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Peristomal Pseudoverrucous Epitheliomatous Hyperplasia

Amanda Cochlar Medeiros Perrella; José Roberto Pereira Pegas; Mariana Reis e Rocha Dultra; Paula Barros Curvo Costa; Tayna Rangel Barreto

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2023150255

Data de submissão: 24/04/2023
Decisão Final: 21/07/2023
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Como citar este artigo: Perrella ACM, Pegas JRP, Dultra MRR, Costa PBC, Barreto TR. Hiperplasia epiteliomatosa pseudoverrucosa periestomal. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230255.


Abstract

A incidência de complicações do estoma varia de 20 a 70%. A hiperplasia epiteliomatosa pseudoverrucosa (HEP) é uma complicação rara da pele periestomal, de incidência desconhecida, tratamento não protocolar e com grande impacto na qualidade de vida do paciente. Existem inúmeras maneiras de tratar lesões periestomais, sendo a maioria em atendimento ambulatorial. Relatamos um caso de HEP periestomal em que foi realizada intervenção cirúrgica pela técnica de shaving para retirada da lesão, com resultados estéticos e funcionais bastante satisfatórios.


Keywords: Ileostomia; Colostomia; Hiperplasia


INTRODUÇÃO

A incidência de complicações do estoma varia de 20-70%.1 A hiperplasia epiteliomatosa pseudoverrucosa (HEP) é uma complicação rara da pele periestomal, de incidência desconhecida, tratamento não protocolado e com grande impacto na qualidade de vida do paciente.2,3

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 69 anos, portador de colostomia terminal definitiva devido à neoplasia colorretal há 18 anos, com história de surgimento de lesão cutânea periestomal de início insidioso e crescimento lento há cerca de dois anos. A lesão apresentava-se como uma placa papilomatosa de coloração castanho-violácea, friável à manipulação e extremamente dolorosa (Figura 1). Impactava substancialmente a qualidade de vida e, principalmente, o sono do paciente. Foi levantada a hipótese de dermatite de contato alérgica (DCA) pelos produtos utilizados no sistema da bolsa de colostomia e realizado um teste epicutâneo com leitura em 48h e 96h, sendo positivo em uma cruz para o colofônio, substância presente em adesivos, isolantes, colas, papéis, papelões, cosméticos, inseticidas e medicamentos tópicos. Incluíram-se na bateria do teste os produtos que o paciente utilizava na região justa periestoma, como pó, pomada e spray de barreira, todos com leitura negativa.

Tentada a quimiocauterização com bastão de nitrato de prata a 10% e ácido tricloroacético a 70%, com pouca melhora (Figura 2). Três semanas depois, optou-se por excisão cirúrgica pela técnica de shaving, utilizando-se lâmina cirúrgica, sendo que o nível da exérese atingiu derme reticular. Todo o material foi enviado para estudo histopatológico. Utilizou-se mupirocina por sete dias na ferida cirúrgica do pós-operatório imediato, seguida de compressas de permanganato de potássio e curativo em fita com alginato de cálcio. Uma semana após o procedimento, a ferida operatória apresentava-se com tecido de granulação, pouca fibrina e superfície úmida (Figura 3). Evoluiu, ao longo de seis semanas, com completa recuperação da pele e melhora da dor (Figura 4).

 

REVISÃO DE LITERATURA

Ileostomias e colostomias temporárias ou permanentes podem ser necessárias para o tratamento de diversas condições patológicas como anomalias congênitas, obstrução intestinal, doenças inflamatórias intestinais, trauma ou neoplasia.4

Cuidados apropriados com o estoma, nutrição e balanço hídrico do paciente permitem que a maioria dos pacientes ostomizados tenha uma vida social, profissional e sexual saudável.1,5,6

Um sistema de bolsa de colostomia consiste na bolsa de colostomia, barreira cutânea e um adesivo resistente à água.

