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Artigo Original

A dermatoscopia na detecção precoce, controle e planejamento cirúrgico dos carcinomas basocelulares

Luis Fernando Kopke1

Recebido em: 15/05/2100
Aprovado em: 15/06/2011

Trabalho realizado na clínica privado do autor
em Belo Horizonte (MG) e Florianópolis (SC),
Brasil.

Conflitos de Interesses: Nenhum
Suporte Financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: A dermatoscopia observa detalhes imperceptíveis a olho nu, como os padrões de vascularização arboriforme dos carcinomas basocelulares, que podem estar relacionados com o limite tumoral. O exame clínico pode falhar na detecção precoce e delimitação da extensão dessas lesões.
Objetivos: Estudar a utilização da dermatoscopia nesses tumores visando a sua detecção precoce e à delimitação de sua extensão.
Métodos: Estudaram-se 123 carcinomas basocelulares com dermatoscopia, prospectiva- mente, de forma não randomizada, em clínica privada, efetuando varredura com o der- matoscópio em áreas suspeitas, principalmente no nariz. Caso o padrão vascular fosse identificado, o tumor seria delimitado pela dermatoscopia.A incisão se daria nessa mar- cação. Observou-se a margem cirúrgica com amostragem convencional, cortes seriados ou cirurgia micrográfica.
Resultados: 92% dos tumores se localizaram na face.Destes, 59% eram mal delimitados, 21% bem delimitados, e 20% clinicamente imperceptíveis. O padrão vascular não foi observado em 17,9% dos tumores, mas quando identificado, delimitou o tumor correta- mente em 84% dos casos (destes, 44% verificados com amostragem convencional, 48% com cirurgia micrográfica, e 8% com cortes seriados).
Conclusões: A dermatoscopia é importante instrumento na detecção precoce e na delimitação de sua extensão superficial, auxiliando no planejamento cirúrgico e controle clínico dos carcinomas basocelulares.


Keywords: DERMOSCOPIA, CARCINOMA BASOCELULAR, CIRURGIA DE MOHS, VASOS SANGUÍNEOS, CAPILARES


INTRODUÇÃO

Embora seja o carcinoma basocelular o câncer mais comum do ser humano, seu diagnóstico clínico nem sempre é fácil. Prova disso foi o estudo realizado em 1987 por Presser & Taylor, que revelou apenas 70% de acerto diagnóstico utilizando apenas o critério clínico, em meio acadêmico. 1

Não só o diagnóstico pode ser difícil, como também é muitas vezes desafiador tentar-se delimitar o tumor, sobretudo aqueles de crescimento predominantemente infiltrativo, em bases puramente clínicas.Nesse caso, a aplicação do conceito de margem de segurança pode não se justificar, indicando-se a realização da cirurgia micrográfica. 2

A dermatoscopia já demonstrou seu grande valor na avaliação dos tumores cutâneos, passando a ser instrumento indispensável no cotidiano do dermatologista. 3 Inicialmente mais voltada para as lesões pigmentadas da pele, hoje é crescente sua aplicação em todo tipo de tumor cutâneo. A maioria dos carcinomas basocelulares, porém, não é pigmentada, relegando a leitura do pigmento a segundo plano nesses tumores e realçando a necessidade da identificação de outro achado dermatoscópico característico: sua vascularização. Kreusch e Koch em suas observações sobre a vascularização dos tumores cutâneos, descreveram vasos arboriformes em 95% dos carcinomas basocelulares examinados. 4 Além disso, Kreusch teoriza que os limites tumorais dos basocelulares possam coincidir com o limite observado em sua vascularização, pois os vasos capilares dos basocelulares emergem na periferia desses tumores, caminhando por cima da lesão. 5 Como o padrão vascular nos basocelulares difere substancialmente das teleangiectasias da pele normal, visíveis muitas vezes até a olho nu, o encontro isolado desse tipo de vascularização pela dermatoscopia pode alertar sobre a presença de lesão tão inicial, que é praticamente imperceptível ao exame clínico. Considerando-se que pacientes com história pregressa de carcinoma basocelular têm 40% mais chance do que a população em geral de desenvolver novo basocelular, 6 ocorrendo a maioria dessas lesões na face, principalmente no nariz, 7 o encontro precoce desse tumor ainda não visível clinicamente seria de grande importância no controle desses pacientes.

Se a dermatoscopia já demonstrou sua grande utilidade nas lesões pigmentadas, pouco se estudou sobre sua utilização nas lesões não pigmentadas, em particular no câncer mais comum do ser humano, o carcinoma basocelular. Nesse sentido, reconhecer precocemente e delimitar esse tumor teriam enorme impacto em seu controle e planejamento cirúrgico. É o que este estudo pretende mostrar.

