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Relato de casos

Transplante de melanócitos - Variação da técnica de microenxertia

Carlos Roberto Antonio; Lívia Arroyo Trídico; Thalita Marçal Machado; João Roberto Antonio

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2018102907

Data de recebimento: 05/10/2016

Data de aprovação: 10/03/2017


Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) – São José do Rio Preto (SP), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

Vitiligo é desordem adquirida da pigmentação, caracterizada pelo desenvolvimento de máculas acrômicas bem definidas na pele. É considerado estável quando nenhuma lesão nova aparece ou quando lesões preexistentes não sofrem alterações ao longo de pelo menos um ano. Nesses casos o tratamento cirúrgico é importante opção terapêutica. A microenxertia por punch é a técnica de transplante de melanócitos mais comumente realizada, com ótima repigmentação. Descreve-se uma variação dessa técnica utilizando enxertos ainda menores e mais finos (que consistem de epiderme e derme fina), para buscar resultados esteticamente melhores do que os da técnica tradicional, principalmente ao tratar áreas com significativo acometimento estético.


Keywords: Melanócitos; Transplante; Vitiligo


INTRODUÇÃO

O vitiligo é desordem adquirida da pigmentação, caracterizada por máculas acrômicas bem definidas na pele com perda de melanócitos epidérmicos. As lesões são localizadas ou generalizadas podendo coalescer em grandes áreas despigmentadas. Dado o contraste entre áreas lesionadas e pele normal, é mais desfigurante em fototipos altos e tem profundo impacto sobre a qualidade de vida.1

A incidência do vitiligo é 1-2% na população mundial, afetando todos os grupos étnicos e igualmente os sexos. Várias teorias têm sido propostas para explicar sua patogênese, incluindo hipótese bioquímica, neural e autoimune. Atualmente, propõe-se etiologia multifatorial, conhecida como teoria da convergência.2

O vitiligo é classificado em dois grupos principais quanto ao aspecto clínico: segmentar e não segmentar. De acordo com sua atividade, pode ser estável ou instável. É considerado estável quando nenhuma lesão nova aparece ou quando as lesões preexistentes não sofrem alterações ao longo de pelo menos um ano.1,3,4 Esse fato é importante porque o tratamento cirúrgico é opção terapêutica reservada para o vitiligo estável.5 Pacientes com vitiligo segmentar, ao contrário daqueles com vitiligo não segmentar, são mais resistentes ao tratamento, embora apresentem boa resposta ao tratamento cirúrgico.6

Para decidir pelo tratamento cirúrgico com transplante de melanócitos, deve-se levar em conta dois relevantes fatores: vitiligo estável e ausência de resposta a outras formas de tratamentos clínicos disponíveis. Nesses casos, os pacientes podem ser beneficiados por tratamentos cirúrgicos, que consistem no transplante de melanócitos e que podem ser realizados por duas técnicas principais: transplante de tecido cutâneo ou de suspensão celular para as áreas afetadas.4,7,8

A microenxertia por punch, que consiste em transplante de tecido cutâneo, é a técnica cirúrgica mais realizada; para isso, a área receptora é preparada pela realização de múltiplos orifícios por punchs 0,25 ou 0,5mm menores do que os enxertos retirados da área doadora, que são de até 1mm para áreas faciais e até 1,2mm para outras regiões.3,4,9 Enxertos maiores podem produzir efeito cosmeticamente indesejável, conhecido como cobblestoning (aparência de pedra de calçamento).9 A microenxertia por punch garante excelente repigmentação, sendo que em torno de 75% dos pacientes tratados atingem entre 90 e 100% de pigmentação.10

Buscamos no presente trabalho, descrever uma variação da técnica de microenxertia por punch, utilizando enxertos ainda menores e mais finos, a fim de trazer resultados esteticamente melhores do que os da técnica tradicional em casos de vitiligo estável sem resposta a tratamentos clínicos.

