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Relato de casos

Nevo sebáceo de Jadassohn no couro cabeludo - reconstrução com retalho de rotação bilateral

Marcela da Costa Pereira Cestari1; Andrea Penhalber Frange1; Bianca Pinheiro Bousquet Muylaert1; Anna Rita Ferrante Mitidieri de Oliveira1; Eduarda Braga Esteves1; Nátalie Schnaider Borelli1; Douglas Haddad Filho2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684835

Data de recebimento: 07/06/2016
Data de aprovação: 10/10/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O nevo sebáceo de Jadassohn é hamartoma benigno congênito da pele, mais incidente no couro cabeludo, podendo apresentar-se na face. Devido ao potencial de malignização, sua excisão muitas vezes se faz necessária. Lesões situadas no couro cabeludo constituem desafio ao cirurgião devido às características anatômicas do local, com escassez e inelasticidade da pele adjacente. Neste relato, apresentamos um caso de excisão de nevo sebáceo de Jadassohn no couro cabeludo, com fechamento da ferida operatória por retalho de rotação bilateral, técnica muito simples e versátil, excelente para topografias de difícil reconstrução, como o couro cabeludo.


Keywords: PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS; NEVO SEBÁCEO DE JADASSOHN; RETALHOS CIRÚRGICOS


INTRODUÇÃO

O nevo sebáceo de Jadassohn (NSJ) ou nevo organoide é hamartoma benigno congênito da pele, caracterizado por hiperplasia da epiderme, folículos pilosos degenerados, glândulas sebáceas e glândulas apócrinas ectópicas. Ocorre em aproximadamente 0,3% dos indivíduos, sem predileção por sexo. A lesão em geral está presente ao nascimento e apresenta-se como placa bem delimitada constituída por múltiplas pápulas confluentes de coloração amarelo-alaranjada ou amarelo-acastanhada, predominantemente no couro cabeludo, onde cursa com alopecia no local da lesão.

Durante a puberdade sua superfície torna-se espessada e verrucosa por estímulos hormonais aos componentes écrinos e apócrinos, podendo, na fase adulta, a lesão se tornar nodular com a ocorrência de ulcerações e crostas. A possibilidade de surgimento de neoplasias secundárias nessa fase é de 10 a 30%, sendo as principais carcinoma basocelular, siringocistoadenoma papilífero e tricoblastoma. Na eventual transformação maligna ou em casos que apresentem ulceração, a exérese cirúrgica pode ser necessária. Lesões de grandes dimensões localizadas no couro cabeludo geralmente apresentam dificuldade de reconstrução devido às características anatômicas do local.1,2

O revestimento do segmento cefálico pode ser dividido em partes moles e tecidos ósseos. As partes moles, responsáveis pela cobertura e proteção da estrutura óssea, são divididas em pele, tecido subcutâneo, gálea, tecido areolar frouxo e pericrânio. O tecido subcutâneo é formado por tecido conjuntivo denso, gordura e vários septos fibrosos resultando em estruturas inelásticas. As principais artérias e veias responsáveis pela irrigação e drenagem venosa da região estão localizadas nessa camada. Entre as mais importantes estão os vasos temporais superficiais, supraorbitários, supratrocleares, auricular posterior e occipital. Essa vasta rede vascular permite a utilização de vários tipos de retalhos, com considerável segurança. O tecido areolar frouxo, ou tecido subaponeurótico, localiza-se entre a gálea e o pericrânio. Suas características estruturais facilitam o acesso cirúrgico e a elevação dos retalhos, constituindo um plano de fácil dissecção. Apresenta também pequenas artérias que irrigam o pericrânio, e pequenas veias emissárias, que conectam os seios venosos intracranianos com o sistema venoso superficial.3

A reconstrução de feridas operatórias no couro cabeludo pode ser realizada por sutura simples, retalhos e enxertos, sendo os enxertos aplicados em casos muito particulares devido à dificuldade de se obter área doadora semelhante. As suturas diretas nem sempre são possíveis devido à escassez de pele adjacente no couro cabeludo e a sua inelasticidade. Dessa forma, feridas com diâmetro superior a 3cm usualmente necessitam reconstrução por retalho, que pode ser de rotação, avanço ou transposição.3,4

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino de 57 anos, natural de São Paulo, procurou atendimento com queixa de lesão no couro cabeludo desde a infância com mudança do aspecto na idade adulta.