MÉTODOS

No período de setembro de 2007 a julho de 2010, na clínica privada do autor, 123 carcinomas basocelulares foram examinados com dermatoscopia, prospectivamente, em estudo aberto não randomizado.

Se clinicamente o tumor fosse identificável, isto é, a dermatoscopia se mostrasse dispensável do ponto de vista diagnóstico, o exame seria realizado no sentido de delimitar o tumor, a fim de melhor planejar o tratamento cirúrgico. A marcação foi feita simplesmente de forma a englobar toda a região do tumor identificada pela presença do padrão arboriforme. A incisão foi realizada de forma a incluir a marca na periferia da peça cirúrgica, sem margem de segurança adicional.

A decisão de se realizar cirurgia convencional ou micrográfica seguiria mais a situação clínica do que a exatidão dos dados dermatoscópicos. Caso uma cirurgia micrográfica fosse indicada seria utilizado o método de Munique para que a relação tumor/margem pudesse ser examinada. Segundo esse método, toda a peça cirúrgica e não somente sua face externa (margem cirúrgica) é estudada por meio de cortes paralelos sequenciais a cada 50-100 micra, partindo do fundo até atingir a borda epidérmica do espécime. Dessa forma, mesmo que o tumor tenha sido totalmente extirpado, mas não toque a margem cirúrgica, ele pode ser visto em relação a ela.

Se clinicamente o tumor não fosse identificável, seria realizada na área suspeita varredura com o dermatoscópio, procurando-se identificar o padrão vascular característico. Em pacientes que retornavam periodicamente para exame de rotina, caso houvesse história de carcinomas basocelulares, varredura com o dermatoscópio seria realizada em todo nariz,mesmo que não houvesse suspeita clínica.

Todos os casos foram fotografados, tanto a clínica quanto o quadro dermatoscópico. Utilizou-se dermatoscópio estereoscópico de grande aumento (até 60x), fabricado por Kocher GmbH (Mössingen – Alemanha). (Figura 1). As fotos foram captadas com câmera Sony Cybershot DSC F717 com o adaptador Optiview (Optiview Ltda. São Paulo – Brasil) ou com o Fotofinder® (Fotofinder Systems GmbH – Alemanha).

RESULTADOS

Localizaram-se na face 92% dos 123 tumores observados. Deles, 59% eram clinicamente mal delimitados, 21% bem delimitados, e 20% eram clinicamente imperceptíveis. Destes últimos, totalizando 25 tumores, apenas cinco estavam localizados fora do nariz, tendo sido descobertos por varredura com o dermatoscópio na área apontada pelo paciente como suspeita, por já ter apresentado um pequeno sangramento ou descamação. Porém, do ponto de vista clínico, nada levantaria a suspeita de se tratar de carcinoma basocelular.

Não se pode observar o padrão vascular em 22 (17,9%) dos 123 carcinomas basocelulares, embora a biópsia prévia e a própria cirurgia do caso demonstrassem a presença histológica do carcinoma. Apenas um caso desses 22 tumores era clinicamente bem delimitado. E só em dois se evidenciou pigmento na dermatoscopia, em pequena quantidade.

Dos 101 basocelulares com vasos arboriformes identificáveis à dermatoscopia (82,1% do total), todos eles tiveram seus limites laterais demarcados pelos achados dermatoscópicos, sendo que em 84% das vezes a margem cirúrgica não estava comprometida.Desses 101 basocelulares, 44 casos foram verificados com amostragem convencional (44%), nove com cortes seriados (8%) e 48 com cirurgia micrográfica pelo método de Munique (48%).

Analisando-se apenas os tumores operados com cirurgia micrográfica, 16 casos apresentaram margens comprometidas no primeiro estádio (33%),mas, deles, cinco casos não evidenciaram presença de tumor no segundo estádio. Em oito casos, havia tumor até o segundo estádio. Em três casos havia carcinoma basocelular residual até o terceiro estádio.

Observou-se um caso de falso-positivo, com achado dermatoscópico de vasos arboriformes e achados histopatológicos de nevo melanocítico intradérmico associado a hiperplasia sebácea, em lesão localizada no nariz.

