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Relato de casos

W-plastia: papel na camuflagem de uma cicatriz cirúrgica inestética da face

Paulo Morais1; Paulo Santos2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201683865

Data de recebimento: 18/07/2016
Data de aprovação: 15/09/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A W-plastia é uma técnica frequentemente utilizada na cirurgia cosmética facial para camuflar uma cicatriz linear transformando-a num padrão irregular. Consiste na excisão de uma série de pequenos triângulos consecutivos de pele de cada lado da cicatriz e na interdigitação dos retalhos triangulares resultantes, produzindo um efeito "zigue-zague". Este procedimento é particularmente útil em cicatrizes longas, largas, curvas, contráteis ou perpendiculares às linhas de tensão da pele relaxada, localizadas na fronte, bochechas, queixo e nariz. Relatamos a utilidade desta técnica numa cicatriz facial pós-cirúrgica inestética.


Keywords: CICATRIZ; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS MENORES; RETALHOS CIRÚRGICOS; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS RECONSTRUTIVOS


INTRODUÇÃO

A formação de cicatriz é uma consequência inevitável do processo de cicatrização quer resultante de atos cirúrgicos quer de origem traumática.1 Em cirurgia oncológica, a remoção completa do tumor e o aspeto estético da cicatriz são critérios essenciais para avaliar o resultado cirúrgico. A experiência do cirurgião, um planejamento cirúrgico cuidadoso e a aplicação da técnica correta, aliados ao conhecimento da anatomia e do processo de cicatrização, são fulcrais para melhorar o resultado cirúrgico e reduzir o risco de complicações.1-3 A revisão da cicatriz não elimina a cicatriz mas ajuda a torná-la menos evidente e cosmética/funcionalmente mais aceitável modificando diversas variáveis: suavizando cicatrizes irregulares, melhorando a coloração, preenchendo depressões, reorientando, estreitando ou achatando a cicatriz ou corrigindo a distorção de unidades anatômicas.2 Para tal efeito podem ser utilizadas diferentes técnicas cirúrgicas (Z-plastia, W-plastia, encerramento com linha quebrada geométrica, retalhos de avanço em V-Y e Y-V, debulking, entre outras) e não cirúrgicas (infiltração de corticóides, dermoabrasão e tratamento com lasers ablativos e não ablativos), isoladamente ou em combinação, sendo necessário ter-se em consideração as vantagens, limitações e riscos de cada uma delas.1,3 No planejamento da revisão da cicatriz o cirurgião deve decidir o timing adequado para intervir e o tipo de técnica a utilizar, de forma a obter um resultado final esteticamente agradável.1

 

RELATO DE CASO

Um doente do sexo masculino, de 38 anos, tinha sido submetido à excisão de carcinoma basocelular do mento há três anos, com fechamento utilizando retalho de transposição do sulco nasolabial (Figura 1 A, B e C). Do procedimento resultaram duas cicatrizes hipertróficas, alongadas, largas e curvas, perpendiculares às linhas de tensão da pele relaxada (LTPR) (Figura 1D). As cicatrizes eram esteticamente desagradáveis, sendo motivo de estresse emocional e impacto social não negligenciável. O doente foi proposto para correção cirúrgica das cicatrizes através da técnica da W-plastia, procedimento que o paciente aceitou. Após anestesia local com lidocaína a 2% com adrenalina a 1:100.000 desenharam-se pequenos retalhos triangulares de pele inderdigitados (W's), de cada lado da cicatriz, de modo a que os dois lados pudessem interpor-se após a excisão da cicatriz e descolamento dos retalhos (Figuras 1E, 1F e 1G). As bordas dos triângulos apresentavam cerca de 5 mm de comprimento, sendo uma delas paralela às LTPR, e as extremidades apresentavam menos de 30º. O fechamento foi efetuado com fio de sutura sintético não absorvível (poliamida) 5.0 (Figura 1H). O resultado final alcançado foi considerado cosmeticamente bom, tanto para o doente como para o médico, não tendo sido verificadas complicações (Figura 1I).

 

DISCUSSÃO

A W-plastia, ou plastia em W, é uma técnica relativamente simples de planejar e de executar que consiste na excisão da cicatriz antiga com fechamento da ferida mediante reaproximação dos pequenos bordos interdigitados criados, produzindo um padrão em zigue-zague. É baseada no princípio de que uma linha irregular é menos visível do que uma linha reta, o que é especialmente vantajoso quando a cicatriz não está ao longo das LTPR. Está ainda indicada em cicatrizes em superfícies curvas como a mandíbula ou em concavidades, cicatrizes largas ou com marcas de pontos semelhantes a linha de trem, bem como para dissipar as forças de contratura e prevenir novas retrações cicatriciais.2,4 Deve ser realizada em locais onde exista tecido adjacente frouxo, como na fronte, regiões temporais, bochechas ou mento.2 Não existe alongamento da cicatriz e o tecido é removido, pelo que existe um aumento da tensão da rede no eixo perpendicular à cicatriz.4

Em pormenor, a técnica da W-plastia consiste em (Figura 2):

1. Desenhar uma linha em zigue-zague (W's) de um dos lados da cicatriz, bem como uma imagem em espelho do lado oposto. Os W's funcionarão como retalhos de avanço triangulares e as suas pontas devem ser paralelas às LTPR, uma vez que a cicatriz é perpendicular às mesmas.2,3,5

2. Desenhar os W's de forma a que os ângulos sejam de pelo menos 60º e as pontas dos triângulos se situem entre 3 a 7 mm da periferia da cicatriz e assim se obtenha uma linha irregular.3 Para evitar o efeito orelha-de-cão é essencial que a porção terminal da plastia seja desenhada de forma a que se origine um ângulo de 30º em cada extremidade (Figura 2B).2,3,5

3. Excisar a cicatriz ao longo das linhas e reaproximar os bordos de forma a que as pontas dos retalhos triangulares se interdigitem e formem uma linha única em zigue-zague (Figura 2C).

Este caso realça a utilidade da W-plastia na correção de cicatrizes cosmeticamente insatisfatórias e a importância do resultado estético pós-cirúrgico para o doente e para o clínico. A nossa experiência com esta técnica de revisão de cicatrizes mostra que, se efetuada corretamente e em casos adequadamente selecionados, é possível obter uma melhoria marcada no aspeto da cicatriz, tornando-a menos notória. No entanto, o benefício da W-plastia é reduzido em cicatrizes longas uma vez que o padrão repetitivo regular (zigue-zagues) poderá tornar a cicatriz mais evidente.2,5 Nestes casos será preferível utilizar a correção com linha quebrada geométrica.

 

Referências

1. Garg S, Dahiya N, Gupta S. Surgical scar revision: an overview. J Cutan Aesthet Surg. 2014;7(1):3-13.

2. Shockley WW. Scar revision techniques: z-plasty, w-plasty, and geometric broken line closure. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011;19(3):455-63.

3. Pérez-Bustillo A, González-Sixto B, Rodríguez-Prieto MA. Surgical principles for achieving a functional and cosmetically acceptable scar. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(1):17-28.

4. Lorenz P, Bari AS. Prevenção de cicatriz, tratamento e correção. In Neligan PC, Gurtner GC (editoress). Cirurgia Plástica: princípios. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

5. Rodgers BJ, Williams EF, Hove CR. W-Plasty and geometric broken line closure. Facial Plast Surg. 2001;17:239-44.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatovenereologia do Centro Hospitalar São João - Porto, Portugal.


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