 

MÉTODOS

Duas pacientes do sexo feminino com vitiligo segmentar e estável na face há mais de dois anos e sem resposta a tratamento clínico foram selecionadas (Figuras 1 e 2). Ambas haviam sido tratadas clinicamente com hidrocortisona creme 1% durante três meses e, posteriormente, com tacrolimus 0,03% durante mais três meses, totalizando seis meses de tratamento, durante o qual realizaram também duas sessões semanais de fototerapia.

A área doadora selecionada foi a região retroauricular, tendo sido retirados fragmentos com punchs de 2mm após anestesia local (Figura 3). Os fragmentos doadores são constituídos de epiderme, derme e subcutâneo. Após a retirada, foi realizado shaving para separar cuidadosamente a derme papilar e a epiderme da derme reticular e do subcutâneo. Em seguida, com o auxílio de uma lupa, os enxertos constituídos somente de derme e epiderme foram reduzidos em 4-6 fragmentos menores (Figura 4).

Após anestesiar a área receptora, um desses pequenos fragmentos foi colocado na ponta de uma agulha 18G e em seguida a área anestesiada foi perfurada com o bisel da agulha. Com a ajuda de uma pinça, o fragmento foi empurrado para o pertuito gerado pela agulha, que foi cuidadosamente retirada, de modo a deixar o fragmento no local perfurado (Figuras 5 e 6). Dessa forma, todos os fragmentos retirados são implantados na área receptora com a distância média de 1cm entre eles.

Após o procedimento, como de praxe, não foi realizado curativo local. As pacientes foram orientadas a não lavar o rosto no mesmo dia, não remover as crostas hemáticas nem esfregar com toalha durante sete dias. Não é necessário usar protetor solar, pois as próprias crostas protegem os microenxertos. As pacientes tratadas realizaram duas sessões semanais de fototerapia UVB após a etapa cirúrgica - a que recebeu enxerto na região de pálpebra superior esquerda, 27 sessões; a outra, tratada nas regiões de glabela, bochecha, pele do lábio superior, parede lateral nasal direita e mandíbula à direita, 20.

 

RESULTADOS

As duas pacientes apresentaram repigmentação na área tratada. A que foi tratada na região da pálpebra superior esquerda realizou três sessões do procedimento cirúrgico com intervalo de seis meses entre elas e atingiu 90% de repigmentação na pálpebra no período de seis meses após a realização do último procedimento (Figura 7). A outra paciente, que apresentava lesão de vitiligo nas regiões de glabela, bochecha, pele do lábio superior, parede lateral nasal direita e mandíbula à direita realizou duas sessões de tratamento cirúrgico com intervalo de seis meses entre elas e apresentou repigmentação em cerca de 60% a 70% da lesão em três meses após a realização do último transplante de melanócitos (Figura 8).

Com essa técnica, observamos que o fragmento doador se adaptou à área receptora de forma simples e completa, evitando diferenças na superfície da pele que evidenciem as áreas de enxerto. A área tratada ficou com aparência lisa e esteticamente aceitável. A repigmentação se iniciou próximo aos minienxertos e se estendeu ao redor. Todos os enxertos implantados promoveram pigmentação. As duas pacientes estão satisfeitas com o tratamento. Não houve efeito colateral nesses casos.

 

DISCUSSÃO

O transplante de melanócitos é importante opção terapêutica para pacientes com doença estável sem resposta ao tratamento clássico.11 Os tratamentos cirúrgicos disponíveis para tratar vitiligo buscam promover reserva de melanócitos a fim de repigmentar lesões refratárias.12 Dessa forma, utilizamos uma variação da técnica de microenxertia de transplante de melanócitos para tratar duas pacientes do sexo feminino com lesões na face e com considerável impacto psicológico.

Por se tratar de lesões que acometiam a face de mulheres, considerar o envolvimento estético é fundamental. Sendo assim, buscando resultado esteticamente melhor do que com a técnica tradicional de microenxertia por punch, que pode estar associada a alguns efeitos adversos, tais como enxerto estático (sem espalhamento do pigmento), efeito cobblestone, hiperpigmentação pós-inflamatória, falência do enxerto, formação de cicatriz, desenvolvemos essa técnica, considerando-a uma variação da tradicional.7,12

Ao remover a camada de subcutâneo e derme profunda do enxerto, possibilitamos melhor encaixe na área receptora, evitando que o enxerto fique mais elevado do que a pele ao redor. Além disso, fragmentos menores associam-se a menos efeitos colaterais locais e estimulam a pigmentação tal como a técnica tradicional de microenxertia por punch.

