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Cirurgia conservadora em caso de melanoma subungueal in situ

Eckart Haneke1; Robertha Carvalho de Nakamura2; Francin Papaiordanou3; Erika Araujo Machado4; Luiza Ferreira D'Almeida4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201681767

Recebido: 02/02/2016
Aprovado: 20/03/2016
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O melanoma subungueal é considerado um subtipo raro de melanoma. Surge na matriz, mas pode envolver todos os componentes do aparelho ungueal. Este tumor é frequentemente subdiagnosticado, o que leva um atraso no tratamento adequado e consequentemente confere um pior prognóstico. O diagnóstico final deve ser confirmado com exame histopatológico. A cirurgia conservadora no tratamento do melanoma subungueal é atualmente reconhecida pela literatura internacional (quando em estágios iniciais), e oferece ao paciente um tratamento eficaz, curativo, preservando a habilidade funcional. Neste artigo relatamos um caso de melanoma subungueal tratado com êxito com a cirurgia conservadora, com preservação do dígito.


Keywords: MELANOMA; DOENÇAS DA UNHA; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATÓRIOS


INTRODUÇÃO

O melanoma cutâneo é o tumor de pele mais perigoso, sendo causador de 90% da mortalidade entre os cânceres de pele.1 O melanoma subungueal (MSU) é um subtipo raro de melanoma, representando de 0,7 a 3,5% de todos os casos.1,2 Surge a partir da matriz ungueal, mas pode envolver os outros componentes da unidade ungueal. 3 Esta doença, com frequência, é erroneamente diagnosticada, o que leva a um atraso no tratamento adequado e a um prognóstico incerto, especialmente devido à pequena distância da matriz ungueal até o osso. Alguns dados epidemiológicos não confirmam a existência de qualquer fator predisponente razoável, como características genéticas, história familiar ou exposição à luz UV. Há variações, de acordo com o autor. Histórico de trauma tem sido relatado, variando de 25% a 55%. 2 Até o ano de 2002, o tratamento padrão ouro era a biópsia excisional, seguida de amputação da falange distal do dedo de forma a proporcionar uma margem de pelo menos 10mm. Dados populacionais mais recentes comunicam que o melanoma in situ - com espessura de Breslow < 0.5mm - pode ser apropriadamente tratado através da ampla excisão local de toda a unidade ungueal ("em bloco") 1,2,4 contudo não há evidência de nível alto disponível. 4

Até o ano de 2014, o National Cancer Institute, USA, não possuía diretrizes para o tratamento do MSU. 4 O presente artigo tem como objetivo relatar um caso bem sucedido de MSU tratado com cirurgia conservadora (ressecção da unidade ungueal, com preservação do dígito).

 

RELATO DE CASO

Uma mulher de 67 anos de idade procurou o Centro de Estudos da Unha do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil, apresentando uma mancha pigmentada longitudinal sobre a unha do hálux direito, com histórico de 10 anos. Havia um traço escuro de 2 mm de largura e ainda dois outros (mais claros e mais estreitos) próximos à dobra lateral da unha (Figura 1). Havia a presença de sinal de Hutchinson, afetando o hiponíquio e a prega proximal. Não havia história familiar de melanoma ou de qualquer outro câncer de pele. A paciente negava trauma e infecções fúngicas anteriores. A paciente foi submetida a exame dermatoscópico que revelou sinal de Hutchinson subungueal.

Foi realizada a biópsia longitudinal lateral, contendo todos os elementos da unidade ungueal: hiponíquio, leito ungueal, placa ungueal, matriz, dobras proximal e lateral, até que houvesse exposição do osso.

O exame histopatológico revelou hiperplasia lentiginosa epidérmica e melanócitos vacuolizados atípicos com propagação em padrão pagetóide. Não houve envolvimento da derme papilar. Tais achados foram compatíveis com melanoma lentiginoso in situ (Figura 2). Após a adequada marcação em torno da unidade ungueal com margem de 10 milímetros, decidiu-se excisar o aparelho ungueal por completo, com subsequente dissecção até a estrutura óssea, na tentativa de preservar a capacidade funcional da paciente. Quinze dias após a cirurgia, o local excisado foi reparado com um enxerto de espessura total, com bom resultado. A paciente foi acompanhada durante 165 dias, com registo fotográfico (Figura 3). Até o momento do envio do artigo para publicação não havia sinais clínicos de recorrência.

 

DISCUSSÃO

O dermatologista deve considerar alguns diagnósticos diferenciais (benignos e malignos) do MSU, entre os quais: trauma, queratoacantoma subungueal, nevo juncional, verrugas, radiodermite, carcinoma de células escamosas, carcinoma basocelular, metástases ósseas, doença de Bowen e outros. 5

Levit et al. propuseram uma regra mneumônica que facilita o diagnóstico (The ABC rule for clinical detection of subungual melanoma - A regra ABC para a detecção clínica do melanoma sub-ungueal).

A dermatoscopia pode ser útil para facilitar o diagnóstico diferencial e para facilitar o diagnóstico per se, porém, ao contrário do que ocorre para outros locais cutâneos, há escassez de critérios dermatoscópicos convencionais para as lesões pigmentadas da unha.

