Bruna dos Anjos Bortolini; Rafael Cavanellas Fraga; Paulo Sergio Emerich Nogueira; Tiago de Almeida Grippa; Vitor Angelo Ferreira
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 04/03/2024
Decisão final: 18/04/2024
Como citar este artigo: Bortolini BA, Fraga RC, Nogueira PSE, Grippa TA, Ferreira VA. Cisto veloso eruptivo periorbital: tratamento desafiador em localização atípica. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250356.
O cisto veloso eruptivo é uma entidade rara decorrente do desenvolvimento anormal dos folículos vellus, que se manifesta na forma de múltiplas pápulas foliculares. Eventualmente, pode localizar-se na face, sendo descritos na literatura apenas cinco casos na região periorbital. Seu tratamento é desafiador, especialmente neste relato de caso, devido à peculiaridade da localização das lesões, com risco de cicatriz e discromia pós-procedimento. Relata-se o diagnóstico desafiador e o tratamento satisfatório de um caso raro de cisto veloso eruptivo localizado na região periorbital.
Keywords: Cisto folicular; Pálpebras; Procedimentos cirúrgicos menores
O cisto veloso eruptivo (CVE), descrito pela primeira vez em 1977,1 é uma condição rara decorrente do desenvolvimento anormal dos folículos vellus a nível infundibular, o que leva à retenção do fio, dilatação cística da parte proximal do folículo e, secundariamente, atrofia do bulbo capilar.2,3 Apresenta maior prevalência em crianças e jovens, sem predileção por gênero ou raça. Sua patogênese ainda é desconhecida, podendo estar associada tanto à forma esporádica da doença quanto à herança autossômica dominante com penetrância incompleta,2,3 hipótese sustentada por numerosos relatos de famílias nas quais dois ou mais membros são afetados.4 Habitualmente, são lesões assintomáticas, podendo estar associadas, em alguns casos, a discreto prurido e alteração de sensibilidade. Ocasionalmente, acometem a face.2 Seu tratamento é desafiador e, até o presente momento, não há consenso quanto à melhor opção terapêutica. Neste relato, os autores apresentam o caso de um paciente portador de CVE na região palpebral, cuja localização atípica levou ao diagnóstico incorreto de milia desde a infância. O objetivo deste relato é ilustrar e demonstrar uma opção terapêutica que resultou em um desfecho estético satisfatório.
Paciente do sexo masculino, 19 anos de idade, sem comorbidades conhecidas, apresenta, desde os 6 anos de idade, pápulas normocrômicas e hipocrômicas, de consistência firme, localizadas nas pálpebras superiores e inferiores, assintomáticas. Não havia histórico familiar de lesões semelhantes. Referiu consultas médicas prévias, com diagnóstico de milia e prescrição de esfoliantes tópicos, sem resposta favorável. No entanto, devido ao aumento progressivo do número de lesões, que passaram a se agrupar em pápulas aglomeradas (Figura 1), optou-se pela realização de biópsia excisional. A análise histopatológica evidenciou cistos revestidos por epitélio escamoso queratinizado, contendo queratina lamelar e ocasionais hastes de pelos vellus (Figura 2), confirmando o diagnóstico de CVE. Devido ao incômodo estético importante, optou-se por realizar extração de algumas lesões com agulha 30G, com preparo tópico prévio por 14 dias com fórmula de Kligman (hidroquinona 40 mg/g + tretinoína 0,5 mg/g + fluocinolona acetonida 0,1 mg/g creme), a fim de evitar hipercromia pós-inflamatória.
Anestesia infiltrativa com lidocaína 2% com vasoconstritor.
Incisão das lesões com agulha 30G (Figura 3a).
Extração do conteúdo das lesões com agulha 30G ou extração manual (Figura 3b).
Hemostasia com compressão local com gaze.
Limpeza local com soro fisiológico 0,9%.
O paciente evoluiu com discreto edema nos primeiros dias do pós-operatório. Atualmente, 2 meses após o procedimento, apresenta boa cicatrização, resultado estético satisfatório e sem recidiva das lesões até a presente data (Figura 4).
O CVE apresenta-se clinicamente como múltiplas pápulas foliculares, planas ou cupuliformes, de aproximadamente 1-5 mm, de superfície lisa e consistência firme, cuja coloração é variável (eritematosas, normocrômicas, hipercrômicas ou até mesmo esbranquiçadas e amareladas). As pápulas podem apresentar crosta hiperqueratótica e umbilicação central.2,3 Localizam-se, em sua maioria, no tórax, extremidades superiores e inferiores e, ocasionalmente, acometem abdome, pescoço, axilas, região inguinal e face.2 Essa distribuição aparentemente não é aleatória, e parece sobrepor-se às unidades pilossebáceas e apócrinas.4 O diagnóstico definitivo é realizado por meio de estudo anatomopatológico, uma vez que, clinicamente, assemelha-se muito a outras entidades. No caso relatado, essa semelhança clínica resultou em diagnóstico e manejo incorretos de milia por tempo prolongado.2,3,5 Além da milia, o diagnóstico diferencial inclui molusco contagioso, queratose pilar, esteatocistoma múltiplo, foliculite, tumores anexiais múltiplos e siringomas.2,3,5 A histopatologia do CVE revela sua localização na derme média ou superior, revestida por várias camadas de epitélio escamoso estratificado queratinizado (até 12 camadas). Em seu interior, observa-se queratina lamelada em quantidade variada, além de múltiplos pelos vellus cortados oblíqua e transversalmente, o que resulta na oclusão e dilatação da unidade folicular. Habitualmente, não se encontra glândula sebácea na parede do cisto.2,3,5 O CVE na região periorbital, como relatado neste caso, é raro, com apenas cinco casos descritos na literatura.4-7 O tratamento do CVE é pouco descrito, mas estima-se que sua remissão espontânea ocorra em cerca de 25% dos casos, por eliminação transepidérmica ou destruição secundário ao processo inflamatório local.2,3,5 Até o presente momento, não há terapia universalmente aceita, somente relatos do uso de ácido lático e retinóides (tretinoína e isotretinoína), porém, os resultados ainda são insuficientes.2,3 Também são citadas como terapias alternativas a dermoabrasão, o laser Erbium-YAG, a vaporização com laser de dióxido de carbono e a extração com agulha, que têm como limitações a possibilidade de formação de cicatrizes e o alto índice de recorrência precoce.2,3,8
Os autores reportam este caso por tratar-se de uma doença rara e em localização atípica. Além disso, o relato visa alertar para a consideração dessa afecção frequentemente subdiagnosticada, em razão de seus principais diagnósticos diferenciais corresponderem a entidades de maior prevalência. Ademais, embora benigna, pode causar incômodo estético significativo e até gerar prejuízo psicológico ao paciente, sendo, portanto, de grande importância a instituição de uma terapêutica adequada e resolutiva. Assim, apesar dos desafios relacionados ao tratamento, destaca-se a resposta satisfatória à abordagem adotada neste caso.
Bruna dos Anjos Bortolini
ORCID: 0000-0001-8564-3061
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
Rafael Cavanellas Fraga
ORCID: 0009-0001-1869-128X
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.
Paulo Sergio Emerich Nogueira
ORCID: 0000-0003-1528-1100
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.
Tiago de Almeida Grippa
ORCID: 0000-0002-9729-7757
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.
Vitor Angelo Ferreira
ORCID: 0000-0003-2672-5897
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.
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