Ao exame dermatológico apresentava placa verrucosa normocrômica com áreas acastanhadas e áreas friáveis medindo 3,6cm em seu maior eixo, na região parietal esquerda do couro cabeludo (Figura 1). Foi realizada biópsia incisional com análise histopatológica que confirmou o diagnóstico de NSJ. Devido à queixa do paciente e ao risco de malignização, optou-se por exérese da lesão.

O paciente foi submetido a ressecção circular do tumor, com margem de segurança de 5 mm (Figura 2), até plano galeal, seguida de reconstrução por rotação de retalhos cutâneos circulares bilaterais, também confeccionados até o plano galeal, com base em ramos dos vasos occipital e temporal superficial (Figuras 3 e 4). A rotação dos retalhos foi em direção medial com realização de sutura com pontos simples com náilon 4.0 (Figura 5). A peça cirúrgica foi enviada para exame anatomopatológico, apresentando margens livres e ausência de neoplasias.

O paciente demonstrou boa evolução pós-operatória, com excelente cicatrização e resultado estético final (Figura 6).

 

DISCUSSÃO

O NSJ ocorre em aproximadamente 0,3% dos indivíduos, geralmente ao nascimento, localizando-se, mais comumente, no couro cabeludo. Na idade adulta pode associar-se com diversos tumores, sendo os mais incidentes carcinoma basocelular, siringocistoadenoma papilífero e tricoblastoma. Apesar de se apresentar inicialmente como lesão benigna, na maioria dos casos é indicada a exérese cirúrgica devido ao risco de malignização, o qual aumenta com o passar dos anos. Casos localizados no couro cabeludo podem ser de difícil abordagem devido às características anatômicas da região.1,2

O couro cabeludo apresenta pouca expansibilidade tecidual, o que dificulta a sutura primária de lesões maiores, necessitando, na maioria das vezes, de descolamentos mais extensos dos tecidos, obtendo-se inadequada aproximação tensa das bordas, o que implica cicatrizes alargadas e/ou alopecia.3,4

A alternativa aplicada nesses casos é a utilização dos retalhos de pele do couro cabeludo. As formas de planejamento e as opções desses retalhos são muito variadas, haja vista a extensa rede vascular do segmento.

Formada bilateralmente pelos vasos supratroclear, supraorbitário, temporal superficial, occipital e auricular posterior, a irrigação do couro cabeludo forma, principalmente na região central, uma rede vascular muito extensa, onde os ramos desses vasos principais se anastomosam,4 permitindo grandes arcos de rotações de retalhos arteriais, propriamente ditos, além das transposições cutâneas em outras unidades estéticas, como, por exemplo, o retalho de Washio para reconstrução de territórios da face.4,5

Com essa rica vascularização, as opções de retalhos para fechamento das ressecções tumorais podem ser bem variadas, desde pequenos retalhos cutâneos até grandes reconstruções que necessitem de expansões cutâneas e retalhos microcirúrgicos.

Entre as diversas possibilidades de utilização de retalhos para o couro cabeludo, o retalho de rotação é um modelo muito seguro e de fácil execução. Em geral, a reconstrução se inicia com a rotação de um retalho unilateral e fechamento primário da área doadora. Caso a rotação unilateral seja insuficiente, no mesmo tempo cirúrgico, pode-se utilizar outro retalho contralateral, de iguais tamanho e forma, demonstrando uma proposta de grande versatilidade do retalho de rotação.

 

Referências

1. Quadros JM, Marques AS. Aspectos evolutivos do nevo sebáceo de Jadassohn. An Bras Dermatol. 1982;57(2):109-115.

2. Moody MN, Landau JM, Goldberg LH. Nevus sebaceous revisited. Pediatr Dermatol. 2012;29(1):15-23.

3. Leedy JE, Janis JE, Rohrich RJ. Reconstruction of acquired scalp defects: an algorithmic approach. Plast Reconstr Surg. 2005;116(4):54e-72e.

4. Washio H. Retroauricular-temporal flap. Plast Reconstr Surg. 1969;43(2):162-66 .

5. Washio H. Further experience with the retroauricular temporal flap. Plast Reconstr Surg. 1972;50(2):160-62.

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa) – São Paulo (SP), Brasil.


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