Simone Ramos Neri1; Marcia Regina Franzolin2; Célia Luiza Petersen Vitello Kalil3; Vaniky Duarte Marques4; Ronaldo Maciel Marques2; Marta Oliveira Domingos2
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 20/04/2023
Decisão final: 20/06/2023
Como citar este artigo: Neri SR, Franzolin MR, Kalil CLPV, Marques VD, Marques RM, Domingos MO. Efeito terapêutico da Toxina Botulínica A em Foliculite Dissecante. Surg Cosmet Dermatol. 2024;16:e20240252.
Um paciente com foliculite dissecante que não respondeu à terapia com antibióticos recebeu quatro sessões mensais de administração intradérmica de 100 UI de toxina botulínica A. Quatro meses após o tratamento, foi observada uma recuperação completa da área afetada do couro cabeludo do paciente. Uma biópsia da área lesionada mostrou a presença de Staphylococcus lugdunensis e Staphylococcus aureus, ambos resistentes a eritromicina. Observou-se que a toxina não teve efeito sobre a viabilidade ou produção de biofilme das cepas de Staphylococcus, indicando que o efeito curativo da toxina estava associado apenas à resposta do hospedeiro.
Keywords: Toxinas Botulínicas Tipo A; Foliculite; Alopecia; Staphylococcus aureus; Staphylococcus lugdunensis.
A foliculite dissecante é uma alopecia cicatricial rara, caracterizada por inflamação neutrofílica, queda de cabelo, pústulas perifoliculares, nódulos e abscessos.1 Apesar de os abscessos da foliculite dissecante serem estéreis, eles estão frequentemente associados à infecção bacteriana secundária, principalmente por Staphylococcus aureus.2 Dessa forma, o tratamento convencional para essa doença envolve o uso de antibióticos tópicos e orais, que podem não ser muito eficazes em casos graves, nos quais a remoção cirúrgica da área afetada precisa ser considerada.3 Portanto, há uma necessidade urgente de encontrar novos tratamentos para controlar o desenvolvimento dessa doença. Levando em consideração que vários estudos demonstraram que a toxina botulínica A pode ser usada como tratamento alternativo para a alopecia androgenética, um distúrbio de foliculite não cicatricial não associado à infecção, o presente estudo investigou o efeito terapêutico da toxina botulínica A na foliculite dissecante.4,5 Os resultados obtidos foram muito promissores, sugerindo que a toxina botulínica A tem potencial para ser usada como tratamento alternativo para pacientes com foliculite dissecante que não respondem aos tratamentos convencionais com antibióticos.
Foi admitido em nossa clínica um paciente do sexo masculino, 37 anos, com quadro clínico de foliculite dissecante. O paciente não apresentava comorbidades associadas, como hipertensão arterial, diabetes ou obesidade. Ao exame clínico, foi observada a presença de nódulos, abscessos e uma mancha de alopecia (Figura 1).
Na admissão, o paciente foi tratado com antibiótico do tipo tetraciclina (100 mg/24 h por 12 semanas) e administração intralesional de corticosteroides e antibióticos. Entretanto, o paciente não respondeu a esses tratamentos. Por isso, a toxina botulínica A foi considerada como uma opção alternativa de tratamento. O paciente foi então tratado com a administração intradérmica de 100 UI de toxina botulínica A (Allergan) nos dias 0, 30, 60 e 90. Um diagrama da área do couro cabeludo a ser tratada foi previamente definido com o contorno dos locais de infecção. Cada local de injeção recebeu uma dose de 2,5 UI/100 µL de toxina botulínica A em solução salina estéril 0,9%. O paciente não recebeu nenhum outro tipo de tratamento durante esse período. Após o tratamento, o paciente relatou a eliminação da dor nas duas primeiras semanas de tratamento. Além disso, após um período de quatro meses do tratamento inicial, os abscessos e os inchaços regrediram, e foi observado um aumento significativo na densidade do cabelo (Figura 2).
