Micaelly Samara Meneses Santos; José Roberto Pegas; Raissa Piagentini de Andrade; Leonardo Silva Grassi; Vanessa Cristina Coimbra; Bianca Sousa de Almeida Neves
Fonte de financiamento: None.
Conflitos de interesse: None.
Data de submissão: 24/06/2024
Decisão final: 15/08/2024
Como citar este artigo: Santos MSM, Pegas JR, Andrade RP, Grassi LS, Coimbra VC, Neves BSA. Relato de caso: a importância da transiluminação ungal no diagnóstico e avaliação topográfica do tumor glômico subungueal. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250382.
O tumor glômico é uma neoplasia benigna e rara, em geral, localizada em áreas com grande quantidade de corpos glômicos. A clínica é a tríade característica: dor paroxística, sensibilidade ao frio e dor a palpação local. Relatamos o caso de um paciente com suspeita clínica de tumor glômico, no qual o método de transiluminação foi ímpar para auxílio diagnóstico, planejamento cirúrgico e rápido controle álgico. Ressalta-se a importância da alta suspeição clínica e da transluminação no diagnóstico e planejamento terapêutico, podendo ser útil principalmente em serviços em que a ultrassonografia de alta frequência ou a ressonância magnética são de difícil acesso.
Keywords: Tumor Glômico; Transiluminação; Doenças da Unha; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios.
O tumor glômico foi descrito pela primeira vez por Willian Wood (1812) e trata-se de um tumor benigno, raro, de lento crescimento, derivado de estruturas denominadas corpos glômicos. Estes são estruturas neuromioarteriais formadas por anastomoses arteriovenosas e responsáveis pela termorregulação mediante o controle do fluxo sanguíneo para a pele. Eles são encontrados na derme em todo o corpo, porém são mais presentes nas polpas digitais, especificamente nos leitos subungueais.1,5 Os tumores glômicos são considerados tumores jovens, com predominância no sexo feminino, com idade média de diagnóstico aos 40 anos. Estudos demonstram que a média do início dos sintomas até a realização do diagnóstico varia entre 3,3 e 5 anos. Clinicamente, caracterizam-se por hiperestesia e dor bem localizada, que se acentua quando há exposição a baixas temperaturas.
A tríade clássica que sugere o diagnóstico é composta por: dor lancinante paroxística, sensibilidade ao frio, localização precisa do ponto doloroso à palpação. Também podem ser observadas distrofias e/ou alteração leve da coloração (azulada ou rósea) da lâmina ungueal.2,3 O diagnóstico definitivo é realizado por exame histopatológico. Como métodos auxiliares na sua identificação pré-operatória, podemos lançar mão de: transiluminação, onicoscopia, ultrassonografia de alta frequência e ressonância magnética (padrão-ouro).3,4
Neste estudo, o objetivo foi relatar o caso de um paciente jovem com suspeita clínica de tumor glômico, no qual o método de transiluminação, considerado de alta especificidade, foi importante para auxílio diagnóstico, rápida excisão do tumor e controle álgico do paciente.
As informações foram obtidas através de revisão de prontuário e registros fotográficos, com autorização do paciente. O paciente, de 22 anos, masculino, queixava-se de dor em 5º quirodáctilo esquerdo há 6 anos, com piora progressiva, inicialmente, apenas à movimentação, evoluindo para dor em repouso. Ao exame físico, apresentava dor intensa a palpação da lâmina ungueal do 5º quirodáctilo esquerdo, não permitindo a localização exata do tumor durante a avaliação pré-operatória. No centro cirúrgico, foi observada imagem translúcida, esférica, medindo cerca de 4 mm de diâmetro à transiluminação com auxílio de fonte luz de aparelho celular (Figura 1). Portanto, com base na anamnese e no exame físico, foi aventada a hipótese de tumor glômico, sendo a transiluminação ungueal essencial na localização pré-operatória, sem a necessidade de outros exames complementares. O paciente foi submetido à exploração cirúrgica na área, guiada pela técnica lumínica, em que foi encontrada lesão de coloração rósea, arredondada, superfície lisa e regular, compatível com tumor glômico (Figuras 2 e 3). Tal lesão foi retirada, e o material foi enviado para análise histopatológica para confirmação diagnóstica.
