e colaboradores consideram gigante um nevo na face se ele não puder ser completamente excisado e suturado primariamente em um único tempo cirúrgico; e Perhs, toma por medida a palma da mão. 3

A incidência exata de melanoma em NMG é desconhecida,mas acredita-se envolver risco de quatro a 10% ao longo da vida. 1 Rhodes também calculou esse risco e o considerou 16 vezes maior nos pacientes com NMG do que na população geral. 3 Lesões na cabeça, pescoço e linha média posterior, e aquelas gigantes com lesões-satélites estão sob risco de envolvimento leptomeníngeo e neurocutâneo.

Nevos faciais pigmentados extensos ocasionam comprometimento estético e dificuldades psicossociais. 3 O propósito do tratamento consiste na remoção total da lesão e reconstrução objetivando estética e função.

Várias técnicas de reconstrução são propostas, como enxertos cutâneos de espessura parcial ou total, rotação de retalhos, expansores teciduais ou ainda o uso de células de pele autóloga cultivadas.

O objetivo deste estudo é apresentar o tratamento cirúrgico para o NMG facial com reconstrução através de enxerto de pele parcial.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, de 17 anos, procedente de Barretos, SP, apresentou-se à consulta com placa enegrecida, de bordos regulares, assimétrica, acometendo terço médio da face à direita, incluindo regiões periorbital, maxilar, malar e o terço inferior da frontal ipsilateral, medindo 9cm de extensão no maior eixo (Figura 1).

Os exames clínico geral e neurológico não apresentaram alterações.

A paciente foi submetida à exérese total da lesão (Figura 2), realizando-se reconstrução com enxerto de pele parcial da coxa direita e fixação com curativo de Brown (Figuras 3 e 4).

Na evolução ocorreu a formação de cicatriz hipertrófica, que melhorou após infiltrações intralesionais de corticosteroide (triancinolona acetonida 40mg/ml, suspensão injetável). Foram realizadas duas aplicações de 20mg/ml, com intervalo de 30 dias associadas ao uso de placa de silicone para compressão local. Apresentou no pós-operatório resultado satisfatório (Figuras 5 e 6). Na região superciliar foi realizada camuflagem cosmética com tatuagem.

O exame anatomopatológico evidenciou agrupamentos de células névicas sem atipias na junção derme-epiderme e na derme superficial e média, caracterizando nevo melanocítico composto (Figura 7).

DISCUSSÃO

Em 1832, a revista Demograph Dermatology publicou um tipo de nevo em "cintura e calção de banho". Relato mais acurado de um NMG ocorreu em 1869, e seu potencial maligno foi referido por Jablokoff e Klein dez anos depois. Em 1939, Conway relatou 40 casos; em 1959, Russel e Reyes revisaram 53; e Greeley et al apresentaram 56 casos, dos quais metade envolvia face e mão. 4

Aproximadamente 2% de todos os melanomas ocorrem em crianças e adolescentes.Nessa faixa etária os melanomas tendem a ser mais agressivos por atraso no diagnóstico e tendência a maior espessura (>1,5mm). Um terço dos casos se origina em nevos melanocíticos congênitos. Os sinais sugestivos de melanoma incluem nódulos, irregularidades de margem e textura, e variações colorimétricas.Além disso, células malignas também podem originar-se de melanócitos dérmicos e tecido subcutâneo, o que dificulta a monitorização visual. 1

Margulis et al. fizeram referência aos problemas funcionais que os NMG periorbitais podem ocasionar, como ptose devido ao peso que coloca sobre a pálpebra superior, ectrópio secundário ao crescimento exofítico na pálpebra inferior e irritação crônica da córnea por crescimento desordenado de cílios. 5

Há controvérsias de quando as lesões devem ser removidas. Muitos recomendam a excisão precoce, apesar de não serem conhecidos o risco real de malignização e o tamanho de lesão que indica grupo de risco. 3 Arons et al. concordam com Rhodes quanto ao início do tratamento entre 10 e 14 meses de vida. 6 Warner et al. preferem começar aos seis meses, argumentando haver boa elasticidade da pele nessa idade e aumento do risco de transformação maligna ao três anos. 1

Vários procedimentos terapêuticos foram propostos, como aplicação tópica de ácido nítrico, fenol, neve carbônica, eletrodessecção, irradiação, dermabrasão e,mais recentemente, o laser. A grande desvantagem desses tratamentos é a impossibilidade da avaliação histológica da lesão névica.

