André Martins Ornelas1,2; Clarissa Brito Farias2; Isabelle Sousa Medeiros Torres Ferreira3; Flauberto de Sousa Marinho2
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Data de submissão: 17/01/2025
Decisão final: 05/06/2025
How to cite this article: How to cite this article: Ornelas AM, Farias CB, Ferreira ISMT, Marinho FS. Atypical location of acquired digital fibrokeratoma. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250435.
O fibroqueratoma digital adquirido é um tumor raro, benigno, de natureza fibroepitelial, que se apresenta como pápula normocrômica em forma de dedo, localizado tipicamente nas extremidades. Quando acomete as unhas, costuma emanar da prega proximal, raramente surgindo a partir da matriz ou do leito ungueal. Neste relato, descrevemos um caso incomum de fibroqueratoma digital adquirido localizado sob a placa ungueal de polegar direito. Descrevemos os aspectos clínicos, dermatoscópicos e histopatológicos da lesão, bem como o tratamento cirúrgico empregado, e apresentamos uma breve revisão bibliográfica sobre o assunto.
Keywords: Fibroma; Doenças da unha; Unhas; Neoplasias cutâneas
O fibroqueratoma digital adquirido (FQDA) é um tumor benigno incomum, tipicamente observado nas unhas das mãos ou dos pés. Sua etiologia não está completamente esclarecida, sendo o trauma considerado um possível desencadeador. Clinicamente, apresenta-se como uma pápula única, assintomática, em formato de dedo (finger-like) ou de domo, podendo ocasionar deformidades ungueais e prejuízo estético. O diagnóstico fundamenta-se em aspectos histopatológicos típicos, incluindo acantose, hiperqueratose e abundante tecido fibroso. Tendo em vista que o tumor não sofre involução espontânea, o tratamento cirúrgico costuma ser habitualmente indicado.
O objetivo deste artigo é relatar um caso de FQDA originado na matriz ungueal do polegar direito, uma ocorrência menos comum em comparação com a emergência habitual na borda ungueal proximal ou no leito ungueal. Apresentamos uma análise detalhada dos aspectos clínicos, dermatoscópicos e histopatológicos da lesão, além da descrição do tratamento cirúrgico realizado. Concluímos com uma breve revisão da literatura, que visa aprofundar o entendimento sobre o tema. Para sua elaboração, foram selecionados artigos indexados nas bases de dados PubMed, SciELO e Periódicos Capes, publicados entre os anos de 2009 e 2025. Os descritores utilizados foram: "acquired digital fibrokeratoma", "digital fibrokeratoma" e "nail tumor", aplicando-se o operador booleano "and" nas combinações "acquired digital fibrokeratoma and histopathology", "acquired digital fibrokeratoma and dermatoscopy" e "acquired digital fibrokeratoma and surgery".
Um homem de 59 anos, com diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica e carcinoma basocelular em face, procurou o serviço de dermatologia com queixa de lesão em unha do primeiro quirodáctilo direito havia 10 anos. O paciente negou sintomas associados e tratamentos anteriores. Não havia histórico de trauma local antecedendo o surgimento da lesão.
O exame físico revelou placa ungueal com distrofia canalicular e lesão subungueal em topografia da lúnula (Figura 1). À onicoscopia, observaram-se uma área branca homogênea e vasos arboriformes (Figura 2). Foram consideradas as seguintes hipóteses diagnósticas: fibroqueratoma e fibromixoma acral superficial.
Foi realizado bloqueio digital proximal, seguido de descolamento distal da lâmina ungueal com exposição do leito e da matriz ungueal. Prosseguiu-se com incisão longitudinal na matriz ungueal distal, descolamento e ressecção da lesão. Em seguida, procedeu-se à síntese do defeito cirúrgico da matriz com fio de ácido poliglicólico 4.0, seguida de reposição da lâmina no leito ungueal.
A análise histológica, realizada com coloração hematoxilina-eosina, demonstrou proliferação de células fibroblásticas e numerosos feixes de colágeno espessos, compactados e regularmente distribuídos na derme (Figura 3). Essas características são compatíveis com o diagnóstico de FQDA.
