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Carcinoma basocelular de localização inusitada na orelha - reconstrução cirúrgica

Cibele Conceição dos Apóstolos Pereira1; Vando Barbosa de Sousa1; Solange Cardoso Maciel Costa Silva2; Candida Naira Lima e Lima Santana3; Mario Chaves Loureiro do Carmo4; Paula Renaux Wanderley Caratta Macedo5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684836

Recebido: 11/06/2016
Aprovado: 12/08/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Retalhos cutâneos constituem técnica cirúrgica particularmente útil para reparos estéticos nos casos de excisões extensas e/ou lesões de localizações peculiares, como a orelha. Diversas opções de retalhos cutâneos já foram descritas, determinando resultados variáveis que dependem do conhecimento teórico e da experiência prática do cirurgião. O objetivo deste artigo é relatar dois casos de sucesso com a utilização das técnicas de retalhos anterior e posterior para reparação da orelha e revisar a literatura afim.


Keywords: RETALHOS CIRÚRGICOS; ORELHA; CARCINOMA BASOCELULAR


INTRODUÇÃO

Retalhos cutâneos constituem importante técnica de reconstrução na prática da cirurgia dermatológica. Caracterizam-se pela manutenção do pedículo vascular original no tecido a ser transplantado, podendo ser subdivididos didaticamente em retalhos de avanço, rotação, transposição, interpolação, em ilha e subcutâneo.1 Objetivando melhor resultado estético, a escolha da técnica cirúrgica para reconstrução de áreas da face deve levar em consideração itens como vascularização, tensão causada na sutura, redundância de pele, linhas de força, experiência do cirurgião com determinada técnica e doença de base, entre outros fatores.1,2 A orelha é composta pelo pavilhão auricular, constituído de cartilagem com convexidades e concavidades recobertas por pele fina, pelo lóbulo de tecido fibroadiposo e pelo conduto auditivo externo.1 Devido à pouca quantidade de pele disponível na orelha, a sua vascularização restrita e ao fato de ser área de difícil manipulação, a reconstrução cirúrgica dessa região representa um desafio.

O carcinoma basocelular (CBC) é neoplasia cutânea frequente, cuja excisão nem sempre permite o fechamento primário da incisão cirúrgica, principalmente na orelha. Neste artigo, relataremos a experiência de reconstrução da fossa triangular, ramo da anti-hélice e concha, após excisão de CBC, utilizando retalhos de unidades cosméticas semelhantes a partir de duas técnicas diferentes.

 

MÉTODOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 46 anos, sem comorbidades, portador de lesão na anti-hélice auricular, clinicamente sugestiva de CBC, com aproximadamente 3cm de diâmetro em seu maior eixo.

Técnica cirúrgica - retalho auricular anterior

Após a marcação da lesão a excisar (Figura 1) e do retalho da região pré-auricular, procedeu-se à anestesia local e ao bloqueio regional com solução de lidocaína 2%, epinefrina e bicarbonato de Na 8,4%.

A retirada da lesão nodular localizada na fossa triangular foi feita mediante curetagem seguida de excisão em fuso até a exposição da cartilagem (Figura 2).

Seguiu-se a confecção do retalho na região pré-auricular (Figura 3). Por meio de incisão na pele e cartilagem da hélice ocorreu transecção da hélice pelo pedículo do retalho e posicionamento do retalho na área cruenta (Figura 4). Seguiu-se a sutura com fio mononáilon 5.0 para pontos internos e sutura simples para fixação do retalho na área receptora.

A cirurgia foi finalizada com o fechamento primário da área doadora na região auricular anterior (Figura 5).

Em um segundo tempo cirúrgico, realizou-se a ressecção do pedículo e o fechamento do defeito com fio mononáilon 5.0.

Caso 2

Paciente de sexo masculino, 83 anos, portador de doença pulmonar obstrutiva crônica, apresentava há oito meses lesão ulcerada localizada na concha auricular, pruriginosa, que há quatro meses apresentou crescimento progressivo. Durante o exame clínico, foi observada lesão ulcerada, com borda perolada, bem como telangiectasias, sugerindo o diagnóstico clínico de CBC.

Técnica cirúrgica – retalho auricular posterior

A excisão da lesão localizada na concha auricular deu-se de forma semelhante à descrita no caso 1.

Neste caso 2, porém, o retalho foi oriundo da região retroauricular, tendo sido transfixado através da cartilagem da concha para preenchimento do retalho na área receptora (Figura 6). Seguiu-se a sutura para fixação do retalho no leito receptor e fechamento primário da região doadora. No segundo tempo cirúrgico, foi realizada a ressecção do pedículo e o fechamento do defeito (Figuras 7 e 8).

 

RESULTADOS

Ambas as técnicas de reconstrução da orelha foram realizadas com sucesso e sem complicações, obtendo-se ótimo resultado estético e funcional na utilização de retalho coletado tanto na região anterior quanto na região posterior.

