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Relato de casos

Tratamento de queloide: comparação entre infiltrações intralesionais com 5-fluorouracil, corticosteroide e 5-fluorouracil associado a corticosteroide

Carolina Okada Zerbini Guimarães1, Meire Brasil Parada1, Ediléia Bagatin1

Recebido em: 16/08/2010
Aprovado em: 09/03/2011

Trabalho realizado no Departamento de
Dermatologia – Unidade de Cosmiatria,
Cirurgia e Oncologia da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) – São Paulo (SP), Brasil.

Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O queloide representa proliferação fibrosa exagerada da pele após injúria. É considerado de difícil tratamento, com baixa eficácia de medidas isoladas, demandando, na maioria dos casos, combinações de técnicas. Descreve-se caso de cicatriz queloidiana na região pubiana em incisão cirúrgica de miomiectomia. A cicatriz foi dividida em três partes tratadas com infiltração intralesional de 5-fluorouracil, corticosteroide e 5-fluorouracil associado a corticosteroide

Keywords: CICATRIZ, QUELOIDE, TERAPÊUTICA


INTRODUÇÃO

O queloide representa cicatrização exagerada da pele após injúrias como queimadura, incisão cirúrgica, ferimento, vacina, tatuagem, hidradenite e acne.1-3 É caracterizado pelo crescimento descontrolado de tecido denso fibroso além das bordas da ferida original, sem regressão espontânea, que tende a recorrer após excisão.1,2,4 A causa ainda não está definida, apesar de ser conhecida a predisposição genética.1,2 Muitos pacientes queixam-se de prurido, dor, restrição aos movimentos e do aspecto inestético.1,2,4,5 Apesar da falta de consenso sobre o mecanismo de desenvolvimento da lesão, a característica bioquímica primária consiste no desbalanço entre a degradação e a biossíntese de colágeno, resultando no acúmulo dessas fibras.3,6 Nos queloides os fibroblastos produzem grande quantidade de colágeno por célula, bem mais do que os fibroblastos normais.1,5 Alguns estudos, entretanto, demonstram grande número de fibroblastos sem aumento significativo na produção de colágeno, mas com anormalidades na proporção dos colágenos I, III e IV. Há relatos de aumento local do inibidor da colagenase.2 Resposta anormal à estimulação pelo TGF-beta (fator transformador de crescimento beta) e os elevados níveis dessa citocina estão implicados também na patogênese.5 A terapêutica do queloide, por conseguinte, baseia-se na supressão da atividade descontrolada dos fibroblastos.4,6 Não há tratamento universal aceito que resulte em correção completa da cicatriz.As opções terapêuticas são crioterapia, corticosteroide (CE) intralesional, curativos oclusivos, compressão, excisão cirúrgica, radioterapia, laser e utilização de agentes antineoplásicos, como 5-fluorouracil (5-FU) intralesional, entre outras.3,4,7

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, melanodérmica, 38 anos, apresentando cicatriz na região pubiana de 12cm após miomectomia. Negava tratamentos prévios.

A cicatriz foi dividida em três partes iguais e tratada com infiltração intralesional de 5-FU (lateral direita), CE (lateral esquerda) e 5-FU misturado ao CE (centro) para avaliar a melhor resposta terapêutica (Figura 1). Foram realizadas cinco sessões com intervalos de aproximadamente 30 dias. A lateral direita foi tratada com 0,5ml da solução de 5-FU com concentração de 50mg/ml; no centro foi aplicado 0,45ml de 5- FU misturado a 0,05ml de CE na concentração de 40mg/ml (proporção de nove partes de 5-FU para uma de CE); e na lateral esquerda aplicou-se 0,3ml de CE na concentração de 40mg/ml.

Após a primeira sessão ocorreu ulceração na área de infiltração do 5-FU isolado (Figura 2).

A paciente relatou dor e ardor nas infiltrações, principalmente quando da utilização do 5-FU isolado.

Os parâmetros utilizados para analisar a resposta terapêutica foram opinião da paciente em relação à sensibilidade, redução da hipertrofia do tecido à inspeção e amolecimento da cicatriz à palpação. Sinais de boa resposta terapêutica ocorreram após quatro aplicações de CE e cinco injeções tanto da associação de 5-FU + CE como do 5-FU. Como evento adverso observou-se discreta hipocromia da cicatriz no centro (5-FU + CE) e na lateral esquerda (CE).