O FQDA é um tumor benigno raro, de natureza fibroepitelial, descrito inicialmente por Bart em 1968.1 É comumente encontrado nos dedos das mãos e dos pés, embora existam relatos em áreas não digitais, como mãos, pés, joelhos, cotovelos e antebraços, entre outros. O FQDA localizado especificamente no aparelho ungueal foi denominado por Cahn, em 1977, como fibroqueratoma ungueal adquirido, sendo classificado em duas variantes: fibroqueratoma periungueal e subungueal, a depender da localização do tumor.2
O FQDA é observado em todas as raças, sendo mais comum em homens entre 12 e 70 anos, com pico de incidência na meia-idade.3 Sua etiopatogenia não é completamente elucidada, sendo sugerida a participação de eventos traumáticos. No entanto, uma história de trauma nem sempre é referida pelos pacientes.4 Infecções locais por Staphylococcus aureus também podem atuar como desencadeantes. Estudos demonstraram aumento da migração de fibroblastos incubados com enterotoxina B produzida por S. aureus.5,6 Além disso, alguns pesquisadores observaram maior presença de dendrócitos dérmicos positivos para o fator XIIIa, sugerindo sua possível participação na síntese de colágeno e na formação do tumor.6
Qiao et al.7 publicaram o caso de um paciente transplantado que apresentou surgimento concomitante de hiperplasia gengival e FQDA na vigência de tratamento com ciclosporina. As lesões regrediram após a suspensão da medicação, sugerindo que a medicação pode ter sido o gatilho para o desenvolvimento do tumor. No entanto, não encontramos na literatura outros casos desencadeados pelo uso de ciclosporina, de forma que essa associação merece uma investigação mais aprofundada.
O diagnóstico do FQDA é baseado em aspectos clínicos e histológicos característicos. Mesmo assim, costuma representar um verdadeiro desafio diagnóstico, tendo em vista a sua raridade e ampla diversidade de apresentações clínicas.2 O FQDA apresenta-se, em geral, como um tumor solitário, normocrômico, com ponta levemente queratósica,5 diâmetro tipicamente inferior a 1 cm e assintomático, embora existam relatos de lesões maiores que 1 cm e associadas à dor.1 Morfologicamente, pode se apresentar em forma de haste, domo, plano ou ramificado.2 Em nosso levantamento bibliográfico, verificamos que os formatos em haste (47,7%) e domo (37,3%) são os mais prevalentes (Tabela 1).
Geralmente, o FQDA emana da prega ungueal proximal ou, menos comumente, da matriz ou do leito ungueal. Em um estudo com 20 participantes, a localização subungueal foi observada em apenas um paciente.4 Outro estudo, com 21 pacientes chineses, identificou o tumor em localização subungueal em apenas dois casos.1 Ao compilar três séries de casos, observamos que 56% dos pacientes apresentavam lesões em dedos das mãos e 44%, em dedos dos pés (Tabela 1).
A lesão pode pressionar a matriz da unha, resultando em deformidades da placa ungueal, como depressão longitudinal8 (observada no paciente do presente caso), adelgaçamento da lâmina, crescimento anormal, traquioníquia, onicólise, hiperqueratose subungueal e crosta hemorrágica.5 A presença de colarete na base da lesão é um importante achado clínico para o diagnóstico diferencial com outros tumores ungueais.9
A literatura apresenta escassez de estudos que investiguem detalhadamente os aspectos dermatoscópicos do FQDA. De modo geral, a onicoscopia evidencia uma área homogênea central de tonalidade amarelo-clara, circundada por um colarete escamoso de aspecto queratósico, refletindo as características de acantose e hiperqueratose frequentemente associadas a esse tumor. Alguns casos demonstram fissuras brancas na superfície, nas quais podem ser observados vasos sanguíneos puntiformes.1,10 Também são descritas lacunas vermelhas homogêneas, divididas por septos queratósicos brancos em forma de malha, que podem corresponder à epiderme hiperceratótica histologicamente retraída. Essa grande variação de achados pode estar relacionada ao grau diverso de formações vasculares e acúmulo de fibras de colágeno observados no tumor.6,10 Nenhum desses achados dermatoscópicos, no entanto, confere especificidade diagnóstica. No caso apresentado, foi observada a presença de vasos arboriformes, um achado que, até o momento, não havia sido descrito na literatura revisada.