Nos dois casos, o resultado do exame anatomopatológico da peça cirúrgica indicou CBC com margens livres.

 

DISCUSSÃO

A utilização de retalhos para reconstrução da orelha, quando da excisão de tumores, é a técnica mais indicada, pois o fechamento direto é inviável, e a enxertia nessa região é de difícil aderência.1,2 Locais com similaridade adequada e rica vascularização devem ser usados como áreas doadoras.2-4 Dos locais compatíveis para reconstrução da orelha, devem ser citados a região pré-auricular,5 a região auricular posterior, o sulco retroauricular e a região mastoide.3,4

Os retalhos de interpolação são realizados por deslocamento de tecido para área receptora próxima, mas não contígua.1 Optou-se por essa técnica pela possibilidade de melhores vascularização local e resultado estético, em comparação com o fechamento por segunda intenção.2,6

A técnica de interpolação do retalho posterior (ou retalho de Masson), descrita pioneiramente em 1972, é procedimento de elevado risco, apesar de ser a primeira escolha na reconstrução da concha.6 O tecido tende a apresentar pedículo estreito, e a realização da rotação dentro da orelha dificulta a circulação sanguínea no local.6 Em virtude dessas características, podem surgir complicações, como a necrose.7 Apesar disso, a literatura não enfatiza a necessidade da preservação do pedículo da artéria auricular posterior e sugere que a preservação de 50% do pedículo vascular do retalho seja suficiente para sua viabilidade.7

Um cuidado a ser tomado nesse tipo de retalho é a realização do segundo tempo cirúrgico três semanas após a abordagem primária, possibilitando adequada revascularização, aderência e viabilidade do tecido transferido.2 Tal cuidado foi observado nos casos relatados. A necessidade do segundo tempo cirúrgico, entretanto, é fator limitante para pacientes com baixa aderência ao tratamento, havendo o risco de perda do acompanhamento.8 Por isso, deve ser explicada ao paciente a necessidade de intervenção posterior à primeira cirurgia.

O retalho da região pré-auricular foi descrito inicialmente por Pennisi, sendo também opção quando os retroauriculares não puderem ser manuseados (quando há tumor nessa região, por exemplo).9 Apesar de fino, o retalho oriundo dessa área apresenta a vantagem de poder ser usado para reconstruções das regiões superior e inferior da orelha,10 além de ser opção melhor do que o fechamento por segunda intenção (associado a maior risco de infecção e retração em comparação com a cobertura da cartilagem com retalhos).2,9

Devido à utilização de unidades estéticas semelhantes (pele com iguais cor e textura), essa técnica possibilita bom resultado estético, além da preservação da anatomia do pavilhão auricular em virtude da manutenção da sua curvatura natural.8, 10

 

CONCLUSÃO

As técnicas de retalhos auriculares anterior e posterior devem ser lembradas como opções no arsenal terapêutico para correção de defeitos cirúrgicos maiores criados após a retirada de lesões tumorais extensas, preservando anatomia, funcionalidade e estética do local.

 

Referências

1. Silva, SCMC. Técnica Avançada de Excisão. In: Cirurgia Dermatológica Teoria e Prática. Rio de Janeiro: DiLivros; 2008. p. 173 – 256.

2. Cordova A, D'Arpa S, Pirrello R, Giambona C, Moschella F. Retroauricular skin: a flaps bank for ear reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2008;61(Suppl 1): S44-51.

3. Lynch J, Mahajan AL, Regan P. The trap door flap for reconstructing defects of the concha. Br J Plast Surg. 2003;56(7):709-11.

4. Johnson TM, Fader DJ. The staged retroauricular to auricular direct pedicle (interpolation) flap for helical ear reconstruction. J Am Acad Dermatol. 1997;37(6): 975-8.

5. Sánchez-Sambucety P, Alonso-Alonso T, Rodríguez-Prieto MA. Tunnelized Preauricular Transposition Flap for Reconstruction of Anterior Auricular Defects. Actas Dermo-Sifiliográficas. 2008,99(2):161-162.

6. Masson, JK. A simple island flap for reconstruction of concha-helix defects. Br J Plast Surg. 1972;25(4):399-403.

7. Talmi YP, Horowitz Z, Bedrin L, Kronenberg J. Auricular Reconstruction with a Postauricular Myocutaneous Island Flap: Flip-Flop Flap. Plast Reconstr Surg. 1996; 98(7):1191-9.

8. Suchin KR, Greenbaum SS. Preauricular Tubed Pedicle Flap Repair of a Superior Antihelical Defect. Dermatol Surg. 2004;30(2 Pt 1):239-41.

9. Braga AR, Pereira LC, Grave M, Resende JH, Lima DA, De Souza AP, et al. Tunnelised inferiorly based preauricular flap repair of antitragus and concha after basal cell carcinoma excision: Case report. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(3): e73-5.

10. Pennise VR, Klabunde EH, Pierce GW. The Preauricular Flap. Plast Reconstr Surg. 1965;35:552-6.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Hupe/Uerj) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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