Margulis et al. trataram 44 pacientes com lesões palpebrais e periorbitais através de enxertos de espessura total de expansão supraclavicular como primeira escolha para nevos maiores e reconstrução de tecidos adjacentes após seis meses, para evitar distorção de canto palpebral e ectrópio cicatricial devido à retração dos enxertos. 5 Gur e Zuker em seu algorítimo cirúrgico para nevos faciais complexos utilizaram z-plastia em dois casos e, em 11, a reconstrução seriada, incluindo expansão tecidual, retalhos, enxertos e excisões seriadas. As lesões periorbitais maiores foram enxertadas com pele de espessura total retroauricular. 3 Warner et al., além da combinação de expansão tecidual e enxerto, usaram células cutâneas autólogas cultivadas, pois esse método confere resultado cosmético, maleabilidade e durabilidade comparável ao enxerto, e reduz a morbidade da área doadora. 1

Retalhos e enxertos cutâneos são os procedimentos cirúrgicos principais para reparação tecidual. Os primeiros constituem-se em transferências de tecidos conectados a um pedículo vascular, podendo ser locais, para cobertura de área próxima à da perda tecidual, ou a distância, para região não contígua, transferidos de maneira livre ou indireta com retalhos tubulares. Os retalhos locais são vantajosos por apresentar pele com características praticamente iguais às da pele com defeitos; na face, porém, nem sempre são aceitos devido às alterações fisionômicas que podem ocasionar. 7 Os enxertos são secções de pele completamente destacadas da área original, sem um pedículo, e transferidas para a área a ser reparada. Diferenciam- se de acordo com a espessura da derme, em enxertos parciais ou totais, podendo ser finos (0,15-0,3mm), intermediários (0,3- 0,45mm) ou espessos (0,45-0,6mm). Os de espessura total são superiores a 0,6mm. 7 Os intermediários são bem indicados para lesões de face com mais de 3cm. Os sítios doadores são face lateral e medial de coxa, antebraço e glúteo.

Os enxertos são removidos com lâminas de Blair ou dermátomos elétricos ou pneumáticos. Após a fixação do enxerto é desejável a aplicação de curativo compressivo para promover contato direto com o leito vascular e imobilização quase completa. 7 O processo de integração do enxerto ocorre entre cinco e sete dias, quando a vascularização se completa, ocorrendo retração e posterior distensão no prazo de um a dois meses. A reinervação ocorre nesta última fase, bem como as modificações de coloração. 7

As complicações tardias relatadas são ectrópio em 6% dos casos e cicatrizes inestéticas em 16,7%. 3

Conclui-se que o tratamento cirúrgico do nevo melanocítico congênito de região periorbital possibilita reduzir a chance de malignização e corrigir estigmas causados pela deformidade estética.Os enxertos de pele constituem excelente método reconstrutivo após a ressecção de NMG.

Referências

1 . Warner PM, Yakuboff KP, Kagan RJ, Boyce S, Warden GD. An 18-Year Experience in the Mana gement of congenital Nevomelanocytic Nevi. Ann Plast Surg. 2008;60(3): 283-7.

2 . Hernández F, Rivas S, Leal N, Diaz M, Martinez L, Roz Z, et al. Nevus congênitos gigantes: pasado, presente y futuro. Cir Pediatr.2003;16(2):58-60.

3 . Gur E, Zuker RM. Complex Facial Nevi: A Surgical Algorithm. Plast Reconstr Surg. 2000;106(1):25-35.

4 . Pilney FT, Broadbent TR,Woolf RM. Giant Pigmented Nevi of the Face: Surgical Management. Plast Reconst Surg.1967;40(5): 469-74.

5 . Margulis A, Adler N, Bauer BS. Congenital Melanocytic Nevi of the Eyelids and Periorbital Region.Plast Reconstr Surg.2009;124(4):1273-83.

6 . Arons MS, Hurwitz S. Congenital Nevocellular Nevus: A Review of the Treatment Controversy and a Report of 46 Cases. Plast Reconstr Surg. 1983;72(3):355-65.

7 . Andreassi A, Bilenchi R, Biagioli M, D''Aniello C. Classification and pathophysiology of skin grafts. Clin Dermatol.2005;23(4):332-7.


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