DISCUSSÃO

A porcentagem de carcinomas basocelulares que apresentou padrão vascular arboriforme neste estudo está bem abaixo da encontrada por Kreusch e Koch. 4 Talvez isso se explique pela amostragem diferente nos dois locais de estudo. Minha clínica privada recebe grande número de casos encaminhados para cirurgia micrográfica, ou seja, geralmente são tumores recidivados uma ou mais vezes, ora sepultados por retalhos ou que não apresentam mais as características clínicas usuais dos basocelulares, ora tendo perdido sua parte característica mais visível e diagnosticável na cirurgia anterior, e ali se encontram para resolver o problema da margem cirúrgica comprometida, apresentando clinicamente apenas uma cicatriz da última cirurgia. Por exemplo, quatro dos 25 casos de tumores clinicamente imperceptíveis tinham história comum. Apresentaram-se como casos de margem cirúrgica comprometida, mas clinicamente nada mostravam exceto a cicatriz, sendo negativos os primeiros achados dermatoscópicos. Como a revisão da lâmina do exame histopatológico que tinha laudo de margem comprometida mostrou que possivelmente se tratava de um caso de falso-positivo (espécime sem tinta na margem, artefatos produzidos na manipulação da amostra cirúrgica, etc.), 2 optou-se pela observação periódica do caso.No espaço de seis meses a um ano, sem que houvesse ainda sinais clínicos, começou-se a observar o surgimento do padrão vascular (exame de varredura) no local suspeito, indicando a realização de cirurgia micrográfica. Esses casos não foram contabilizados como negativos do ponto de vista dermatoscópico, mas como exemplo dos 25 tumores imperceptíveis clinicamente, achados pela dermatoscopia.

É importante observar que o dermatoscópio utilizado produz imagem estereoscópica e de grande aumento, diferente da maioria dos dermatoscópios utilizados na rotina. Por vezes, a fina e delicada vascularização arboriforme evidenciada por ele pode passar despercebida de exames dermatoscópicos que, apenas por questão de menor resolubilidade óptica, dificultam ou mesmo impedem o reconhecimento do tumor ainda clinicamente imperceptível. 5 Até a captação da imagem por fotografia pode ser difícil, comparada com a visualização mais clara e direta que esse dermatoscópio oferece.

Na amostragem analisada, apenas 21% dos carcinomas basocelulares eram clinicamente bem delimitados, apenas um deles não tendo mostrado o padrão vascular arboriforme característico, isto é, 79% da amostra se compunha de tumores sem características clínicas confiáveis para sua correta delimitação, o que foi feito exclusivamente pela dermatoscopia.

Ao contrário de algumas publicações 8,9 ou comunicações em congressos, 10 a marcação realizada nesse trabalho baseou-se quase exclusivamente na interrupção do padrão vascular à dermatoscopia (dado imperceptível do ponto de vista clínico), o que não se percebe, no tocante às fotografias publicadas, nos referidos trabalhos[não entendi o que tarjei de cinza]. O presente artigo segue mais o padrão dermatoscópico descrito por Kreusch e Koch4 e recentemente revisto por Zalaudek, 11 tendo sido só esse o critério utilizado para delimitação dos tumores, muito mais do que a presença de pigmento, observada em apenas dois casos. 5 Ainda existe pouca literatura sobre o assunto, e o autor desconhece dados semelhantes publicados anteriormente em relação ao reconhecimento desse padrão vascular característico dos basocelulares no que se refere à sua utilização para delimitação dermatoscópica do tumor ou mesmo para diagnóstico precoce. Talvez isto se deva ao tipo de dermatoscópio utilizado. (Figuras 2 e 3)

O método de cirurgia micrográfica adotado para a verificação da margem cirúrgica é particularmente útil, uma vez que pelo método de Munique a relação tumor/margem pode ser estudada. Mesmo que a margem cirúrgica esteja livre, pode-se observar o local em que o tumor se encontrava, o que não ocorre em métodos periféricos de cirurgia micrográfica. 12 Analisando-se apenas os casos operados com cirurgia micrográfica, não se encontrou tumor residual no segundo estádio em cinco dos 16 casos com margens comprometidas no primeiro estádio. Dessa forma, pode-se supor que, nesses casos, o encontro de tumor nas margens possa ter caracterizado o que se chama de margens coincidentes. Esse paradoxo na análise das margens cirúrgicas já foi abordado em outro trabalho, 2 mas serve para mostrar que na realidade a marcação pela dermatoscopia da margem lateral estava correta.Dos 48 casos operados com cirurgia micrográfica, apenas 11 (23%) apresentaram margens realmente comprometidas, dos quais oito casos tiveram dois estádios, e apenas três casos, três estágios. A cirurgia micrográfica, porém, não foi indicada para conferir a dermatoscopia, mas em função da situação clínica, principalmente ditada por recidivas, bordas mal delimitadas ou margens comprometidas na cirurgia anterior.

