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Artigo de revisão

Algoritmos para reparo das pálpebras

Ricardo Vieira1,2; João Goulão3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201911201

Data de recebimento: 18/05/2019
Data de aprovação: 12/06/2019
Trabalho realizado Serviço de Dermatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

Os defeitos nas pálpebras resultantes da excisão do câncer de pele são comuns na prática diária dos cirurgiões dermatológicos. O objetivo desta revisão é resumir os métodos mais relevantes para o reparo da pálpebra, propondo algoritmos reconstrutivos para as pálpebras inferiores e superiores. Ambos os algoritmos foram projetados de acordo com decisões dicotômicas baseadas na espessura (espessura parcial versus total) e no tamanho do defeito da pálpebra (menor que 1/3, menor que 2/3 ou maior que 2/3 do comprimento da pálpebra).


Keywords: Pálpebras; Reconstrução; Cornea; Neoplasias Palpebrais; Neoplasias Palpebrais/cirurgia


INTRODUÇÃO

A excisão do câncer de pele é a principal causa de defeitos palpebrais a serem tratados pelos cirurgiões dermatológicos. Como ocorre em outras regiões faciais, o carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia mais frequente nas pálpebras. Carcinoma de células escamosas (CEC), melanoma e carcinoma sebáceo são responsáveis pela maioria dos casos restantes.1 O cirurgião dermatológico deve estar preparado para enfrentar esse tipo de defeito, para o qual é essencial desenvolver habilidades cirúrgicas avançadas baseadas em sólidos conhecimentos sobre anatomia e fisiologia palpebral.

A reconstrução palpebral é geralmente desafiadora e a decisão sobre o método ideal para reparar um defeito específico baseia-se principalmente em dois fatores: a espessura e a extensão do defeito.

O método de fechamento escolhido deve resultar em vetores de tensão com orientação horizontal predominante. Além disso, o alinhamento da margem livre e a fixação cantal devem ser preservados ou restaurados. Cada camada da pálpebra deve ser reparada, desde a camada tarsoconjuntival interna até a camada cutânea externa. Esses princípios básicos são essenciais para alcançar resultados estéticos e funcionais ótimos, prevenindo complicações, como ectrópio, lagoftalmo, epífora e conjuntivite crônica, além de secura e ulceração da córnea.

Os algoritmos reconstrutivos são geralmente considerados ferramentas úteis no cenário clínico, ajudando o cirurgião a decidir qual estratégia de gerenciamento deve ser escolhida. O objetivo deste trabalho é projetar algoritmos decisórios para o reparo das pálpebras superiores e inferiores.

Materiais e métodos

Os algoritmos foram baseados em uma revisão da literatura sobre o reparo palpebral e também na experiência pessoal do autor. Portanto, apesar da revisão de literatura apoiar as opções propostas, o algoritmo pode ser influenciado por algumas preferências pessoais. Os algoritmos não têm intenção de incluir uma revisão extensa de todas as possíveis opções reconstrutivas relatadas na literatura. Sob a mesma combinação de critérios (experiência pessoal e revisão da literatura), as técnicas mais relevantes foram consideradas as mais confiáveis e consistentes.

 

RESULTADOS

Condicionais dos algoritmos. O tamanho e a espessura do defeito foram identificados como os dois fatores com maior impacto na decisão sobre o método reconstrutivo a ser utilizado, tanto para defeitos palpebrais inferiores quanto superiores.2,3,4

O manejo de defeitos de espessura parcial difere grandemente do manejo de defeitos de espessura total, uma vez que defeitos de espessura total exigem restauração da lamela posterior (camada tarsoconjuntival) além da lamela anterior (camada miocutânea).2,3,4 Portanto, a espessura foi considerada a primeira condição a ser incluída no algoritmo.

A extensão do comprimento da pálpebra afetada pelo defeito é mais relevante do que o próprio diâmetro absoluto. Portanto, o tamanho, expresso como uma fração do comprimento da pálpebra, foi apontado como a segunda condição do algoritmo.

A capacidade de fechar primariamente um defeito está relacionada principalmente ao seu tamanho. No entanto, fatores individuais também podem influenciar (elasticidade do tecido, idade, etc.). Desta forma, naquelas situações em que as variações individuais foram consideradas como tendo influência na estratégia reconstrutiva, a capacidade de fechar primariamente um defeito foi incluída como uma condição específica, em vez do próprio tamanho.

Defeitos de espessura parcial

O reparo de defeitos cutâneos apenas na pálpebra deve ser realizado evitando-se a tensão vertical para prevenir ectrópio, exposição da esclera ou lagoftalmo, causando comprometimento estético e distúrbios funcionais como epífora, conjuntivite crônica e olho seco. As pálpebras superiores admitem algum grau de tensão vertical, mas as pálpebras inferiores são incapazes de suportar qualquer tipo de força vertical. Portanto, deve ser sempre considerada uma abordagem horizontal.5 Se o fechamento primário leva à uma distorção ou tensão vertical sobre a margem da pálpebra, há uma necessidade evidente de técnicas especiais. Pacientes com “snap-back test” prejudicado são mais propensos à ocorrência de ectrópio.6

Em grandes defeitos que ocorrem na pálpebra inferior, o fechamento direto pode ser possível às vezes após a estabilização da pálpebra através de cantopexia lateral e elevação da gordura ocular suborbicular (SOOF) (Figura 1), ancorando esse tecido ao periósteo da borda orbital.7 Caso contrário, será necessária um retalho ou um enxerto. Enxertos de pele de espessura total são eficientes para reparar a lamela anterior em ambas as pálpebras.3,4 A área doadora mais utilizada é a pálpebra superior oposta.