A barreira cutânea consiste em uma placa hidrocoloide flexível que pode ser pré-cortada ou cortada pelo paciente para ajuste na junção estoma-pele. Cortar a placa hidrocoloide de forma personalizada previne, de maneira mais efetiva, o contato do efluente do estoma com a pele. Permite, também, que haja a adaptação da mesma no acompanhamento da modificação anatômica pós-operatória, que ocorre com a redução do edema. A adesividade do hidrocoloide é desfeita com a umidade, por isso o tempo de uso da bolsa é geralmente de quatro dias para prevenir irritação química por vazamento.2,4

Como a água e os detergentes amolecem o adesivo da bolsa, reduzindo o tempo de uso da mesma, não é recomendado lavá-la.2

Haja vista uma bolsa excessivamente cheia e, consequentemente, pesada poder destacar o acoplamento da bolsa à pele, recomenda-se esvaziá-la seis ou mais vezes ao dia.2

Utilizar produtos acessórios para ajudar a melhorar a fixação da bolsa, como agentes adesivos e preparadores da pele, assim como para prevenir a irritação da pele periestomal com pomadas, pó e spray de barreira, é recomendável.5

Entre 20 e 70% dos ostomizados irão experimentar uma complicação relacionada à ostomia.1 Complicações cutâneas ocorrem em 25-43% dos pacientes ileostomizados e em 7-20% dos pacientes colostomizados.2

A localização anatômica e o tipo de estoma possuem diferentes impactos em seus manejos. Colostomias em alça tendem a ser maiores e, de certa forma, mais difíceis de serem cuidadas do que colostomias terminais. O tipo e o volume do efluente, assim como o débito, são determinados pela localização do estoma em relação à válvula ileocecal. Como os efluentes do intestino delgado são mais ricos em enzimas proteolíticas, os pacientes portadores de ileostomia devem ter maior atenção com os cuidados de sua pele periestomal. Pacientes colostomizados produzem fezes que não contêm enzimas digestivas, correndo menor risco de lesões cutâneas periestomais.1,5,6

Recomenda-se tratar quaisquer lesões de pele de forma agressiva para prevenir sua progressão. A estratégia de tratamento abrange, para a maioria das complicações cutâneas periestomais, o ajuste do sistema da bolsa de colostomia e tratamento tópico para promoção da cura.2,5 A dermatite química é um problema comum que afeta mais de 34% dos ileostomizados. A natureza levemente ácida da pele (pH: 4,0-5,9) contribui para a função normal da barreira cutânea.9 As ileostomias produzem continuamente um efluente aquoso, alcalino, rico em enzimas proteolíticas que irritam a pele periestomal exposta. Vazamento crônico gera perda da integridade da barreira cutânea e maceração que pode, rapidamente, progredir para uma dolorosa ulceração. A distribuição da dermatite química corresponde topograficamente ao vazamento. A localização e protrusão inadequadas do estoma, assim como o tamanho inadequado do sistema da bolsa, podem gerar dermatites associadas a vazamento. Além disso, a manutenção da bolsa desgastada, geralmente quando se excede mais de cinco dias em uso, pode gerar uma desintegração da proteção da placa hidrocoloide, levando a um vazamento silencioso que pode gerar irritação química em questão de horas de exposição. A dermatite associada a vazamento pode ser mais bem prevenida pela criação de um estoma adequadamente protuso (1-2cm para colostomia e 2-3cm para ileostomias), localizado em área plana do abdômen, com um sistema de bolsa adequadamente acoplado. Após identificar e corrigir o vazamento, frequentemente com pastas preenchedoras e/ou um sistema de bolsa com base convexa, a lesão cutânea tende a melhorar rapidamente. O pó hidrocoloide irá ajudar a prevenir a perda da integridade cutânea. Raramente o reposicionamento operatório da ostomia é indicado para dermatites por vazamento recalcitrantes.2,7,8,9,10

Alergias podem surgir a partir de qualquer produto usado na ostomia, como placas, pós, pomadas, cintos, produtos de limpeza e adesivos. Reações alérgicas são raras, mas podem produzir no local eritema, vesículas, prurido e dor. Dermatite de contato alérgica (DCA) deve ser suspeitada nas mudanças de produtos usados na ostomia. Uma forma fácil de, empiricamente, diagnosticar uma DCA é aplicar uma pequena quantidade do produto suspeito em uma pequena área de pele do paciente por 24-48 horas. Se não houver reações alérgicas, um teste de contato formal deve ser realizado. O tratamento da DCA começa pela substituição do produto que contém a substância alergênica. Posteriormente, pode ser tratada com corticoides tópicos, sendo rara a necessidade de corticoides sistêmicos.2,7,8,9,10

