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Comunicações

Alta incidência de Xeroderma Pigmentosum em comunidade no interior de Goiás

Sulamita Costa Wirth Chaibub1

Recebido em: 08/03/2011
Aprovado em: 15/03/2011

Trabalho realizado no Hospital Geral de
Goiânia - Seção de Dermatologia (Instituição
da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás) –
Goiânia (GO), Brasil.

Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Sistema Único de Saúde e
Secretaria de Saúde do Estado de Goiás

Abstract

Relata-se a identificação de um povoado, o distrito de Araras, no município de Faina, a 242km de Goiânia, Brasil, que apresenta alta frequência de habitantes portadores de Xeroderma Pigmentosum. Concluiu-se diagnóstico clínico compatível com essa doença em 20 pacientes até o momento. Os relatos dos familiares, porém indicam cerca de outras duas dezenas de óbitos decorrentes de sintomas característicos de Xeroderma Pigmentosum. Trata-se possivelmente de relato sem precedentes na literatura em razão da extensão da prevalência familiar, da variação de idade dos pacientes e das diferentes características das manifestações clínicas.

Keywords: XERODERMA PIGMENTOSO, NEOPLASIAS CUTÂNEAS, GENÉTICA, EPIDEMIOLOGIA


COMUNICAÇAO

O Xeroderma Pigmentosum (XP) é afecção rara, de herança autossômica recessiva, caracterizada pela alta sensibilidade à luz solar.O aparecimento precoce de tumores de pele é uma de suas principais características clínicas e ocorre com frequência mil vezes superior à da população normal, gerando significativa redução da expectativa de vida.Além dessa característica central, os pacientes de XP apresentam manifestações clínicas que podem ser muito heterogêneas, tais como complicações neurológicas, vermelhidão dos olhos, perda da audição, anormalidades no desenvolvimento e envelhecimento precoce segmentado (apenas em alguns órgãos do corpo, como a pele). 1

A causa molecular dessa doença foi identificada ao se demonstrar que células desses pacientes apresentam níveis reduzidos de síntese de DNA reparado. 2 Verificou-se que as células da pele dos portadores de XP são altamente sensíveis à luz UV e apresentam elevados níveis de mutagenicidade após irradiação, identificando destacável correlação entre o fenótipo celular e a instabilidade gênica, que deve ser a responsável pela origem dos tumores de pele nos pacientes. Esses fenótipos celulares são causados pela incapacidade das células da maioria dos pacientes XP em remover as lesões do DNA induzidas por UV, devido a defeitos genéticos na via de reparo de DNA conhecida como reparo por excisão de nucleotídeos (NER). Em alguns casos os pacientes têm essa via de reparo normal, mas apresentam problemas na replicação do DNA lesado. Esses casos são conhecidos como XP variantes.

A heterogeneidade das manifestações clínicas do XP é acompanhada de variação também polimórfica do ponto de vista genotípico. São conhecidos sete grupos que representam, individualmente, um gene de reparo distinto, designados XPA a XPG.3 Além dos sete grupos de complementação clássicos, há a forma variante da doença designada XPV (XP variante).4 O XPV resulta em características clínicas similares às de outras formas de XP, ainda que com gravidade menor, prognóstico melhor e maior expectativa de vida.

Apesar da alta diversidade genética da síndrome, o caso de Araras sugere XPV, caracterizado pelo defeito do reparo pósreplicação do DNA.A identificação do gene mutado está sendo realizada através da cultura de células dos pacientes. Essas células auxiliarão a confirmação do diagnóstico clínico.

Em 2007 foi examinada uma criança do sexo masculino, ruiva, então com cinco anos de idade apresentando efélides na face. Em 2009, o paciente voltou à consulta, concluindo-se o provável diagnóstico de XP. Em 2010 foi realizada visita de campo a Araras, que tem cerca de mil habitantes e onde vivem a criança, seus pais e vários familiares. Foram então identificados aproximadamente 20 novos casos compatíveis com XP. Segundo relatos dos moradores, mais de 30 outros indivíduos morreram com sintomas característicos da doença nas últimas décadas. Além desses pacientes identificados em Araras, há relatos de pessoas com sintomas característicos também em cidades vizinhas. De acordo com os relatos da literatura, esse grupo é o segundo descrito com XP.O outro refere-se a índios da Guatemala, com cerca de 10 pacientes com sintomas graves, que morreram antes dos 10 anos de idade.5 O estudo do grupo de Araras certamente trará muitos avanços no conhecimento da doença, em razão da extensão da prevalência familiar, da variação de idade dos pacientes e das diferentes características de manifestação clínica (Figuras 1-5).

Alguns pacientes, ainda que com lesões sérias, possuem idade avançada, raramente alcançada por pacientes de XP. Há pacientes de oito até 76 anos (Tabela 1), algo incomum para essa síndrome. A maior parte deles é de origem caucasiana, porém foram identificados três com ancestrais negros. Apesar da alta frequência de indivíduos com sintomas clínicos de XP, foi recente a descoberta do termo “xeroderma” entre eles.

Os cuidados iniciais foram relacionados à remoção de tumores. O acompanhamento dermatológico deve contemplar o controle periódico, fotoproteção extrema, proteção ambiental e tratamento das lesões pré-malignas e malignas. A atuação deve também ser ampliada para equipes multidisciplinares abrangendo aconselhamento genético, oftalmológico, neurológico, oncológico, psicológico e de assistência social.

Referências

1 . Historical aspects of xeroderma pigmentosum and nucleotide excision repair. Adv Exp Med Biol. 2008;637:1-9.

2 . Defective repair replication of DNA in xeroderma pigmentosum. Nature. 1968; 218(5142): 652-6.

3 . Chigancas S,Galhardo RH.Carvalho,Menck CF The eukaryotic nucleotide excision repair pathway. Biochimie. 2003;85(11):1083-99.

4 . Exploring DNA damage responses in human cells with recombinant adenoviral vectors." Hum Exp Toxicol. 2007;26(11):899-906.

5 . Xeroderma pigmentosum group C in an isolated region of Guatemala. J Invest Dermatol. 2007;127(2):493-6.


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