 

CONCLUSÃO

Essa variação da técnica de microenxertia por punch mostrou-se eficaz na repigmentação de duas pacientes com vitiligo estável na face. Não foram observados efeitos colaterais, e houve boa aceitação da área receptora aos minienxertos. Concluímos que essa variação da técnica tradicional é promissora para tratar quadros estáveis de vitiligo, em áreas delicadas, que necessitam de considerável preocupação estética. Além disso, a técnica é simples e de baixo custo. Novos estudos são necessários para estabelecer esses resultados em maior número de pacientes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Carlos R. Antonio | ORCID 0000-0001-9243-8293
Idealizador da técnica utilizada, responsável pela realização do tratamento cirúrgico em uma das paciente, revisão do texto final do artigo.

Lívia Arroyo Trídico | ORCID 0000-0002-7743-4195
Revisão de literatura, Redação do artigo e Realização do tratamento cirúrgico em uma das pacientes.

Thalita M. Machado | ORCID 000-003-2078-305X
Revisão de literatura, realização do tratamento cirurgico em uma das pacientes.

João Roberto Antonio | ORCID 0000-0002-0268-5934
Revisão do texto final do artigo.

 

REFERÊNCIAS

1. Ezzedine K, Lim HW, Suzuki T, Katayama I, Hamzavi I, Lan CC, et al. Revised classification/nomenclature of vitiligo and related issues: the vitiligo global issues consensus conference. Pigment Cell Melanoma Res. 2012; 25(3):E1-13.

2. Gawkrodger D.J., Ormerod A.D., Shaw L., Mauri-Sole I. et ál. Vitiligo: concise evidence based guidelines on diagnosis and management. Postgrad Med J. 2010; 86(1018):466-71.

3. Elias BLF, Ferreira FR, Lima EMA, Amarante CF, Mandelbaum SH. Grafting by epidermal scraping in stable vitiligo: a therapeutic option. Surg Cosmet Dermatol 2016;8(2):173-7.

4. Kachhawa D, Rao P, Kalla G. Simplified non cultured non trypsinised epidermal cell graft technique followed by psoralen and ultraviolet a light therapy for stable vitiligo. J Cutan Aesthet Surg 2017; 10(2):81 5.

5. Coringrato M, Cergneux F. Técnicas quirúrgicas en tratamiento de vitiligo. Dermatol Argent. 2014; 20(4): 284-9.

6. Steiner D, Bedin V, Moraes MB, Villas RT, Steiner T. Vitiligo. An Bras Dermatol, 2004;79(3):335-51.

7. Lahiri K. Evolution and evaluation of autologous mini punch grafting in vitiligo. Indian J Dermatol. 2009; 54:159 67.

8. Ramos MG, Ramos DG, Gontijo G, Ramos CG, Rocha TN, Rocha RH. Non-cultured melanocyte/keratinocyte transplantation for the treatment of stable vitiligo on the face: report of two cases. An Bras Dermatol. 2013;88(5):815-8.

9. Reichert-Faria A, Tarlé RG, Dellatorre G, Mira MT, Silva de Castro CC. Vitiligo - part 2 - classification, histopathology and treatment. An Bras Dermatol. 2014;89(5):784-90.

10. Falabella R. Surgical treatment of vitiligo: why, when and how. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2003;17(5):518-20.

11. Patel NS, Paghdal KV, Cohen GF. Advanced treatment modalities for vitiligo. Dermatol Surg. 2012; 38(3):381-91.

12. Ebrahimi A, Radmanesh M, Kavoussi H. Recipient site preparation for epidermal graft in stable vitiligo by a special fraise. An Bras Dermatol. 2015;90(1):55-60.


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