Com o intuito de realizar uma análise microbiológica da área afetada, foi feita uma biópsia com punch de aproximadamente 3 mm de tamanho na área lesionada do couro cabeludo do paciente antes do tratamento com toxina botulínica A.6-8 Os resultados mostraram a presença de Staphylococcus aureus e Stapylococcus lugdunensis, que eram resistentes à eritromicina (Tabela 1).
A influência da toxina botulínica A sobre as cepas de Staphylococcus derivadas do paciente também foi investigada. Para isso, o efeito da toxina botulínica A sobre o crescimento (efeito bacteriostático) e a morte (efeito bactericida) de Staphylococcus aureus e Staphylococcus lugdunensis foi determinado pela medição da densidade óptica da cultura bacteriana e pela contagem do número de unidades formadoras de colônias, respectivamente.9-11 O efeito da toxina botulínica A sobre a capacidade das cepas bacterianas de produzir biofilme também foi determinado por ensaio colorimétrico, conforme descrito por Sheikl et al. (2001).12 Os resultados mostraram que a toxina botulínica A não teve efeito sobre a viabilidade das cepas de Staphylococcus e não influenciou sua capacidade de formar biofilme (Tabela 2).
A foliculite dissecante é uma doença de pele rara que pode causar sofrimento emocional significativo devido à aparência da pele afetada, bem como prurido, dor e perda permanente de cabelo. Essa doença destrói os folículos capilares causando oclusão folicular profunda, seguida de ruptura folicular e inflamação profunda do bulbo do folículo capilar. Portanto, a foliculite dissecante é caracterizada como uma foliculite cicatricial.13 A foliculite dissecante é frequentemente associada ao Staphylococcus aureus; no entanto, os resultados obtidos no presente trabalho demonstraram que o Staphylococcus lugdunensis também pode estar associado à foliculite dissecante. Além disso, os resultados também indicam que o efeito curativo da toxina botulínica A não parece estar associado à ação direta da toxina sobre o patógeno, pois não foi observado nenhum efeito da toxina sobre a viabilidade das cepas de Staphylococcus isoladas dos pacientes ou sua capacidade de produzir biofilme. Em contrapartida, o tratamento com a toxina botulínica A foi muito bem-sucedido, com o paciente relatando a eliminação da dor nos primeiros dias e a recuperação total após quatro meses. Portanto, parece que o efeito curativo da toxina está associado à resposta do hospedeiro. No entanto, o mecanismo de ação da toxina botulínica A ainda não foi totalmente compreendido, pois a toxina tem a capacidade de interagir com células neuronais e imunológicas.4 No entanto, vários estudos indicaram que, em condições de resposta imunológica alterada, induzida pela via anti-inflamatória colinérgica e pela liberação do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina CGRP, a toxina botulínica A pode agir localmente como um agente antagonista.4,14-17 Portanto, é possível que a administração intradérmica de toxina botulínica A em pacientes com foliculite dissecante seja capaz de mudar a reação inflamatória disfuncional do paciente para uma resposta imune competente e, consequentemente, restaurar o funcionamento normal da área afetada do couro cabeludo. De qualquer forma, são necessárias mais pesquisas para esclarecer completamente os mecanismos por trás do efeito curativo da toxina botulínica A e estabelecer protocolos para otimizar sua utilização como ferramenta terapêutica para a foliculite dissecante.
Em resumo, os resultados deste estudo sugerem que a toxina botulínica A pode ser usada como um tratamento alternativo para a foliculite dissecante em pacientes que não respondem ao tratamento convencional com antibióticos.
Simone Ramos Neri
ORCID: 0009-0004-7380-4795
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Marcia Regina Franzolin
ORCID: 0000-0003-0654-639X
Aprovação da versão final do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa.
Célia Luiza Petersen Vitello Kalil
ORCID: 0000-0002-1294-547X
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Vaniky Duarte Marques
ORCID: 0009-0005-0307-6283
Aprovação da versão final do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa.
Ronaldo Maciel Marques
ORCID: 0009-0006-8789-5936
Aprovação da versão final do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Revisão crítica do manuscrito.
Marta Oliveira Domingos
ORCID: 0000-0003-4492-0709
Aprovação da versão final do manuscrito, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
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