Isabelle Ary Duque; Francisco Jefferson Araújo Elias; Matheus Morais Lima
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 25/02/2024
Decisão final: 12/09/2024
Como citar este artigo: Duque IA, Elias FJA, Lima MM. Oclusão da artéria transversa da face após preenchimento com ácido hialurônico e hidroxiapatita de cálcio: um relato de caso. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250352.
Este relato descreve uma complicação após uso de um preenchedor composto por ácido hialurônico e hidroxiapatita de cálcio em uma mesma seringa, resultando em oclusão vascular na artéria transversa da face direita. A paciente desenvolveu máculas hipocrômicas, seguidas por aparência reticulada e pústulas. O tratamento envolveu prednisona, enoxaparina e hialuronidase. Após agravamento, incluindo obstrução arterial evidenciada por ultrassonografia, foi realizada hialuronidase guiada por ultrassonografia e terapia hiperbárica. A paciente apresentou evolução favorável com regressão das alterações. O caso destaca a importância da identificação precoce e intervenção para minimizar complicações decorrentes de oclusão vascular em procedimentos estéticos.
Keywords: Preenchedores Dérmicos; Hialuronoglucosaminidase; Arteriopatias Oclusivas.
Paciente do sexo feminino, 43 anos, fototipo III, foi submetida a preenchimento da região zigomática para reposição volumétrica. O produto utilizado foi uma combinação de ácido hialurônico e hidroxiapatita de cálcio (Harmonyca). Optou-se por uma cânula de 22G x 70 mm. Os pontos de aplicação foram realizados em três boli de 0,1 mL, localizados, respectivamente, no arco zigomático, na proeminência zigomática e na região malar.
Imediatamente, a paciente desenvolveu hipocromia na hemiface direita (Figuras 1 e 2). Na época, ela não havia relatado nenhum sintoma. Prontamente foi aplicado hialuronidase, diluindo 2.000 UI em 5 mL de diluente, e imediatamente encaminhada para ultrassonografia para pesquisa de possíveis obstruções, o que não se confirmou.
Decorridas 12 horas do procedimento, por meio de registros fotográficos enviados pela paciente, foi evidenciada a presença de livedo reticular (Figura 3). A partir desse momento, iniciou-se terapia com corticosteroide (prednisona 0,5 mg/kg/dia); aspirina 200 mg/dia; enoxaparina 1 mg/kg a cada 12 horas, esquema antibiótico empírico, com amoxicilina-clavulanato e nova aplicação de hialuronidase em toda a área afetada pelo livedo (Figura 4).
Passadas 72 horas do procedimento, devido à evolução dos sinais de obstrução vascular, como a formação de pústulas e petéquias (Figura 6), realizou-se nova ultrassonografia. Dessa vez, evidenciou-se suboclusão extrínseca da artéria facial transversa, no terço médio (Figura 5). Administrou-se hialuronidase com orientação ultrassonográfica.
Iniciou-se terapia adjuvante com câmara hiperbárica. Após 10 dias, a paciente apresentou resolução completa dos sinais (Figura 7).
O caso destaca a importância da identificação e intervenção precoces para minimizar as complicações decorrentes da oclusão vascular em procedimentos estéticos.
A artéria facial transversa tem um papel importante na irrigação lateral da face e é uma das principais artérias afetadas em casos de oclusão. A artéria está 2 cm acima do arco zigomático e segue paralela a ele. Entretanto, podem ocorrer variações anatômicas. Ela pode se originar da artéria temporal superficial ou da artéria carótida externa (Figura 8). Normalmente, ela se origina da artéria temporal superficial, no nível da região da glândula parótida. Ela supre a glândula parótida, o nervo facial e participa da irrigação do tegumento da região zigomática.
Ao considerar a ocorrência de eventos vasculares, um estudo com 370 dermatologistas indicou uma incidência de "oclusão vascular" correlacionada a uma em 6.410 se uma agulha fosse usada e uma em 40.882 com uma cânula. Outro estudo demonstrou que o risco relativo de oclusão vascular foi duas vezes maior entre profissionais durante os primeiros 5 anos de prática em comparação com aqueles que praticavam há mais tempo, indicando que a experiência do médico é um fator importante na sua ocorrência.1
Em uma série de casos, composta por 46 artigos e um total de 164 pacientes, registrou-se um total de 436 complicações relacionadas a preenchimentos dérmicos com hidroxiapatita de cálcio e ácido hialurônico, dos quais 31 casos ocorreram na região malar e foram classificados como leves ou transitórios. A maioria das complicações foi vermelhidão e edema na região injetada.7 A área zigomática foi classificada como uma região de risco moderado a baixo.2
A identificação imediata da primeira fase de oclusão (palidez) e a aplicação precoce de hialuronidase são necessárias para minimizar o risco de necrose tecidual. Alguns critérios devem ser avaliados quanto à possibilidade de oclusão arterial: avaliação do tempo de reperfusão capilar, dor e coloração da pele.2 Inicialmente, a paciente em questão apresentou palidez, seguida de livedo reticular, que corresponde ao estágio dois, e foi prontamente identificada e tratada com hialuronidase. Entretanto, apesar dos cuidados iniciais, o quadro piorou, o que mostra a importância de reavaliações frequentes para observar a eficácia das terapias aplicadas em um caso de oclusão vascular. O ultrassom dermatológico é um método útil para detectar materiais exógenos, descrevê-los e avaliar suas complicações.9 Entretanto, sua eficácia depende da experiência do ultrassonografista. Neste relato de caso, o primeiro ultrassom não mostrou obstrução.
Após um evento vascular induzido por preenchimento facial, quanto maior o tempo de isquemia, maior o comprometimento do tecido. A compreensão e o reconhecimento imediato dos estágios de uma oclusão são essenciais para o tratamento adequado e o monitoramento clínico. As reavaliações dos pacientes são essenciais para avaliar as respostas às terapias estabelecidas.
Isabelle Ary Duque
ORCID: 0009-0002-6381-1524
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Francisco Jefferson Araújo Elias
ORCID: 0009-0008-9515-3750
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Matheus Morais Lima 0000-0002-3722-963X
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
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