O tumor glômico constitui neoplasia incomum e de comportamento benigno. Ele consiste em tumoração neurovascular derivada dos corpos glômicos da derme reticular. Esses corpos são anastomoses arteriovenosas encontradas ao longo do corpo todo, relacionadas com termorregulação corporal.8 Podem ser encontrados no sistema nervoso central, trato gastrointestinal e órgãos genitais, porém são mais frequentemente localizados nas polpas digitais, mais especificamente, nos leitos subungueais das mãos. Estima-se que 65% dos casos sejam encontrados nessa localização.2 A apresentação típica é uma lesão única na região subungueal ou periungueal. Clinicamente, é caracterizado pela tríade clássica composta por dor paroxística lancinante, dor à palpação local e hipersensibilidade às baixas temperaturas. Exceto por uma discreta mudança na coloração da unha, o aspecto costuma ser normal macroscopicamente. O mecanismo fisiopatogênico da dor ainda não está bem elucidado, no entanto, é possível que esteja relacionado a contração de miofilamentos em resposta às mudanças de temperatura, bem como com o envolvimento de fibras nervosas, mastócitos e ciclooxigenase-2. É, de fato, um tumor com patogênese ainda desconhecida.9,10
O diagnóstico é essencialmente clínico e auxiliado por testes diagnósticos como: radiografia, ressonância magnética, arteriografia, ultrassonografia e transiluminação. Os sinais e sintomas clínicos são considerados suficientes para suspeição do tumor e para indicar cirurgia.11 Em um estudo de casos (2007 a 2009) realizado com 21 pacientes submetidos à excisão cirúrgica do tumor, foram utilizados testes variados como Pintest (dor à percussão da topografia tumoral), teste de sensibilidade térmica e transiluminação ungueal. Neste último, 85,7% dos casos apresentaram nódulo de coloração azul-violácea ou rósea no leito subungueal.2 A técnica de transiluminação consiste na utilização de uma fonte de luz brilhante sob a unha em um cômodo completamente escuro. A região do tumor apresentará uma imagem que auxilia na estimativa de seu tamanho.4,8 Com essa técnica, no caso descrito neste estudo, foi possível visualizar imagem arredondada de aspecto mais claro comparada ao restante do leito ungueal, indicando a provável topografia, sem a necessidade de outros métodos complementares.
Já no intraoperatório, observou-se que a lesão se encontrava exatamente na topografia revelada pela transiluminação, constituindo método prático, barato e resolutivo. Embora, seja uma técnica excelente, não se mostra útil tanto para evidenciar múltiplas lesões quando forem sobrejacentes quanto para distinção de etiologia, ao contrário dos exames de imagem como ecografia e ressonância nuclear magnética.15,16 Há relatos de pacientes submetidos à cirurgia apenas após avaliação de ressonância magnética. Entre eles, em um terço dos casos, o exame de imagem falhou no diagnóstico, obtendo resultados falso negativos. Isso reforça a importância do exame clínico em detrimento dos exames complementares nesse tipo de tumor.12
Os diagnósticos diferenciais incluem: hemangiopericitoma, neuroma, schwannoma, gota, artrose, melanoma subungueal e paroníquia crônica. O tratamento é essencialmente cirúrgico. São descritas duas técnicas na literatura: abordagem transungueal e periungueal. Ambas são precedidas por anestesia local e bloqueio regional. A técnica periungueal, usada no presente estudo, é descrita para lesões da polpa ungueal ou superficialmente no leito subungueal. As possíveis complicações cirúrgicas são deformidade da unha e recorrência do tumor.14
Com relação ao procedimento cirúrgico do caso descrito neste estudo, precedido por anestesia troncular com lidocaína 2% na raiz do dedo e anestesia alar distal, inicialmente, foi realizado descolamento ungueal subtotal, mantendo a adesão da unha junto à dobra contralateral. Após recortada a unha na altura da matriz distal (lúnula), foi possível a visualização do leito. Seguiu-se com incisão semilunar no hiponíquio e descolamento do leito em direção à lúnula, em que foi possível vizinho lesão única, arredondada, cujos limites eram bem definidos. A mesma foi, delicadamente, separada do tecido circundante. Em seguida, foram realizados a sutura simples no leito ungueal abordado e o reposicionamento do fragmento ungueal deslocado, fixado também com sutura simples (Figura 4). A lesão excisada foi enviada para exame histopatológico e confirmada, posteriormente, como tumor glômico.
O tumor glômico é uma neoplasia benigna e rara, geralmente localizada em áreas em que existe grande quantidade de corpos glômicos, como as regiões subungueais e polpas digitais. Apresenta-se com a clássica tríade clínica constituída por dor paroxística, sensibilidade ao frio e dor à palpação local, podendo ainda ser observadas distrofias ungueais e/ou alteração leve da coloração (róseo a violáceo).
O diagnóstico é realizado através da suspeita clínica, e o exame histopatológico é necessário para confirmação. Esse tipo tumoral causa grande desconforto ao paciente, sendo necessário manejo célere do caso. Como evidenciado em nosso relato, o teste de transiluminação (prático, rápido e barato, sendo muitas vezes suficiente como exame complementar devido a sua alta especificidade) pode ser de grande valia para auxílio diagnóstico e planejamento terapêutico rápido em pacientes com suspeita clínica, principalmente, em serviços em que exames de imagem como a ultrassonografia de alta frequência ou ressonância magnética (padrão-ouro) são de difícil acesso.
Micaelly Samara Meneses Santos
ORCID: 0009-0001-0314-9033
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
José Roberto Pegas
ORCID: 0000-0002-2541-6008
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito
Raissa Piagentini de Andrade
ORCID: 0009-0003-9250-9065
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Leonardo Silva Grassi
ORCID: 0000-0003-1629-9476
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Vanessa Cristina Coimbra
ORCID: 0009-0009-2583-0178
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito
Bianca Sousa de Almeida Neves
ORCID: 0000-0002-2921-6281
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
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