DISCUSSÃO

O 5-FU, por ser agente quimioterápico antimetabólito que interfere na síntese de DNA e RNA, poderia limitar a produção descontrolada de fibras colágenas pelos fibroblastos. Foi utilizado no início da década de 1980 em cirurgias de glaucoma para inibição da cicatrização da ferida.2 Já foi demonstrado que o 5- FU inibe a proliferação de fibroblastos in vitro e in vivo.4,6 Seu uso em queloides foi relatado tanto de forma isolada como associado a outras substâncias para diminuir o tempo de tratamento e os efeitos adversos da monoterapia.2 Em 1989, Fitzpatrick utilizou o 5-FU em queloides, na concentração de 50mg/ml com doses de dois a 50mg por sessão. Inicialmente, foram realizadas infiltrações mensais, com resultados insatisfatórios. Posteriormente, a frequência foi alterada para três vezes por semana, com diminuição gradativa mas variável.2 A média dos intervalos foi uma vez por semana.2,4 A mistura do 5-FU com anestésico foi ineficaz para controle da dor,2 e a mistura de 0,1ml de CE (10mg/ml) com 0,9ml de 5-FU (45mg/ml) mostrou resultados eficazes.2 A dose utilizada de 5-FU em cada aplicação, o intervalo entre elas, assim como o número de sessões utilizadas, variam de um autor para outro. Nos casos de Manuskiatti, o uso do 5-FU (50mg/ml) no tratamento do queloide apresentou resultado semelhante ao uso do 5-FU + CE (45mg/ml + 1mg/ml) e do CE isolado (20mg/ml), exceto pelos efeitos colaterais mais frequentes com o CE.6 Gupta utilizou de 50 a 150mg por semana e evidenciou que o uso do 5-FU é seguro e consiste em boa opção para queloides pequenos e de curta duração.1 Nanda aplicou doses que variaram de 0,5 a 2ml de 5-FU (50mg/ml) por sessão, durante 12 semanas, com melhora de mais de 50% na maioria dos casos.4 Kontocheristopoulos empregou o 5-FU (50mg/ml) semanalmente na dose de 0,2 a 0,4ml/cm2, com média de sete sessões e relatos de recorrência.7 Asilian demonstrou que a combinação CE (0,1ml a 40mg/ml) + 5-FU (0,9ml a 50mg/ml) aplicada semanalmente, durante oito semanas, foi mais efetiva, com resultados mais rápidos e menos efeitos colaterais do que o uso isolado do CE (10mg/ml).5 O número de sessões variou de 5 a 10.2 Após tratamento com 5-FU, a histologia evidenciou diminuição das fibras densas e do arranjo nodular concêntrico de colágeno, vascularização menos proeminente, incontinência pigmentar e diminuição da inflamação.6,7 Na injeção do 5-FU isolado são referidas dor, queimação, hiperpigmentação, púrpura e ulceração.1,4,6

Estudos mostram correlação direta entre a duração do queloide e a recorrência após o tratamento, mas ausência de correlação com seu tamanho.7 As lesões que menos respondem são as mais antigas, duras, com pouca inflamação ou sintomas.Os primeiros sinais de resposta são a diminuição da dor e prurido, seguida de amolecimento da cicatriz e diminuição do eritema.2 O tratamento com 5-FU intralesional é seguro e efetivo no controle de sintomas e cicatrizes recorrentes.8

A infiltração intralesional com corticosteroide é terapêutica bem conhecida e utilizada para o tratamento do queloide.2,5 O mecanismo de supressão no processo de cicatrização da ferida inclui a interrupção do processo inflamatório pela inibição da migração das células inflamatórias e da fagocitose, vasoconstrição resultando na interrupção do fluxo de oxigênio e nutrientes para a ferida, e atividade antimitótica nos fibroblastos e queratinócitos.2 A inibição da proliferação dos fibroblastos é dose dependente.A dosagem utilizada varia de 10 a 40mg/ml, com intevalos de quatro a seis semanas até a melhora da cicatriz.5,6 Os efeitos adversos são atrofia, telangiectasias e alterações da pigmentação.5,6

O uso intralesional do 5-FU combinado ao CE tem mostrado segurança e eficácia no tratamento e prevenção dos queloides e se demonstrado boa opção nos pacientes que já tentaram o uso do CE sem sucesso.

CONCLUSÃO

No caso apresentado a melhor resposta foi observada com o uso isolado do CE, seguido da associação 5-FU + CE e 5-FU isolado.

A infiltração intralesional isolada de CE mostrou maior benefício, com menor número de sessões, melhora do aspecto clínico e amolecimento da cicatriz. A hipocromia foi mais evidente com o uso do CE e mais discreta na área tratada com a associação de 5-FU + CE (Figura 3). Não descartamos o 5- FU como opção de tratamento, principalmente para casos não responsivos ao CE. Devido às controvérsias sobre os métodos de utilização do 5-FU e os respectivos resultados no tratamento do queloide, são necessários mais estudos que permitam conclusões sobre sua eficácia, segurança e modificações histológicas associadas aos resultados clínicos.

Referências

1 . Efficacy and safety of intralesional 5-fluorouracil in the treatment of keloids.Dermatology. 2002; 204(2):130-2.

2 . Treatment of inflamed hypertrophc scars using intralesional 5-FU.Dermatol Surg. 1999; 25(3):224-32.

3 . Estudo comparativo entre o tratamento radioterápico com elétrons e betaterapia, após cirurgia de queloides. Surg Cosmet Dermatol 2009; 1(1):53-7.

4 . Intralesional 5-fluorouracil as a treatment modality of keloids.Dermatol Surg 2004; 30(1):54-7.

5 . New combination of triamcinolone, 5-fluorouracil, and pulsed-dye laser for treatment of keloid and hypertrophic scars.Dermatol Surg. 2006; 32(7):907-15.

6 . Treatment response of keloidal and hypertrophic sternotomy scars: comparison among intralesional corticosteroid, 5-fluorouracil, and 585-nm flashlamp-pumped pulsed-dye laser treatments. Arch Dermatol. 2002; 138(9):1149-55.

7 . Intralesional 5-fluorouracil in the treatment of keloids: an open clinical and histopathologic study. J Am Acad Dermatol 2005; 52(3 pt 1): 474-9.

8 . 5-Fluorouracil treatment of problematic scars. Plast Reconstr Surg 2009; 123:139-148.


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