A pele redundante da pálpebra superior pode ser recrutada como retalho de avanço ou rotação para defeitos de espessura parcial da pálpebra superior. Os retalhos de transposição da região periocular e da região supraciliar também podem ser escolhidos para reparo de defeitos maiores.

Vários retalhos foram descritos para correção de defeitos de espessura parcial da pálpebra inferior. O retalho de Tripier,8 que consiste em um retalho de transposição miocutâneo da pálpebra superior homolateral, é uma das técnicas mais confiáveis para esse fim (Figura 2). Outros retalhos alternativos de transposição são o retalho de Fricke, o retalho de Kreibig e o retalho nasolabial com base superior. Retalhos de avanço (retalhos de McGregor e de Imre)8,9 da região periocular também são uma possibilidade. O retalho de rotação de Mustardé10 é uma opção muito boa para reparar defeitos extensos da lamela anterior da pálpebra inferior (Figura 3).

Defeitos de espessura total

Pequenos defeitos de espessura total podem ser reparados por fechamento direto. Se o defeito envolver a margem palpebral, geralmente o fechamento é realizado após o planejamento da excisão sob forma de pentágono (Figura 4, coluna da esquerda). Esse método unirá as bordas da lesão produzindo hi-pereversão, resultando em uma margem palpebral alinhada, fato crucial para alcançar um resultado cosmético e funcional ideal.11 Se houver muita tensão e for difícil unir as bordas da lesão, o fechamento pode ser facilmente realizado após o ligamento cantal lateral ter sido cortado (cantólise lateral).4 Isso permitirá um avanço adicional de até 5mm (Figura 4, coluna da direita). Após a sutura, o canto lateral deve ser recolocado no periósteo da borda orbital.

O retalho de Tenzel (retalho semicircular de avanço-rotação da região zigomática)4 é uma excelente opção para defeitos com até 1/3 do comprimento da pálpebra, apesar da correção em até 40-50% do comprimento da pálpebra poder ser realizada algumas vezes por este retalho na pálpebra superior. O retalho de Tenzel tem a vantagem de reparar ambas as lamelas em um único procedimento. O desenho semicircular do retalho de Tenzel é altamente importante para prevenir o ectrópio. A convexidade do semicírculo é melhor para a pálpebra inferior, no entanto é considerada pior para a pálpebra superior (Figura 5).

Defeitos maiores do que 1/3 do comprimento da pálpebra inferior comumente requerem procedimentos em múltiplos estágios, com reparo sequencial das lamelas posterior e anterior. Enxertos tarsoconjuntivais colhidos na pálpebra superior (Figura 6, linha superior) ou retalhos (retalho de Hughes)12 podem reparar defeitos com até 2/3 da extensão da pálpebra inferior (Figura 7). De 2/3 até a totalidade da pálpebra, o septo nasal (alternativamente, a mucosa oral e a cartilagem auricular podem ser usadas), é um bom doador para a coleta de enxertos condromucosos (Figura 6, linha inferior), grande o suficiente para toda a restauração da lamela posterior.13 Quando a lamela posterior é reparada com um enxerto, um retalho deve ser feito para reparar a lamela anterior,4 uma vez que um enxerto suturado sobre outro enxerto resultará em má nutrição de ambos, levando à necrose. No entanto, um enxerto de pele de espessura total é um procedimento seguro a ser realizado, além de um retalho de Hughes tarsoconjuntival.

Defeitos maiores que a metade do comprimento da pálpebra superior são muito difíceis de reparar e as opções são muito limitadas. O procedimento mais confiável e seguro é o retalho de Cuttler-Beard,14 que consiste em um retalho de avanço de espessura total colhido na pálpebra inferior. Assim como o retalho de Hughes, é um retalho de interpolação com um período de 4-6 semanas antes da divisão do pedículo (Figura 8). Como o retalho de Cutter-Beard não deve afetar a margem da pálpebra inferior, ele é encapsulado para alcançar a posição final sobre o defeito da pálpebra superior.

Algoritmos

Os algoritmos finais podem ser analisados nas figuras 9 e 10

 

CONCLUSÕES

A reconstrução palpebral é desafiadora de acordo com características anatômicas e fisiológicas específicas das pálpebras. A multiplicidade de técnicas cirúrgicas disponíveis, diferenças na espessura e tamanho dos defeitos e variações individuais na mobilidade e elasticidade da pele dificultam o estabelecimento da estratégia reconstrutiva.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Ricardo Vieira | ORCID 0000-0002-5914-9171

Contribuição: redação do manuscrito, autor das figuras 1 a 7, co-autor dos fluxogramas das figuras 9 e 10.

João Goulão | ORCID 0000-0001-8378-9569

Revisão do manuscrito, autor da figura 8, co-autor dos fluxogramas das figuras 9 e 10.

 

REFERÊNCIAS

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13. Yamamoto N, Ogi H, Yanagibayashi S, Yoshida R, Takikawa M, Nishijima A, et al. Eyelid Reconstruction Using Oral Mucosa and Ear Cartilage Strips as Sandwich Grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017;5(4): e1301.

14. Mandal SK, Fleming JC, Reddy SG, Fowler BT. Total Upper Eyelid Reconstruction with Modified Cutler-Beard Procedure Using Autogenous Auricular Cartilage. J Clin Diagn Res. 2016;10(8):NC01–4.


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