O acúmulo de melanina na lâmina ungueal dificulta a observação direta da matriz e leito ungueais subjacentes. Dermatoscópios com luzes polarizadas não devem ser utilizados para examinar unhas devido às propriedades ópticas da placa ungueal (formato convexo). É necessário o emprego de um gel de imersão específico para preencher as cavidades. Hirata et al. propõem um exame dermatoscópico do leito e matriz ungueais, sem a placa ungueal (com o auxílio de um dermatoscópio de luz polarizada), o que permite a visualização direta da pigmentação, revelando aspectos não observados quando a placa ungueal está interposta. Consequentemente, facilitam a seleção do local adequado para a biópsia excisional. Contudo, este procedimento não substitui o exame dermatoscópico da placa ungueal 6 e não é comunmente empregado em todos os serviços de dermatologia. Uma característica dermatoscópica sutil mas importante é o formato triangular da faixa longitudinal: a extremidade proximal é mais larga do que a distal. Esse fato implica que a lesão está em processo de crescimento, o que sugere fortemente a presença de MSU. Outros achados que levam à suspeita de MSU são os seguintes:

• faixas pigmentadas com mais de 6 mm de largura 7

• presença do sinal de Hutchinson 7

• distrofia e ulceração da placa ungueal (lembrar sempre que o melanoma pode ser uma lesão amelanótica - todas as lesões da unidade ungueal devem passar por biópsia histopatológica) 7

• fundo de coloração marrom e presença de linhas longitudinais irregulares, com interrupções em seu paralelismo 8

• pontos de sangue observados principalmente em hemorragia ungueal, não descartam a presença de melanoma 8

• o sinal de micro-Hutchinson (pigmentação com coloração variando do marrom ao preto na cutícula e dobra proximal) 8,9

• pigmentação irregular do marrom ao preto e espessura irregular 10

O diagnóstico final deve ser confirmado por um exame histopatológico adequado. Biópsias excisionais são consideradas como o "padrão de ouro", a fim de evitar erros de amostragem. 2

Em 2001, Clarkson et al. descreveram pela primeira vez o tratamento do melanoma subungueal através da excisão ampla da unidade ungueal e reparo com enxerto de pele. 6 Desde a publicação desse estudo, surgiram alguns casos relatados na literatura demonstrando ausência de recorrências após seguimento mínimo de 2 anos. 1,4,10

Os resultados de um estudo de análise histopatológica de melanoma subungueal justificam que o tratamento cirúrgico conservador da lesão em estágio inicial é possível devido ao fato da matriz ungueal parecer ser mais resistente à invasão do que outras estruturas, com tendência tardia da invasão dérmica. As ressecções conservadoras se justificam quando as margens obtidas são histologicamente livres.

Em conclusão, o tratamento cirúrgico do melanoma subungueal - quando em fase inicial - com a ampla excisão da unidade ungueal, sem amputação do dedo do pé e seguido por enxertia é atualmente reconhecido pela literatura internacional e oferece segurança, eficácia e cura ao paciente, preservando a sua capacidade funcional.

 

Referências

1. Garbe C et al. Diagnosis and treatment of melanoma. European consensus-based interdisciplinar guideline¬ update 2012, Eur J Cancer (2012)

2. De Giorgi et al. Specific challenges in the management of subungual melanoma. Expert Rev. Anticancer Ther. 2011: 11(5), 749¬761.

3. Sureda N, Phan A, Poulalhon N, Balme B, Dalle S, Thomas L. Conservative surgical management of subungual (matrix derived) melanona: reporto f seven cases and literature review. Br J Dermatol. 2011; 165(4): 852¬-8.

4. Cochran AM, Buchanan PJ, Bueno RA Jr, Neumeister MW. Subungual melanoma: a review of current treatment. Plast Reconstr Surg. 2014;134(2):259-¬73.

5. Levit EK, Kagen MH, Scher RK, Grossman M, Altman E. The ABC rule for clinical detection of subungual melanoma. J Am Acad Dermatol. 2000; 42(2 pt 1): 269-73.

6. Hirata SH, Yamada S, Almeida FA, Enokihara MY, Rosa IP, Enokihara MM, et al. Dermoscopic examination of the nail bed and matrix. Int J Dermatol. 2006 ;45(1):28-30.

7. Banfield CC, Dawber RPR. Nail Melanoma: A review of the literature with recommendations to improve patient management. Br J Dermatol. 1999; 141(4): 628¬-32.

8. Ronger S, Touzet S, Ligeron C, Balme B, Viallard AM, Barrut D, et al. Dermoscopic examination of nail pigmentation. Arch Dermatol. 2002;138(10):1327-33.

9. Bello DM, Chou JF, Panageas KS, Brady MS, Coit DG, Carvajal RD, et al. Prognosis of acral melanoma: a series of 281 patients. Ann Surg Oncol. 2013;20(11): 3618¬-25.

10. Bilemjian APJ, Maceira JP, Barcaui CB, Pereira FB. Melanoníquia: importância da avaliação dermatoscópica e da observação da matriz / leito ungueal. An Bras Dermatol. 2009;84(2):185¬-9.

 

Trabalho realizado no Centro de Estudos da Unha do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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