Na presença de um tumor fibroso localizado no aparelho ungueal, especialmente quando em formato alongado, o diagnóstico de FQDA deve ser fortemente considerado. Entre os diagnósticos diferenciais, destacam-se: dedo supranumerário, verruga vulgar, corno cutâneo, tumor de Koenen, poroma écrino e fibromixoma acral superficial.2,9 Em um estudo retrospectivo, Wang et al.11 relatam cinco casos de FQDA que foram incorretamente diagnosticados como poroma écrino, verruga vulgar, polidactilia rudimentar, granuloma piogênico e fibroma acral. Vance e Hohnadel12 documentaram um caso de FQDA no paciente mais jovem descrito até o momento: uma criança de 6 anos, com uma pápula persistente de 6 mm no primeiro dedo direito, diagnosticada erroneamente como verruga vulgar. As taxas de erro diagnóstico são altas, sugerindo que os médicos podem não estar familiarizados com o FQDA.11
A histologia do FQDA evidencia epiderme acantótica, hiperqueratose e espessamento focal da camada granulosa. Na derme, observam-se feixes de colágeno espessados, dispostos irregularmente ou paralelamente ao eixo do tumor. As fibras elásticas, em geral, são finas e esparsas, e a derme costuma ser bastante vascularizada.1,9
O tratamento cirúrgico é recomendado, principalmente na presença de dor e prejuízo estético, uma vez que o tumor não tende a involuir espontaneamente.4,5 A excisão cirúrgica completa é o tratamento de escolha, já que a remoção parcial está associada a recidiva local frequente.2,5 A lesão deve ser dissecada até seu ponto mais proximal na origem da unidade ungueal e removida nesse local para prevenir recorrência.8 Para prevenir danos adicionais à matriz ungueal e garantir a completa excisão do tumor, Jahan et al.3 sugerem que seja realizada a elevação cuidadosa da lesão, com retração da prega ungueal proximal, o que permite uma melhor visualização das estruturas durante o ato cirúrgico. Lesões situadas acima da placa ungueal também podem ser tratadas com shaving seguido de fenolização ou vaporização com laser de CO2.3,4 Eletrocirurgia e criocirurgia também são incluídas como opções alternativas de tratamento por alguns autores.10,11
Na Figura 4A e B, apresentamos o resultado pós-operatório após 2 anos da cirurgia. Até o momento, não foram observados sinais de recidiva tumoral.
O FQDA é um tumor benigno fibroepitelial que geralmente se apresenta como uma pápula única, indolor e com menos de 1 cm, raramente surgindo sob a placa ungueal. A verdadeira incidência do FQDA pode estar subestimada, uma vez que se assemelha a várias lesões benignas que, em geral, não requerem exame histopatológico de rotina. O reconhecimento precoce e o tratamento adequado são essenciais para evitar deformidades ungueais. A abordagem terapêutica recomendada é a excisão cirúrgica, devendo-se proceder com cautela para evitar danos à matriz ungueal.
O diagnóstico dos tumores ungueais representa um verdadeiro desafio na prática dermatológica, principalmente quando as lesões se apresentam sob a lâmina ungueal. Frequentemente, é necessária a realização de biópsia para esclarecimento diagnóstico, o que implica custo elevado e risco de distrofia ungueal permanente. Assim, diante de uma pápula fibrosa localizada na borda ungueal, no leito ou na matriz, especialmente quando em formato de domo ou haste (finger-like), o FQDA deve ser lembrado como diagnóstico diferencial.
André Martins Ornelas
ORCID: 0009-0002-0393-7205
Study conception and design; manuscript drafting and writing; data collection, analysis, and interpretation; intellectual participation in the propaedeutic and/or therapeutic approach to the cases studied; critical review of the literature.
Clarissa Brito Farias
ORCID: 0009-0009-5395-045X
Manuscript drafting and writing; data collection, analysis, and interpretation; critical review of the manuscript.
Isabelle Sousa Medeiros Torres Ferreira
ORCID: 0000-0002-9597-3272
Data collection, analysis, and interpretation.
Flauberto de Sousa Marinho
ORCID: 0000-0002-9337-9931
Final approval of the manuscript; study conception and design; data collection, analysis, and interpretation; intellectual participation in the propaedeutic and/or therapeutic approach to the cases studied; critical review of the manuscript.
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