O índice de 84% de negatividade das margens cirúrgicas pode ser questionado, pois esse dado foi verificado com cirurgia micrográfica em 48% da amostra.Comparativamente,Caresana e Giardini obtiveram 98,5% de negatividade em seus casos, porém nenhum foi verificado com cirurgia micrográfica. Também excluíram da amostra basocelulares esclerodermiformes, sendo todos os 200 tumores observados do tipo nodular. 8

A amostra deste estudo compreendia 79% de tumores mal delimitados ou clinicamente inaparentes, sendo que o índice de 84% de negatividade foi verificado em quase metade da amostra com cirurgia micrográfica. Seria interessante observar-se a real condição das margens cirúrgicas de todos os casos, realizando cirurgia micrográfica em todos eles, estudando-se grupo separados de pacientes com tumores primários e recidivados. Só assim será possível avaliar mais corretamente as informações dermatoscópicas com relação a sua capacidade de delimitar os tumores em sua extensão lateral. Isso equivale a dizer que as informações colhidas pela dermatoscopia podem auxiliar,mas não devem servir de indicação para se realizar ou não uma cirurgia micrográfica.A dermatoscopia funciona como mais um elemento propedêutico, complementar a toda a clínica do paciente.

O encontro de 25 casos de tumores clinicamente imperceptíveis, descoberto apenas por técnica de varredura chama a atenção para a especificidade do padrão vascular arboriforme como fator preditivo para o carcinoma basocelular. Como apenas cinco casos foram localizados fora do nariz, o trabalho sugere que em pacientes com história de vários carcinomas basocelulares, o exame de varredura com o dermatoscópio no nariz pode revelar a presença de tumores incipientes, até porque a área nasal não é tão extensa, sendo o local mais acometido pelo carcinoma basocelular. O encontro de tumores nesse estádio evolutivo tem consequências óbvias no controle e manejo dos carcinomas basocelulares. (Figuras 4 e 5)

CONCLUSÕES

O encontro do padrão vascular arboriforme na dermatoscopia é dado importante no planejamento cirúrgico e controle dos carcinomas basocelulares por contribuir para seu reconhecimento precoce, assim como pode ajudar na determinação das bordas clinicamente indistintas do tumor.

Referências

1 . Presser SE,Taylor JR.Clinical diagnostic accuracy of basal cell carcinoma. J Am Acad Dermatol. 1987; 16(5 pt 1): 988-90.

2 . Kopke LFF, Bastos JCF, Andrade Filho JS, Gouvêa PS. Margem de segurança: um conceito antigo e relativo. An Bras Dermatol. 2005;80(3):279-86.

3 . Moscarella E,Catricalà C,Zalaudek I,Argenziano G.The dermatoscope as the dermatologist''s Stethoscope. Practical Dermatology. 2010: 34-8.

4 . Kreusch J, Koch F. Auflichtmikroskopische Charakterisierung von Gefässmustern in Hauttumoren.Hautarzt. 1996; 47(4): 264-72.

5 . Kopke, LFF. Dermatoscopia dos carcinomas basocelulares. In: Atlas de Dermatoscopia. Reeze G, Paschoal FM, Hirata S, eds. São Paulo: Lemar Editora, 2011."no prelo" .

6 . Marcil I, Stern RS. Risk of developing a subsequent nonmelanoma skin cancer in Patients with a history of nonmelanoma skin cancer – A critical review of the literature and Meta-analysis. Arch Dermatol. 2000; 136(12):1524-30.

7 . Lang PG Jr,Maize JG. Basal Cell Carcinoma. In Friedman R, Rigel D, Kopf A, Mathew N, Baker D, eds. Cancer of the skin. Philadelphia;London Toronto;Montreal Sidney; Tokyo: Saunders Company, 1991. p. 35-73.

8 . Caresana G, Giardini R. Dermoscopy-guided surgery in basal cell carcinoma. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2010; 24(12): 1395-99.

9 . Vitaly Terushkin BS, Steven QW.Mohs Surgery for Basal Cell Carcinoma Assisted by Dermoscopy: Report of Two Cases. Dermatol Surg. 2009;35(12):2031–5.

10 . Sato MS, Suzuki HS, Rosas FM, Hammerschmidt M, Gomes da Silva LL, Serafini SZ. O impacto da dermatoscopia na cirurgia micrográfica de Mohs. Poster premiado durante o XXIII Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Curitiba, 6-9 de abril de 2011.

11 . Zalaudek I, Kreusch J, Giacomel J, Ferrara G, Catricalà C, Argenziano G. How to diagnose nonpigmented skin tumors: A review of vascular structures seen with dermoscopy. Part II.Nonmelanocytic skin tumors. J Am Acad Dermatol. 2010; 63(3):377-86.

12 . Kopke LFF, Konz B. As diferenças fundamentais entre as variações da cirurgia micrográfica. An Bras Dermatol. 1994; 69:505-10.


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