José Antonio Jabur1; Selma Schuartz Cernea2; Bianca Spina Papaleo1; Rute Facchini Lellis3
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 19/07/2023
Decisão final: 01/11/2023
Como citar este artigo: Jabur JA, Cernea SS, Papeleo BS, Lellis RF, Rêgo LC. Doença de Paget extramamária recidivada tratada com sucesso com cirurgia micrográfica de Mohs periférica associada à imuno-histoquímica rápida. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230280.
A doença de Paget extramamária é um adenocarcinoma cutâneo das glândulas apócrinas, de progressão lenta e etiologia incerta. O tratamento padrão é a remoção cirúrgica do tumor. No entanto, os métodos cirúrgicos usuais - excisão local ampla e cirurgia micrográfica de Mohs - apresentam dificuldades e elevadas taxas de recorrência.
Frequentemente, trata-se de lesões extensas, de limites mal-definidos, e localizadas em regiões anatômicas críticas. Além disso, apresentam disseminação subclínica intraepitelial imprevisível. Apresentamos o caso de um paciente com doença de Paget extramamária recorrente, tratado com sucesso com cirurgia micrográfica de Mohs periférica associada à imuno-histoquímica rápida para CK8/18.
Keywords: Doença de Paget Extramamária; Cirurgia de Mohs; Imuno-Histoquímica
A doença de Paget extramamária (DPEM) é um adenocarcinoma cutâneo das glândulas apócrinas, raro, com progressão lenta e etiologia obscura.1 Promover o conhecimento sobre esta doença é crucial, uma vez que o diagnóstico frequentemente é tardio, e as taxas de recorrência tendem a ser elevadas.2
Manifesta-se na forma de placas eritematosas e descamativas que acometem indivíduos idosos, sendo frequente na vulva, região perianal, púbis, pênis, escroto e região inguinal.3 O dermatologista deve suspeitar da DPEM em lesões unilaterais, crônicas, localizadas em áreas típicas, em pacientes idosos e resistentes ao tratamento instituído. O diagnóstico é baseado no exame anatomopatológico, com a presença das células de Paget, associado à imuno-histoquímica (IHQ) positiva para citoqueratina 7 (CK7) ou citoqueratina 8/18 (CK8/18).1,3
O tratamento padrão para DPEM é a remoção cirúrgica do tumor. Esta pode ser realizada basicamente por meio de excisão local ampla (ELA) com margem preestabelecida ou por meio de técnicas que avaliam 100% das margens operatórias, como cirurgias estagiadas ou cirurgia micrográfica de Mohs (CMM).
Alternativamente, alguns pacientes podem ainda ser tratados com a aplicação tópica de imiquimode, com bons resultados.4
Idade avançada, extensão do tumor, limites mal-definidos e região anatômica acometida dificultam frequentemente a aplicação de margens amplas. Embora a margem a ser aplicada nestes pacientes não esteja clara na literatura, alguns autores concordam com 2 a 3cm.2 Além disso, a ELA apresenta elevadas taxas de recidiva, que variam de 22 a 60%, a depender do estudo e das características do tumor.5,6
A disseminação subclínica típica, associada às elevadas taxas de recidiva, favorece o emprego da CMM ou de cirurgias estagiadas.5 No caso da CMM, no entanto, existe a dificuldade de se identificarem proliferações neoplásicas intraepiteliais sutis por meio do exame de congelação a fresco pela Hematoxilina & eosina (HE).5
Por outro lado, tal dificuldade pode ser resolvida nas cirurgias estagiadas, em que a análise das margens é realizada em parafina, com a possibilidade do emprego da IHQ, mas sob o custo de diversos tempos cirúrgicos até o clareamento da lesão.
Neste sentido, técnicas de IHQ rápida têm sido descritas para auxiliar a avaliação intraoperatória das margens de tumores intraepiteliais com extensa disseminação subclínica.7 Relatamos aqui o caso de um paciente com DPEM recidivada, tratado com sucesso com CMM associada à IHQ rápida para CK8/18.
Paciente do sexo masculino, 73 anos, apresentava-se com DPEM recorrente localizada na região inguinal e púbis (Figura 1) há anos. Portador de insuficiência coronariana e em uso de varfarina, inicialmente foi tratado com imiquimode, aplicado cinco vezes por semana por 15 semanas, tendo evoluído com recidiva. O tratamento com imiquimode foi realizado, mais uma vez, nos mesmos moldes, sem sucesso. Foi submetido, então, a duas ressecções cirúrgicas com margem de 10mm e intervalo de um ano, evoluindo persistentemente com recidiva local. Em nenhum momento evidenciou-se invasão ou comprometimento de órgãos internos.
O paciente, então, foi submetido à CMM periférica associada à IHQ rápida para CK8/18 (Novodiax ihdDirect®). Para o debulking, o tumor foi marcado e excisado no plano subcutâneo superficial. Optou-se por incluir a área hipocrômica perilesional nesta etapa da cirurgia (Figura 2). O debulking foi avaliado por meio de cortes verticais pela Hematoxilina & eosina (HE), em que as células de Paget foram observadas entre os queratinócitos em todas as camadas da epiderme (Figura 3). Em seguida, foi realizada marcação da 1ª fase da CMM com margem de 5 a 8mm (Figura 4).