A hiperplasia epiteliomatosa pseudoverrucosa (HEP) é uma sequela incomum de uma dermatite de contato crônica por irritante primário, hipoteticamente advinda da exposição crônica à umidade. A umidade crônica periestomal gera alterações benignas pseudoverrucosas no entorno do estoma que aparentam, conforme crescem, uma lesão infiltrada e irregular da pele com múltiplas variações de cores. Pacientes podem reportar coceira, dor ou sangramento. O estudo anatomopatológico pode revelar acantose, alongamento de cristas epidérmicas, hiperqueratose e inflamação da derme. O diagnóstico diferencial envolve condiloma, neoplasia, infecção bacteriana e candidíase. O tratamento envolve reavaliar a barreira cutânea, readequando a abertura da placa hidrocoloide. Entretanto, a área da lesão, por sua irregularidade, pode impedir o adequado acoplamento. Nitrato de prata tópico pode resolver a saliência da lesão cutânea. Infiltração com corticoide pode ser necessária, sendo que lesões mais extensas e severas podem requerer excisão cirúrgica.2,3

 

DISCUSSÃO

Neste relato de caso, descartou-se a dermatite química como causadora da lesão, pelo efluente ser de origem colônica, ou seja, não proteolítico ou muito alcalino. Afastada, também, a DCA, uma vez que não havia material adesivo próximo à lesão, mas em região mais distal, na qual a placa hidrocoloide e o sistema de flanges da bolsa eram fixados na pele. Ademais, o resultado do estudo anatomopatológico era mais compatível com HEP por exibir um processo inflamatório crônico inespecífico com ausência de espongiose.

O fato de a bolsa de colostomia do paciente poder ser desacoplada para limpeza por meio de um sistema de flanges, não havendo a necessidade de destacamento do adesivo e da placa hidrocoloide da pele, pode ter sido um fator predisponente a trocas menos frequentes do sistema da bolsa e, consequentemente, de um possível desgaste da adesividade da placa hidrocoloide, gerando vazamento silencioso do efluente que propiciou uma dermatite de contato por irritante primário e, ao longo do tempo, a HEP.

Optou-se por intervenção cirúrgica, por meio da técnica de shaving, para a remoção da lesão devido a sua extensão e cronicidade, além da má resposta ao tratamento tópico com nitrato de prata e ácido tricloroacético na tentativa de quimiocauterização. Obteve-se excelente resultado estético e funcional, melhorando de forma expressiva a qualidade de vida do paciente com a remissão da dor.

 

CONCLUSÃO

Condições raras, que não possuem tratamentos sacramentados na literatura, tornam-se um verdadeiro desafio ao cirurgião dermatológico. Ele deve usar sua expertise em técnica operatória de outros casos, muitas vezes bem distintos, para extrapolar para o caso em questão. A imperícia na tentativa de correção cirúrgica desta lesão cutânea em área tão delicada pode gerar uma complicação pior que a causa primária a ser corrigida e, assim sendo, necessitar de uma intervenção de muito maior porte como a reconfecção da ostomia em outro sítio.

Diversas condições cutâneas periestomais são totalmente preveníveis com o cuidado da pele periestomal e do sistema da bolsa de colostomia. Portanto, o seguimento multidisciplinar frequente, com médicos e enfermeiras estomaterapeutas, é essencial para o paciente ostomizado, tanto para educar o paciente quanto para corrigir de forma precoce quaisquer complicações identificadas.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Amanda Cochlar Medeiros Perrella
ORCID:
0000-0002-5265-6445
Study design and planning; preparation and writing of the manuscript; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases; critical literature review.
José Roberto Pereira Pegas
ORCID:
0000-0002-2541-6008
Study design and planning; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases; critical review of the manuscript.
Mariana Reis e Rocha Dultra
ORCID:
0000-0003-0510-221X
Critical literature review.
Paula Barros Curvo Costa
ORCID:
0000-0002-4114-4137
Critical literature review.
Tayna Rangel Barreto
ORCID:
0000-0002-9623-6397
Critical literature review.

 

REFERÊNCIAS:

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