A margem periférica foi incisada a 90º, processada por meio de cortes en face, inicialmente corada com HE, e as lâminas foram avaliadas por dermatopatologista experiente. As margens negativas ou duvidosas à HE foram submetidas à IHQ rápida para CK8/18. No presente caso, nenhuma margem negativa ao HE foi positiva à IHQ. No entanto, nas margens suspeitas de positividade, as células de Paget foram coradas em marrom na IHQ, confirmando sua presença entre os queratinócitos (Figura 5).
Foram necessários duas fases e 14 fragmentos para clareamento da lesão, gerando defeito cirúrgico de 90mm por 75mm. Após margens livres, procedeu-se à reconstrução por aproximação das bordas, associada à segunda intenção. O paciente foi acompanhado em ambulatório por nove meses, sem recidiva (Figuras 6 e 7). Devido à pandemia de Covid-19, foram realizadas entrevistas médicas por telefone, sendo a última com 35 meses de pós-operatório, em que não foi relatada recidiva. O paciente evoluiu para óbito por outras causas 36 meses após a cirurgia.
O caso estudado ilustra uma situação frequente na DPEM. Paciente idoso, com lesão extensa na região perigenital e com histórico de múltiplas recidivas às terapias instituídas. Devido às comorbidades associadas, inicialmente tentou-se tratamento com aplicação tópica de imiquimode. Terapias não invasivas, como imiquimode, podem ser indicadas para pacientes em que a morbidade cirúrgica possa ser considerada elevada. Uma revisão recente identificou 276 pacientes tratados com imiquimode, em que se observou resposta completa em 30% dos casos e taxa de recorrência de 35,4%.8 Em nossa experiência, além das taxas de recidiva, o tempo prolongado de exposição ao fármaco e a intensa reação inflamatória local também acrescentam morbidade e devem ser considerados no momento da escolha terapêutica.
Após falha do imiquimode, tentou-se excisão cirúrgica local, sem sucesso. Nesta técnica, o processamento vertical da peça cirúrgica limita a avaliação das margens a menos de 0,1%,5 o que é temerário em lesões de limites mal-definidos, padrão de crescimento irregular e extensa disseminação subclínica.7
Em uma meta-análise que avaliou a eficácia da CMM no tratamento da DPEM, a taxa de recorrência observada foi de 12,2% em um seguimento médio de 27,5 meses.9 Tal taxa é considerada alta quando comparada a outros tumores cutâneos rotineiramente tratados por CMM. Acredita-se que parte destas recorrências seja devido à dificuldade em se visualizarem células malignas intraepiteliais em exames de congelação à HE.5 Nestes casos, a IHQ rápida faz-se útil, pois evidencia as células malignas, podendo facilitar o controle adequado das margens.7
No presente caso, a IHQ não modificou a interpretação das margens. No entanto, esta foi realizada por dermatopatologista experiente, o que não retrata a rotina do cirurgião de Mohs. Em um estudo realizado em 2018 por Damavandy e colaboradores, avaliou-se a utilização da IHQ na interpretação das margens na DPEM tratada com CMM. Neste estudo, os autores reportaram uma taxa de recorrência de 5,6% em tumores recorrentes tratados com cirurgia estagiada associada à IHQ para CK7, comparada a 50% de recidiva nos pacientes em que não se utilizou a IHQ. No entanto, o tratamento cirúrgico necessitou até cinco dias para sua completa realização.8
Em nossa experiência, a CMM periférica associada à IHQ rápida proporcionou remissão prolongada de um tumor recorrente, tendo sido realizada de modo ambulatorial e em um único tempo cirúrgico. Além disso, evitou a aplicação de margens extensas, o que reduziu a morbidade do ato cirúrgico. No entanto, o alto custo e a baixa disponibilidade dos reagentes em nosso meio ainda são um entrave à disseminação desta técnica. Estudos futuros serão úteis no sentido de provar o real valor da IHQ rápida no tratamento cirúrgico da DPEM.
José Antonio Jabur
ORCID: 0000-0002-5780-0653
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Selma Schuartz Cernea
ORCID: 0000-0002-0710-5935
Aprovação da versão final do manuscrito.
Bianca Spina Papaleo
ORCID: 0000-0002-8380-9088
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Rute Facchini Lellis
ORCID: 0000-0001-7690-0513
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
1. Extramammary Paget's disease [Internet]. Available from: www.blackwellpublishing.com/bjog
2. Wollina U, Goldman A, Bieneck A, Abdel-Naser MB, Petersen S. Surgical treatment for Extramammary Paget's disease. Curr Treat Options Oncol. 2018;19(6).
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4. Dogan A, Hilal Z, Krentel H, Cetin C, Hefler LA, Grimm C, et al. Paget's disease of the vulva treated with imiquimod: case report and systematic review of the literature. Gynecol Obstet Invest. 2017;82(1):1–7.
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6. Damavandy AA, Terushkin V, Zitelli JA, Brodland DG, Miller CJ, Etzkorn JR, et al. Intraoperative immunostaining for cytokeratin-7 during Mohs micrographic surgery demonstrates low local recurrence rates in extramammary Paget's disease. Dermatol Surg. 2018;44(3):354–64.
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